Magazine Luiza: Ação da varejista subiu mais de 100% em 2018 (Germano Lûders/Exame)
Tais Laporta
Publicado em 9 de junho de 2019 às 07h05.
Última atualização em 9 de junho de 2019 às 07h05.
São Paulo - Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos... A frase que abre e que resume o famoso Um conto de Duas Cidades, de Charles Dickens, trata de Paris e Londres no século 18, mas, com uma boa dose de licença poética, pode resumir a história recente de dois dos maiores varejistas brasileiros.
Desde 2016, período em que a economia e o consumo andaram de lado ou para trás, a rede de móveis e eletrodomésticos Magazine Luiza não só ultrapassou seu maior concorrente, a Via Varejo, como passou a valer seis vezes mais na bolsa. É uma história de antagonismos que reúne duas empresas familiares e tradicionais, e que se mistura com as mudanças recentes no varejo brasileiro.
A Via Varejo, dona das Casas Bahia e do Ponto Frio, já foi uma gigante perto da empresa até então comandada por Luiza Helena Trajano. Em junho de 2016, a rede adquirida pelo Grupo Pão de Açúcar (GPA) era avaliada em R$ 2,8 bilhões – quatro vezes mais que os R$ 731 milhões do Magazine Luiza, segundo dados da provedora de informações financeiras Economatica.
Neste mesmo período, o Magazine Luiza multiplicou o valor de suas ações na Bolsa em mais de 4.500%, enquanto a Via Varejo subiu 86%. Hoje, a disparidade de tamanho entre as duas companhias que competem no mesmo segmento se inverteu de forma gritante. A varejista de Franca (SP) vale em torno de R$ 36 bilhões, seis vezes mais que os R$ 6 bilhões da controlada do GPA.
Especialistas em varejo atribuem uma sequência de decisões estratégicas de investimentos e o timing para inovação como determinantes para essa virada.
Magalu levou a melhor na transformação digital
Enquanto o Magazine Luiza manteve uma consistência na gestão, a Via Varejo é um eterno vai e vem, que começou em 2009, quando a família Klein, fundadora das Casas Bahia, vendeu seu negócio ao Grupo Pão de Açúcar.
Desde 2016, quando o Grupo Pão de Açúcar decidiu vender sem sucesso os 36% que detém no controle da Via Varejo, a empresa vem colecionando resultados aquém de sua rival em volume de vendas, receita e balanço financeiro.
A primeira explicação para isso vem da bem sucedida transição digital do Magazine Luiza, que migrou seus negócios para o comércio eletrônico de forma mais planejada, antecipada e estruturada.
Já a Via Varejo passou por um processo bem mais tumultuado. As vendas físicas e online das Casas Bahia e Ponto Frio ficavam separadas até 2016, por decisão do grupo francês Casino, dono do GPA.
Quando os controladores finalmente decidiram unir as operações da Via Varejo com a Cnova – que cuidava da parte digital das duas empresas mais o Extra.com.br – a integração foi no mínimo traumática.
“Foi uma integração de culturas muito diferentes e negócios apartados, bem mais complicada para a Via Varejo”, lembra Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail.
Problemas técnicos e de logística em data-chave como a Black Friday também demonstram que a Via Varejo chegou atrasada no processo de investir em tecnologia, segundo o estrategista em ações da Levante Investimentos, Eduardo Guimarães.
“A empresa não investiu o suficiente e isso afetou a eficiência de seus negócios online em um mercado muito disruptivo”, explica, acrescentando que faltaram melhores práticas de logística em sua operação.
O resultado dessa desproporção apareceu nos números das duas concorrentes. Enquanto a receita líquida do Magazine Luíza avançou 30,1% em 2018, a da Via Varejo cresceu apenas 5%. A primeira lucrou 53,6% mais no período. Já a controlada do GPA sofreu uma queda de 258,9% no lucro líquido.
A Via Varejo também ficou para trás quando se olha a variação de venda em lojas comparáveis (SSS), um termômetro para o desempenho do comércio em um mesmo segmento. Em 2018, o indicador cresceu 3,6% na dona das Casas Bahia, enquanto o rival saltou 18,6%.
