André Perfeito, sócio e economista-chefe da Necton Investimentos: expectativa de câmbio a 5,70 reais até o fim do ano (Divulgação/Divulgação)
Guilherme Guilherme
Publicado em 9 de março de 2021 às 17h04.
Última atualização em 9 de março de 2021 às 20h19.
Com valorização acumulada de 12% no ano, o dólar subiu mais contra o real do que frente a qualquer uma das principais moedas emergentes em 2021. Há quem projete que a moeda seja negociada a 6 reais em breve. Mas, segundo as previsões de André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, a divisa americana vai apresentar algum alívio com a elevação da taxa básica de juros, que projeta que passe dos atuais 2% ao ano até a 5% até dezembro.
Até a semana passada, sua estimativa era a de que a Selic fechasse 2021 a 4% ao ano. A projeção, porém, foi revisada duas vezes de lá para cá em razão da anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos planos do presidente Jair Bolsonaro de desidratar a PEC Emergencial. Segundo ele, a possibilidade de Lula se candidatar à presidência em 2022 fez Bolsonaro se ver diante de um dilema com duras consequências econômicas.
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"Se não fizer nada, ele [Bolsonaro] vai ficar em uma situação em que os juros vão subir, a gasolina e a inflação vão continuar subindo e a atividade econômica não vai crescer. Se ele enfrentar o Lula dando mais incentivo, pode até ter um ganho político, mas vai perder o [ministro Paulo] Guedes e o mercado junto. O Bolsonaro já está em uma armadilha", afirma em entrevista à EXAME Invest.
Para Perfeito, o Comitê de Política Monetária (Copom) deve iniciar o ciclo de alta de juros na reunião da próxima semana, nos dias 16 e 17, com elevação de 0,5 ponto percentual (p.p.), para 2,5% ao ano.
“Acredito que o Banco Central vai agir de maneira um pouco mais intensa no começo. Até acho que o dólar pode escalar os 6 reais, mas volta para os 5,70 reais [até o fim do ano].”
Por outro lado, a recente alta dos rendimentos dos títulos americanos de 10 anos podem causar efeitos negativos sobre a moeda brasileira, de acordo com o economista. Mas não em decorrência da inflação americana, que, para ele, deve permanecer controlada.
“Se o rendimento dos títulos de 10 anos estivesse em 3% ao ano, aí tudo bem [falar em inflação]. Mas está indo para os patamares de antes da pandemia. Há vários economistas falando que vai ter inflação devido à injeção monetária, mas não sei se é bem verdade”, comenta.
Confira a entrevista à EXAME Invest:
Haverá reunião do Copom na próxima semana. Como estão as expectativas para a taxa Selic?
Revisamos a previsão para a taxa Selic para o fim de 2021 de 4% para 5% ao ano, com projeção de alta de 0,50 ponto percentual (p.p.) desde já. Até a semana passada, prevíamos uma elevação de 0,25 p.p. na próxima reunão. A intensidade talvez seja mais forte agora dada a piora do cenário, que tem a ver com o Lula mas também com ruídos sobre o trâmite da PEC Emergencial na Câmara.
Quais são os principais riscos derivados da anulação das condenações do Lula?
Não sei se dá para chamar de "riscos", mas Lula sendo presidente implica uma precificação diferente. O mercado, ontem [segunda, dia 8], ficou muito incomodado com o que o [Edson] Fachin fez. Mas ele está tentando salvar a Lava Jato. Se o [ex-juiz] Sergio Moro for considerado suspeito em relação ao Lula, aí realmente a Lava Jato, no que toca ao Lula, acabou.
Mas o principal não é o Lula, é ver como o Bolsonaro vai reagir a isso. E vejo um receio no mercado de o Bolsonaro ser mais populista. A respeito dos gastos, que podem ser liberados caso a PEC seja aprovada, talvez ele queira gastar mais para contrapor à popularidade do Lula.
Do ponto de vista político, isso gera uma polarização que enfraquece candidaturas de centro-direita e centro-esquerda. É [João] Doria, [Luciano] Huck, Ciro [Gomes]. Vai se tornar muito difícil para esses candidatos. Caso o Lula saia [candidato] a presidente, não sei se o Ciro vai conseguir apoios de outros partidos, como o PSB.
De certa forma, a decisão favorece o Bolsonaro?
