Com idade média de 44 anos, 71% das investidoras têm filhos e a maioria (54%) é solteira, separada ou viúva (Getty Images/Getty Images)
Marília Almeida
Publicado em 29 de março de 2022 às 06h00.
Última atualização em 29 de março de 2022 às 11h46.
As mulheres avançam quando o assunto é finanças. Praticamente um terço das brasileiras (28%) são investidoras. Mas quais são as suas características, e o que falta evoluir? No Mês das Mulheres, a EXAME Invest, em parceria com a Fin4She, buscou traçar em que nível está a emancipação financeira da mulher no país.
Uma pesquisa publicada neste mês pela Associação Brasileira das Entidades do Mercado Financeiro (Anbima), ajuda a fazer esse retrato.
Com idade média de 44 anos, 71% das investidoras têm filhos e a maioria (54%) é solteira, separada ou viúva. Entre elas, apenas 51% contribuem para o INSS.
Esse grupo de mulheres tem renda média individual de R$ 2.329, o que faz com que praticamente metade (47%) pertença à classe C, e 38% à classe A/B. Metade desse grupo mora na região Sudeste. Entre elas, 42% se declaram brancas e 38% têm ensino superior. Do total, 21% são assalariadas registradas, 15% são aposentadas e 10% autônomas.
Muitas dessas características não estão distante das dos homens investidores. Afinal, a falta de educação financeira é algo generalizado no país. O porcentual de homens que investe no país é 34%, contra 28% das mulheres, e 88% se concentra nas classes A, B e C, contra 85% das mulheres entrevistadas.
A maior diferença, contudo, está no perfil de risco da carteira. A investidora brasileira concentra seus investimentos na poupança (83%), contra 68% dos homens. Em seguida, com 7% de preferência delas, vêm os títulos privados, como debêntures e CDBs, percentual que para os homens é de 9%. Enquanto fundos de investimento, moedas digitais e ações na bolsa de valores, investimentos de maior risco são opções para 12%, 11% e 11% dos homens, respectivamente, para elas são 6%, 4% e 3%.
Apesar de ainda díspar, esse perfil de risco evoluiu nos últimos dois anos, aponta Elaine Fantini, mestre em comportamento do consumidor e pesquisadora do comportamento feminino de investimento. "No período as mulheres mantiveram maior exposição em ações que os homens na B3, proporcionalmente. Como elas também têm aplicado valores mais altos do que eles, isso tende a crescer".
O intuito de investir também muda conforme o gênero, aponta o levantamento da Anbima. Para elas conhecer novas culturas (9%) e fornecer educação para si e para filhos e netos (8%) é mais importante do que investir em negócio próprio (7%) e usar na velhice (6%), enquanto para os homens pensar da aposentadoria (9%) e empreender (9%) passa na frente de viagens (6%) e estudar (6%).
Mas o que falta para as mulheres investirem mais? Basicamente, dinheiro e condições de trabalho melhores. Ou seja, a evolução da investidora tende a caminhar em paralelo com a evolução social desse grupo. Apenas 5% das mulheres dizem não investir por insegurança ou medo, aponta o estudo da Anbima.
É recente a luta por direitos de salários iguais, divisão de tarefas do lar, ou perceção de que a maternidade é natural no ciclo de vida feminino e não torna a mulher menos capaz profissionalmente, explica Fantini. "A conquista da independência financeira é mais uma etapa nesse processo. Hoje, investir ainda é privilégio de poucas".
Quanto menos recursos a mulher tem, menos diversifica e acessa produtos sofisticados, diz Marcelo Billi, superintendente de educação de investidores da Anbima. "Se a mulher ganha menos é natural que seja mais conservadora. E se não está em posições de liderança fica mais insegura no emprego, pois está em postos com maior rotatividade. Se eliminarmos esses gaps, as diferenças do perfil de investimento de homens e mulheres diminuem também."
A própria relação das mulheres com o dinheiro é recente, diz Carolina Cavenaghi, fundadora da Fin4She. Até a década de 1960 as mulheres não podiam ter conta no banco. O dinheiro sempre foi gerido por homens e a mulher ficou afastada do tema. É natural, portanto, que estejam um passo atrás quando se trata de investimentos".
Mas Cavenaghi também aponta para a importância da representatividade no mercado financeiro. "Na pandemia pudemos observar um grande aumento no número de influenciadoras e mulheres do mercado que começam a expor mais suas visões nas redes sociais. Dessa forma, é possível conectar mais mulheres ao tema."
Há também desafios que se impõem por conta de peculiaridades desse público, que pesquisa mais, faz mais perguntas e posterga a tomada de decisão até se sentir seguro o suficiente para avançar, diz Fantini. Esse comportamento em meio aos outros diversos papéis que a mulher desempenha faz com que sobre pouco tempo para a mulher se dedicar aos investimentos. "Isso conflita em certa medida com o mercado, que muitas vezes exige uma tomada de decisão mais ágil".
O despertar para os investimentos deve começar por uma mudança de mentalidade, diz Cavenaghi. "Homens que falam sobre dinheiro são relacionados a poder e riqueza. Mulheres que trata do tema são vistas como gananciosas e materialistas. Precisamos desmistificar isso".
Após essa mudança de visão, não existe hora certa para começar a investir. O importante, diz a fundadora da Fin4She, é começar, e com o valor possível. "O empoderamento econômico dá liberdade de escolha em qualquer momento da vida. Nos concentramos no empoderamento profissional, mas o patrimonial e a capacidade de gerar riqueza é tão importante quanto."
Não sabe bem como dar o primeiro passo? Fantini recomenda conversar sobre ideias de onde aplicar o dinheiro com amigas que já investem. "É importante não ter receio de falar sobre o assunto e jamais se sentir constrangida de fazer qualquer pergunta sobre investimentos. Recomendo ser destemida nessa área, como já se é em muitas outras. Ser mulher já é um risco. Nesse contexto cuidar do dinheiro fica fácil".
A mulher pode tirar vantagens de caracteristicas próprias, como uma cautela maior na escolha da aplicação. Isso porque não necessariamente precisa se equiparar aos homens no risco dos investimentos. É o que reflete Billi, da Anbima. "Não podemos considerar um comportamento como positivo sem entender o contexto. Em um aspecto, homens tomarem mais risco pode não ser necessariamente bom."