Acertos estratégicos do Magalu
Outro chute certeiro do Magazine Luiza foi a aposta em seu marketplace – espécie de “shopping” virtual que reúne produtos de diferentes lojas. A Via Varejo tem apenas 21% de suas vendas brutas nesta modalidade.
A crise econômica iniciada em 2014 também moldou o futuro das duas varejistas. O Magalu vinha trabalhando para estruturar sua liderança, sua gestão e o modelo do negócio em época de “vacas magras”, acrescenta Serrentino, da Varese Retail.
Isso ajudou a empresa a atravessar melhor o momento. Em 2016 e 2017, as ações da empresa fundada em Franca, no interior paulista, foram as que mais valorizaram na bolsa brasileira – num período em que o consumo das famílias não dava muitos sinais de fôlego.
“O Magalu passou pela crise com pouquíssimas consequências”, aponta Serrentino. Enquanto a rede ganhou participação de mercado na época de queda no consumo, a Via Varejo perdeu espaço.
Desde a abertura de capital do Magalu, em 2011, a rede aproveitou os recursos captados para investir pesado e fez aquisições. Comprou o Baú da Felicidade, do grupo Sílvio Santos, e anos depois a startup Integra Commerce, especializada em gestão e integração entre lojistas e market place. E pode crescer ainda mais se vencer a disputa pela rede de artigos esportivos Netshoes,
Em paralelo, fez estratégias certeiras de marketing. Um bom exemplo foi a campanha de troca de televisores velhos por novos na Copa do Mundo de 2018. A varejista sugeriu que os aparelhos da Copa de 2014 davam azar, quando o Brasil perdeu por 7x1 da Alemanha. Foi um gol a mais para a empresa, que vendeu mais de 1 milhão de televisores em um semestre.
“Essa somatória de fatos fez o mercado premiar o Magalu em valor. Todos esses acertos viraram resultados tangíveis em ganho de market share e fizeram a empresa entrar em um momento excepcional”, avalia Serrentino.
Trocas de gestão e transição conturbada
Na outra ponta, a Via Varejo passou por uma enxurrada de notícias incertas quanto ao seu controle societário. “Isso atrapalhou muito seu desempenho”, diz o estrategista Guimarães, da Levante.
Foi uma época de mudanças de cultura para a dona das Casas Bahia –rede de lojas que se notabilizou pelo modelo de crediário copiado por suas concorrentes. Mudanças de gestão – primeiro com a família Klein, depois na gestão de Abílio Diniz e, em seguida, o grupo francês Casino, que tenta se livrar das próprias dívidas.
A notícia de que o GPA procurava interessados em adquirir o controle da empresa surgiu justamente em um momento de difícil na economia, em que o consumo das famílias retrocedia e afetava o desempenho de todo o setor de varejo.
Segundo Serrentino, da Varese Retail, o declarado desejo de saída do controlador da empresa somou-se ao fato de a Via Varejo não ter conseguido um desempenho tão satisfatório. “Isso torna a disparidade entre as duas mais que justificável”, diz.
Tentativa de se reerguer
Agora, uma queda de braço pelo controle da Via Varejo coloca em dúvida quem será seu novo dono. Há rumores de interessados de peso, enquanto Michael Klein, empresário e membro da família que fundou as Casas Bahia, se movimenta para tirar o controle das mãos do GPA.
Neste meio tempo, a empresa tenta avançar pela via financeira. Ela anunciou a criação de um banco digital, o BanQi, que permitirá fazer saques e depósitos diretamente nos caixas das lojas Casas Bahia, ter acesso a cartão pré-pago bandeirado e com disponibilidade de saldo atrelada ao aplicativo, entre outros serviços.
“O banco digital parece uma oportunidade boa para eles atenderem uma população menos bancarizada, mas ainda não há detalhes de quando vai acontecer, é muito incerto”, diz Guimarães, da Levante. Poderá a discrepância de resultados e de valor de mercado das duas companhias subir ainda mais? Serão os próximos capítulos do conto dos dois varejistas.