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35 anos do dia que o Brasil acordou sem dinheiro; relembre o confisco do Plano Collor

O período ficou marcado como o dia em que milhares de brasileiros acordaram sem suas economias, trauma que mudou para sempre a relação com os bancos

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 16 de março de 2025 às 14h55.

Última atualização em 16 de março de 2025 às 15h07.

Em 16 de março de 1990, o Brasil testemunhou um dos episódios mais impactantes de sua história econômica. Há exatos 35 anos, o recém-empossado presidente Fernando Collor de Mello anunciou um pacote de medidas que incluía o confisco de poupanças e ativos financeiros de milhões de brasileiros, em uma tentativa desesperada de conter a hiperinflação que assolava o país.

O plano, oficialmente batizado de "Brasil Novo", impôs um bloqueio das cadernetas de poupança, contas-correntes e investimentos superiores a CR$ 50 mil por 18 meses. A medida reteve aproximadamente 80% do dinheiro aplicado no sistema financeiro, estimado em US$ 100 bilhões — o equivalente a 30% do PIB brasileiro da época.

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"Não temos mais alternativas. O Brasil não aceita mais derrotas. Agora, é vencer ou vencer. Que Deus nos ajude", declarou Collor em pronunciamento nacional na manhã daquele fatídico dia.

A população, que havia acabado de celebrar o retorno à democracia com a primeira eleição direta em quase três décadas, foi pega de surpresa. De um dia para outro, cidadãos que economizaram durante anos viram suas reservas financeiras bloqueadas, com acesso limitado a apenas 50 mil cruzados novos (aproximadamente R$ 8,3 mil em valores atuais).

Fernando Collor de Mello: o ex-presidente acena para repórteres em 30 de dezembro de 1992 após sua coletiva de imprensa onde falou sobre sua renúncia. O Senado brasileiro votou 76-3 para acusá-lo de má conduta e bani-lo da vida política por oito anos. (JULIO PEREIRA / Equipe/Getty Images)

Inflação descontrolada e tentativa de estabilização

O cenário que antecedeu o confisco era de caos econômico. A inflação acumulada em 1990 já havia atingido a impressionante marca de 1.476,56%. Em março daquele ano, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) previa que o mês fecharia com inflação de 89,6%, mas o resultado foi de 82,39%, a maior variação mensal do IPCA já documentada pelo IBGE.

A hiperinflação, descrita em reportagens da época como "um vilão que devorava dia após dia fatias polpudas do dinheiro das pessoas", havia se tornado incontrolável. O Plano Collor foi o quarto pacote econômico em apenas cinco anos, após o fracasso das tentativas anteriores (Cruzado em 1986, Bresser em 1987 e Verão em 1989) implementadas durante o governo Sarney.

A arquitetura do confisco

Sob o comando da ministra Zélia Cardoso de Mello, que substituiu Maílson da Nóbrega no Ministério da Fazenda, o plano foi meticulosamente preparado em sigilo. Dias antes do anúncio, foi decretado um feriado bancário de três dias (14, 15 e 16 de março), gerando especulações e corrida aos caixas eletrônicos.

Além do bloqueio financeiro, o pacote incluía:

  • Troca da moeda: o cruzado novo foi substituído pelo cruzeiro
  • Congelamento de preços e salários por 45 dias
  • Criação de um imposto sobre operações financeiras
  • Aumento das tarifas de serviços públicos (gás, luz, telefone)
  • Extinção de 24 empresas estatais
  • Demissão de 81 mil funcionários públicos

Caos nas agências bancárias e crise social

A implementação do plano gerou cenas de desespero em todo o país. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), cerca de dez milhões de brasileiros lotaram as agências nos dias seguintes ao anúncio, tentando entender como acessar seus recursos.

Muitas agências bancárias ficaram sem dinheiro em espécie para atender à demanda excepcional de saques. A população, desconfiada das promessas governamentais, preferiu guardar em casa o pouco que conseguia retirar ou gastá-lo rapidamente em supermercados antes que o valor se deteriorasse ainda mais.

O impacto imediato do plano foi uma queda abrupta da inflação, que recuou de 82% em março para 7,5% em abril. No entanto, esse efeito revelou-se efêmero. Em poucos meses, os preços voltaram a subir aceleradamente, enquanto outros indicadores econômicos desabavam:

  • A Bolsa de Valores de São Paulo sofreu queda de 22%
  • O PIB brasileiro recuou mais de 4% em 1990
  • O desemprego aumentou significativamente
  • A confiança dos investidores no país foi profundamente abalada

Para além dos números, o confisco deixou marcas profundas na sociedade brasileira. O dinheiro retido representava, para muitos, anos de trabalho e economias destinadas a projetos de vida, tratamentos médicos, educação dos filhos ou segurança na velhice.

De acordo com as regras estabelecidas, os recursos bloqueados seriam devolvidos em 12 parcelas iguais a partir de setembro de 1991, acrescidas de correção monetária e juros de 6% ao ano. Contudo, devido à continuidade do processo inflacionário, o valor real devolvido foi significativamente menor que o original.

O desfecho político

A medida drástica contribuiu para desgastar rapidamente o capital político do governo Collor. Zélia Cardoso de Mello deixou o Ministério da Fazenda em maio de 1991, antes mesmo do início da devolução dos valores confiscados.

A crescente impopularidade, somada às denúncias de corrupção que surgiriam posteriormente, culminou no processo de impeachment do presidente em 1992, menos de três anos após sua posse.

Um estudante pinta as cores da bandeira nacional do Brasil e expressões anti-Collor de Mello em outro estudante em 21 de setembro de 1992, antes de uma manifestação contra o presidente brasileiro no Rio de Janeiro, Brasil. (ANTONIO SCORZA/Getty Images)

A eleição que levou Collor ao poder

No segundo turno da primeira eleição direta para presidente após 29 anos, Fernando Collor de Mello (PRN) obteve 53,03% dos votos contra 46,97% de Luiz Inácio Lula da Silva. Collor assumiu a Presidência em 15 de março de 1990, aos 40 anos, tornando-se o mais jovem presidente da história do Brasil.

Sua campanha foi construída sobre a imagem de um político jovem, moderno e determinado a combater a corrupção. Apresentando-se como um "caçador de marajás", prometia enfrentar funcionários públicos com salários considerados exorbitantes e modernizar o Estado brasileiro.

Chegou a anunciar, com grande publicidade, a cobrança de US$ 140 milhões que usineiros deviam ao Banco do Estado de Alagoas, estado onde havia sido governador. Essa postura de combate aos privilégios e à corrupção conquistou o eleitorado em um momento de grande descrédito na política tradicional.

O controverso Plano Collor, anunciado apenas um dia após sua posse, marcou o início de uma breve e turbulenta gestão que terminaria com sua renúncia em dezembro de 1992, momentos antes da conclusão do processo de impeachment motivado por denúncias de corrupção.

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