Homem nervoso: planejador financeiro muitas vezes vira uma espécie de terapeuta, mediando discussões e ouvindo problemas pessoais (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 14 de abril de 2014 às 06h00.
São Paulo – A consulta com um consultor ou planejador financeiro em muitos aspectos se assemelha à consulta com um psicólogo: o cliente abre a sua vida financeira – e, consequentemente, também a pessoal – e a relação é guardada por um contrato de confidencialidade.
Anteriormente, EXAME.com publicou um texto sobre as coisas constrangedoras que os clientes muitas vezes precisam contar para seus consultores e planejadores financeiros.
Agora, passamos para o lado de lá, e perguntamos a profissionais que atendem pessoas físicas quais as saias justas mais comuns em que os clientes costumam deixar seus consultores.
Por saias justas, entenda-se aquela situação pessoal complicada e talvez até constrangedora que o profissional precisa resolver, por força do ofício, até porque envolve as finanças do cliente.
Algumas histórias são curiosas, outras impressionantes e outras engraçadas. Conheça algumas:
1 O cliente que tem uma amante ou mantém uma outra família
Segundo Paulo Bittencourt, diretor técnico da Apogeo Investimentos, essa é a saia justa mais comum, mas também é a mais fácil de lidar. “Aqui no Brasil os homens não têm muito pudor em contar isso e combinar, por exemplo, de não mandar determinado extrato para a casa dele”, diz Bittencourt.
Essa é uma coisa importante de contar, uma vez que já houve decisões judiciais no sentido de dar a amantes o direito a pensão ou bens em caso de separação ou morte da pessoa que estava sendo infiel. Além disso, se o cliente mantém outra família, suas finanças precisam estar preparadas, e ele certamente não vai querer que a esposa saiba disso.
O consultor financeiro terá que esconder a história da esposa, que provavelmente também será a sua cliente. É preciso jogo de cintura para segurar.
Bittencourt conta a história de um cliente casado que foi analisar sua carteira de investimentos e aproveitou para solicitar um saque na agência bancária que havia no mesmo prédio.
A quantia – uns 50 mil reais em valores de hoje – seria destinada a uma “viagem com a namorada”. Os gastos, evidentemente, não poderiam aparecer na fatura do cartão de crédito, portanto.
“Como o sujeito não tinha como levar o dinheiro, ele simplesmente arregaçou as calças e enfiou os maços de dinheiro nas meias”, lembra Bittencourt.
2 Um cônjuge não sabe da situação financeira do outro
De acordo com Maria Ângela Nunes, planejadora financeira certificada (CFP) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF), a situação mais comum com a qual ela se depara é a do casal de clientes que não compartilha todas as informações financeiras.
“Não é que seja comum, mas é a saia-justa mais frequente: quando você percebe que uma das partes dá uma informação financeira e a outra demonstra surpresa, e você nota que ela não sabia”, diz a CFP.
Ela conta que existem pessoas que não contam ao cônjuge sobre quanto ganham, sobre dívidas ou sobre um investimento. “O planejador precisa fazer de conta que não notou o mal-estar, e às vezes até tentar dar uma contornada na situação”, diz Maria Ângela.
3 O cliente é supersticioso
Outra situação em que os consultores financeiros precisam “rebolar” é quando o cliente é supersticioso e tem certeza de que sua crença o ajudou a chegar aonde chegou.
Segundo Bittencourt, alguns clientes ricos são supersticiosos também com seus investimentos. “Não há problema em o cliente ter uma crença. Mas o consultor precisa se adaptar a certas exigências”, diz o diretor da Apogeo.
Ele conta que há clientes que pedem para adiar um investimento porque a data não é auspiciosa ou para consultarem seu numerólogo antes. “Alguns clientes têm dias certos do mês para fazerem aplicações, e o consultor precisa de sensibilidade para se adaptar”, diz Bittencourt.
4 O cliente usa o consultor para dar uma má notícia à família
Maria Ângela conta que às vezes o planejador precisa fazer o papel de mensageiro das más notícias. Como quando um dos cônjuges decide que é preciso cortar despesas a fim de alcançar certos objetivos financeiros, mas o outro não aceita as economias que precisam ser feitas.
“O consultor percebe, na hora de apresentar o plano financeiro para a família, que é dele o papel de convencer o outro”, conta Maria Ângela.
Segundo ela, nesses casos o planejador acaba virando uma espécie de terapeuta e precisa até mediar discussões entre os casais.
5 Há descompasso entre pais e filhos
Algumas famílias sofrem com um descompasso entre gerações. Segundo Paulo Bittencourt, não são raros os clientes milionários e até bilionários que construíram suas fortunas do zero, mas cujos filhos não se interessam em se preparar para assumir seus negócios e patrimônio.
“Tive um cliente bilionário que foi fazer avaliação de sua carteira e lá pelas tantas começou a dizer que, apesar de ser especialista nisto e naquilo, não conseguia mudar a cabeça do filho, que havia passado o último ano e meio surfando no Havaí”, diz Bittencourt, sinalizando o fato de que o rapaz não tinha interesse em aprender a administrar a fortuna do pai.
Segundo o diretor da Apogeo, nesses momentos o consultor funciona quase como um psicólogo. “No fundo, ele nem quer uma resposta. O consultor não precisa dizer nada. Ele quer a oportunidade de desabafar. Quem sabe com isso ele não se acalme e consiga resolver sua situação”, completa.
6 O cliente precisa proteger os filhos de si mesmos
Esse mesmo descompasso leva alguns pais a desconfiarem dos próprios filhos em relação à capacidade de eles administrarem bem suas heranças em vez de torrarem tudo.
Algumas famílias contratam planejadores financeiros para fazer planejamento sucessório, escolhendo as melhores formas de transmitir seu patrimônio àqueles que serão seus herdeiros. Nessas horas é possível que se identifiquem filhos que sejam “detonadores de patrimônio”.
“A saia justa muitas vezes é ter que sugerir medidas de proteção, se houver possibilidade de o filho ficar desprotegido em relação a dinheiro. E a conversa tem que ser muito bem conduzida, pois os clientes podem interpretar mal, como se o profissional estivesse dizendo que o filho é incompetente”, diz Maria Ângela Nunes.
A CFP diz que, nesses casos, é possível garantir que, após a morte dos pais, o filho só receba uma renda, mas não possa vender os bens que geram essa renda, de forma a não ficar desassistido. “O filho fica louco da vida, mas os pais fazem isso para protegê-lo”, diz.
Vídeo: As picuinhas financeiras que destroem casamentos
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