(Dado Galdieri/Bloomberg)
Bloomberg
Publicado em 31 de março de 2021 às 08h30.
Última atualização em 18 de abril de 2021 às 10h13.
(Bloomberg) É um título estranho: tecnicamente uma debênture participativa perpétua da Vale que paga rendimentos quando a produção da gigante brasileira da mineração atinge certos limites. E, durante anos, poucos no mundo das finanças de São Paulo haviam tomado conhecimento do papel, que tinha preços estagnados em alguns centavos e poucos negócios no mercado secundário.
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Mas, recentemente, os investidores veem os títulos de outra forma e seus preços estão disparando. É fácil entender o porquê: embora as notas sejam vendidas em reais, o pagamento é baseado na receita em dólares da Vale. Isso significa que as debêntures de uma empresa com grau de investimento pagarão um rendimento em dólares de cerca de 10% neste ano, um valor quase inédito em um mundo onde os bancos centrais globais têm feito o possível para manter baixas as taxas de juros.
Agora, uma nova oferta dessas notas está prestes a chegar ao mercado secundário, aumentando a liquidez e proporcionando uma oportunidade para novos investidores comprarem justamente quando os preços dos metais parecem estar à beira de um novo superciclo. O governo brasileiro e seu banco de desenvolvimento BNDES, que detêm cerca de 55% do total emitido, planejam vender sua participação no mês que vem, no valor de aproximadamente R$ 12,9 bilhões a preços atuais. Faz parte de um plano de venda de ativos do Estado defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
“As notas são muito atraentes no momento”, disse Ulisses de Oliveira, gestor da Quasar International, com sede em São Paulo, que detém a dívida. “A venda do BNDES traz liquidez.”
Os títulos agora são negociados a quase R$ 60, depois de mais do que dobrarem de preço nos últimos 12 meses, de acordo com dados da Anbima, associação do mercado de capitais do país.
As debêntures foram emitidas com preço de R$ 0,01 cada em 1997, pouco antes da privatização da Vale, com os acionistas ganhando uma nota para cada ação que detinham. A ideia era que os investidores seriam recompensados por uma receita futura não prevista assim que a Vale aumentasse a produção e obteriam pagamentos inesperados nos anos em que os preços dos metais estivessem particularmente robustos.
As notas não pagam um cupom fixo e, em vez disso, pagam aos detentores um dividendo igual a 1,8% da receita líquida de algumas vendas de minério de ferro e 2,5% da receita líquida de cobre e ouro após certos limites de produção serem atingidos, alguns dos quais são vinculados à mina da qual o minério está sendo extraído. A receita é calculada em dólares e depois convertida em reais para distribuição aos investidores.
Os limites de produção não foram alcançados na região que abrange o sul do Brasil, após o rompimento de uma barragem em Minas Gerais que causou mortes. Mas a região norte sozinha está proporcionando aos detentores de títulos rendimentos atraentes, de acordo com Oliveira. Em outubro do ano passado, a Vale pagou R$ 1,27 por nota em dividendos. O primeiro pagamento deste ano será de R$ 2,76 por nota em 1º de abril, e Oliveira estima um pagamento de pelo menos R$ 3 em outubro próximo, o que proporcionaria um rendimento em dólares de 9,6%, dado um preço de R$ 60 do título.
Esse é um nível extraordinário quando se considera que os títulos de dívida no mercado externo de mais longo prazo da Vale, com vencimento em mais de 20 anos, rendem apenas 4,2%. As debêntures participativas perpétuas também pagam mais de três vezes o rendimento médio em dólar de 2,8% de empresas de mercados emergentes classificadas no segmento de rating “BBB”, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.
Com o aumento dos volumes de produção nas minas do norte da Vale e considerando o salto de 80% nos contratos futuros de minério de ferro no último ano, os títulos possuem um grande valor, segundo Jorge Junqueira, sócio da gestora de recursos Gauss Capital, que possui as debêntures.
“Essas notas são muito peculiares e há algum tempo havia uma total falta de conhecimento sobre esses ativos, mesmo por parte de alguns dos principais analistas de ações da Vale”, disse ele. “Com o dólar neste patamar, essas debêntures participativas são muito interessantes para os investidores.”
É claro que os pagamentos aos detentores das debêntures custam caro para a empresa sediada no Rio de Janeiro. O diretor financeiro da companhia, Luciano Siani Pires, disse em uma teleconferência com analistas em outubro que a Vale planejava recomprar as notas em algum momento, uma perspectiva que preocupa os detentores de títulos, uma vez que pode reduzir a liquidez no mercado secundário.
Em reunião com os detentores de títulos em 19 de março, o governo e o BNDES votaram, com sua fatia majoritária, a favor da alteração das cláusulas dos títulos - sem pagar qualquer valor aos detentores das debêntures - para que a Vale possa recomprá-los. Oliveira e Junqueira afirmam ter votado contra a proposta e agora que foi aprovada estudam opções legais para tentar reverter a decisão.
Em uma resposta por e-mail à Bloomberg, a Vale disse que as recompras não são uma prioridade no momento e que faria uma oferta “pública e transparente” se decidir comprar de volta as debêntures em algum momento no futuro. Segundo a Vale, as regras do mercado de capitais proíbem a empresa de adquirir as notas que estão sendo vendidas pelo governo e pelo BNDES no mês que vem, e também não permitem que a Vale compre os títulos lentamente no mercado secundário, negando especulações de que já estaria fazendo isso.
O BNDES, também com sede no Rio de Janeiro, mandatou os bancos em setembro para organizar a venda, com apresentações aos investidores ocorrendo agora, de 30 de março a 9 de abril.
“Se a Vale quiser recomprar suas debêntures participativas, terá de apresentar uma proposta muito atraente”, disse Oliveira.