Guerra comercial entre EUA e China. Foto: Annecordon / Getty Images (Annecordon/Getty Images)
Tais Laporta
Publicado em 16 de junho de 2019 às 07h26.
Última atualização em 16 de junho de 2019 às 07h26.
Para além das ameaças, o embate comercial entre Estados Unidos e China vem acertando não apenas seus alvos mais óbvios, como a gigante de tecnologia Huawei, mas toda uma cadeia envolvida no comércio global, o que pode acabar chegando ao bolso dos investidores em empresas brasileiras.
No Brasil, o maior receio vem de negócios que dependem, em algum grau, da demanda chinesa por matérias-primas e commodities. Uma desaceleração do país asiático tem potencial de afetar a receita de grandes exportadores, especialmente nos setores de siderurgia, óleo e gás e agronegócio.
Por outro lado, o agravamento das tensões pode abrir brechas que mercados como o Brasil podem vir a explorar. Tanto que investidores já antecipam a possível valorização dos papéis de empresas, se antecipando aos eventuais efeitos de uma escalada protecionista.
Ninguém arrisca prever quando será o fim do embate entre as duas potências, que dura mais de um ano. A tensão comercial teve início em março de 2018, quando o governo Donald Trump decidiu sobretaxar o aço e alumínio importado de diversos países, incluindo o Brasil.
Em paralelo, impôs tarifas sobre uma extensa lista de produtos chineses, levando a retaliações e trocas de ameaças com o gigante asiático. Houve até uma breve calmaria no final do ano passado, quando Trump suspendeu novas tarifas e acenou para um acordo pelo fim da tensão.
Mas a trégua durou pouco, levando a uma queda generalizada nas bolsas globais. Desde então, os investidores já imaginam os efeitos de uma redução no volume do comércio. “Sob a ótica do fluxo de negócios, a disputa é ruim para todo mundo”, pontua o sócio e estrategista da Eleven Financial Research, Adeodato Volpi Netto.
Os economistas têm tido dificuldade em mensurar os riscos de um conflito que ultrapassa a questão comercial e envolve influência geopolítica, propriedade intelectual e soberania.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) chegou a alertar que um agravamento das tensões pode gerar um corte de 0,7% do crescimento global até 2022, do qual ninguém seria poupado.
O exemplo mais sintomático de como o ataque a uma empresa pode gerar um efeito em cadeia vem da própria Huawei. Após os EUA proibirem a terceira maior fabricante de celulares do mundo de fazer negócios com empresas do país, as ações de fornecedoras de chips norte-americanas e europeias despencaram.
A questão inclusive afeta as mais poderosas do setor: Apple, Microsoft e Amazon, além de fabricarem boa parte de seus produtos na China, têm o país asiático como um importante mercado consumidor.
Não por acaso, as ações de tecnologia são as que mais vêm pressionando os índices de Wall Street a cada piora do conflito. O conglomerado tecnológico do Google já se movimenta para transferir sua produção de componentes de hardware para fora da China. O gigante asiático do e-commerce Alibaba prepara um IPO para levantar recursos, temendo os efeitos da tensão.
À primeira vista, companhias exportadoras seriam as mais atingidas por um desaquecimento da economia global decorrente as tensões. “Neste cenário, a situação não é confortável para quem depende de outros mercados”, avalia Pedro Galdi, da Mirae Asset Wealth Management.
O efeito mais imediato deste enfraquecimento seria a queda nos preços das principais commodities, como o petróleo - que se por um lado ajuda a Petrobras a importar mais barato, por outro reduz a receita das suas exportações.
Para os setores de mineração e siderurgia, a tensão entre as potências pode ter um impacto misto. Uma desaceleração da China afetaria a exportação de insumos como o minério de ferro, mas faria o governo chinês lançar projetos de infraestrutura como estímulo e precisar de matérias-primas vindas do Brasil.
Isso beneficiaria empresas como a Vale, mesmo com a queda de sua produção, e também a siderúrgica CSN, afirma Pedro Galdi, da Mirae Asset Wealth Management.
Já a Gerdau pode se blindar da guerra de tarifas pelo fato de ter unidades de negócios na América do Norte e parte de seu mercado nos EUA.
“Se ela trabalhar com menor oferta do produto chinês, pode não ser afetada”, acredita Adeodato Netto, sócio da Eleven Financial Research. O aquecimento das tensões também pode elevar o preço do vergalhão de aço, produzido pela Gerdau.
Para exportadores de carne como a BRF e a JBS, o risco está em uma disparada nos preços de grãos, caso a China deixe de exportar soja para os EUA. “Isso poderia gerar uma pressão de custos para empresas que precisam de ração para seus rebanhos”, diz Galdi, da Mirae.
Mesmo os possíveis efeitos benéficos da guerra comercial podem ser temporários se ela se prolongar demais, aponta Netto, da Eleven Financial, “Aí é preciso compreender se a empresa estará ganhando mais no preço ou no volume”.
Para a fabricante de aeronaves Embraer, a criação de uma empresa controlada pela americana Boeing também coloca em risco sua atuação na China, onde mantém hoje seu maior mercado.
Na outra ponta, empresas que eventualmente consigam competir em algum mercado disputado por EUA ou China podem levar a melhor. Um setor com potencial para ganhar atratividade de forma indireta é o elétrico, caso avancem as discussões sobre uma migração para mercados emergentes dos recursos do investimento direto chinês que iria para os EUA.
“Diversos players chineses já orbitam nesse setor e empresas listadas no Brasil estão prontas para vender ativos”, explica Netto, da Eleven Financial. A Companhia Paranaense de Energia (Copel), que passa por uma gestão com viés mais liberal, seria uma das possíveis favorecidas por um ciclo de desinvestimento.
A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) é outra com um extensa lista de ativos à venda, assim como a Eletrobras, bem mais avançada no leilão de suas distribuidoras. “O setor inteiro pode se beneficiar do apetite chinês”, afirma o sócio da Eleven Financial.