Isso eu não sei ainda. O Bolsonaro está em uma situação muito difícil. Se não fizer nada, ele vai ficar em uma situação em que os juros vão subir -- a percepção já piorou --, a gasolina e a inflação vão continuar subindo e a atividade econômica não vai crescer.
O Bolsonaro já está em uma armadilha. Se ele enfrentar o Lula dando mais incentivo, pode até ter um ganho político, mas vai perder o [ministro Paulo] Guedes e o mercado juntos. Ele tem que escolher qual aliado quer.
Dada essa situação, podemos ver o dólar passando pela primeira vez a marca dos 6 reais?
Isso pode gerar um estresse mais forte no curto prazo. Vamos supor que o STF aprove a suspeição do Moro. Isso daí realmente carimba o Lula em 2022. O Bolsonaro pode ser mais populista. Mas, como acredito que o Banco Central vai agir de uma maneira um pouco mais intensiva no começo, isso vai fazer com que os juros subam. Até acho que o câmbio pode escalar os 6 reais, mas volta para os 5,70 reais.
Essa esperada elevação de 0,50 ponto percentual na próxima reunião do Copom já deve aliviar a pressão sobre o real?
Um pouco, sim. Temos uma situação em que a taxa de juros (Selic) ajustada pelo risco (CDS) é zero. A maioria dos maiores emergentes está com taxa de juros positiva, maior do que o risco. Se começar a subir a taxa de juros agora, vai tornar essa relação mais equilibrada, ainda que não resolva totalmente.
Essa recente alta dos rendimentos dos títulos americanos também joga pressão negativa sobre o real?
Sim. Há bons motivos para acreditar que o dólar vai ficar forte e um deles é esse. Muita gente fala que é receio de inflação, não sei se é só isso. Tem a percepção de que a economia americana vai melhorar. E a taxa de juro de 10 anos pode subir nos Estados Unidos na esteira de uma perspectiva melhor. Ela está subindo para o que estava antes da pandemia, não é aquela alta para 3%. Está ali em 1,60%.
Eles aprovaram o pacote de 1,9 trilhão de dólares. Dá mais que um PIB do Brasil. Isso pode fazer com que os Estados Unidos fiquem melhor, o que fortalece o dólar e, como efeito dessa melhora, os juros sobem.
Alguns sinais de inflação podem surgir com esse estímulo? Isso deve gerar receios de inflação alta nos Estados Unidos, com bolsas do mundo todo em queda, como ocorreu nas últimas semanas?
Não sei se dá para pensar em inflação. A política monetária nos últimos anos foi amplamente expansionista e não resultou necessariamente em inflação. Todo mundo está falando de inflação, mas eu discordo de todo mundo. Se o rendimento dos títulos de 10 anos estivesse em 3% ao ano, aí tudo bem. Mas está indo para os patamares de antes da pandemia. Há vários economistas falando que vai dar inflação devido à injeção monetária, mas não sei se é bem verdade. Estão falando que vai isso vai gerar inflação desde 2008.
E no Brasil? A normalização de juros deve conter a inflação?
Vamos pegar só um dos aspectos, que é o câmbio. O câmbio bate muito no IGP-M, que está absolutamente fora de controle. Se eles sobem os juros, isso pode evitar que o dólar suba mais.
Acho que se conseguir subir um pouco os juros e controlar o câmbio, vai evitar que tenha um constrangimento maior na inflação. Mas não quer dizer que tudo que já teve não vai bater na inflação. Temos uma economia completamente indexada.
Matamos o dragão da inflação, mas estamos brincando com os ossos no jardim. Há 11 índices diferentes de inflação e um deles, o IGP-M, indexa uma montanha de contratos e está rodando acima de 25% [no acumulado de 12 meses]. A inflação é uma preocupação, sim. É uma inflação de custo, porque não tem demanda.
No início do ano, a Necton estava com perspectiva de alta para a bolsa. A expectativa ainda é que o Ibovespa feche o ano acima do patamar em que começou?
A projeção [para o Ibovespa] era de 140.000 pontos, que deve ser revisada para baixo. Mas, apesar de todo esse caos, a bolsa brasileira é muito ligada a commodities. Falo de Vale, por exemplo. E bancos têm um peso grande, e isso tem a ver com juros, que devem subir. Então, apesar da crise, a bolsa ainda tem espaço para subir por causa desses dois movimentos: commodities para cima e juros para cima.