Usina de Itaipu, na divisa do Brasil com o Paraguai; Bacia do Paraná enfrenta uma das maiores crises hídricas de sua história | Foto: Beth Santos/Agência Brasil (Paulo Fridman/Getty Images)
Guilherme Guilherme
Publicado em 1 de junho de 2021 às 06h15.
Última atualização em 1 de junho de 2021 às 07h40.
O Brasil se prepara para a maior crise hídrica em quase um século, com a escassez de chuvas no maior nível desde 1931. O fenômeno, junto com uma gestão ineficiente especialmente na prevenção de riscos, afeta o sistema nacional de energia, uma vez que usinas hidrelétricas ainda são a principal fonte de produção de energia no país.
De acordo com especialistas, ainda é cedo para falar em risco de apagão, mas os efeitos já são sentidos no bolso. Entra em vigor neste mês de junho, por exemplo, a bandeira vermelha 2 nas tarifas de energia do país, o que vai encarecer a conta de luz em 6,243 reais para cada 100kWh consumidos. É o patamar mais caro das bandeiras tarifárias.
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Ainda que grandes empresas tenham poder de barganha para negociar o fornecimento de energia no chamado mercado livre, a conta vai ficar mais cara. A situação deve pressionar a margem de lucro das empresas, principalmente das indústrias. No entanto, nenhum setor deve se prejudicar – e se beneficiar – tanto com a crise hídrica do que o elétrico.
“O setor elétrico já vinha descontado no ano porque é tradicionalmente defensivo, então acaba sendo deixado de lado em momentos de retomada. Com a crise hídrica, o cenário se agrava porque muitas dessas empresas dependem da geração hidrelétrica”, afirma Gustavo Cruz, analista da RB Investimentos.
O Índice de Energia Elétrica (IEE), que mede o desempenho das empresas brasileiras do setor na B3, avançou apenas 0,93% em 2021, enquanto o Ibovespa, principal índice da bolsa, acumula alta de 6,05% no mesmo período.
É possível ainda que a própria retomada econômica acabe colocando mais uma pedra no caminho do setor elétrico. Deveria ser uma notícia positiva caso houvesse condições de atender a demanda. “Com a atividade mais forte, o consumo de energia tende a ser maior. Isso somado à falta de chuvas traz um risco de racionamento”, afirma Cruz.
Os efeitos já são sentidos na bolsa. Com as preocupações com a crise hídrica em alta, as ações do setor de energia estiveram entre as maiores quedas e as maiores altas do Ibovespa nesta segunda-feira, 31 de maio. Na ponta positiva, as ações da Eneva (ENEV3) dispararam 4%; na negativa, as da Equatorial (EQTL3) caíram 3%.
A Eneva é apontada por analistas como uma possível grande vencedora da crise hídrica. Isso porque, com a falta de chuvas reduzindo a produção de hidrelétricas, a Eneva poderá colocar suas termelétricas para operar a todo vapor.
“Quando as usinas termelétricas estão produzindo energia, a Eneva recebe um valor – que é variável – bem superior ao que já recebe em condições normais”, explica Victor Hasegawa, gestor de renda variável da Infinity Asset.
Além da Eneva, analistas e investidores acreditam que ações de geradoras com maior participação em energia eólica e solar também podem ser beneficiadas pela situação. Entre as empresas nesse perfil estão Omega (OMEG3), Renova (RNEW3) e Alupar (ALUP11). E, indiretamente, a Aeris (AERI3), que é fabricante de pás para geradores de energia eólica.
Por outro lado, Hasegawa pontua que as distribuidoras de energia, como é o caso da Equatorial, devem ser afetadas com a queda de consumo de energia elétrica impulsionada pela alta de preços ou até por um possível racionamento. “Ainda há o risco de o governo não repassar o preço completo da energia para o consumidor final, oferecendo a opção de pagar parcelado”, diz.
Especialistas concordam que nenhuma empresa deve ser mais prejudicada que as geradoras de energia hidrelétrica. Na bolsa, as principais são CESP (CESP6), com quase toda sua receita vinda dessa fonte, e AES Brasil (AESB3).
De acordo com dados do Sistema de Informações de Geração da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica, o órgão regulador do setor), as hidrelétricas foram responsáveis por 58,4% da capacidade total de geração de energia do país no início de 2021. No fim de maio, o percentual já havia caído para 46,6%.
Já as empresas transmissoras de energia devem ter um impacto neutro com a crise, porque boa parte de sua receita é pré-estabelecida em contrato. Matheus Jaconeli, economista da Nova Futura, ressalta ainda que elas podem ter efeito positivo.
“Essas empresas devem receber um impacto menor da crise, já que possuem contratos indexados aos indicadores de inflação, o que as acaba beneficiando”, diz. Vale lembrar que a projeção do mercado financeiro para a inflação ao consumidor em 2021 já está em 5,31%, acima do teto da meta perseguida pelo Banco Central, que é de 5,25%.
“Muitos investidores olham o setor como sendo ‘estável, fonte de dividendos’ e não dão muita bola [para os riscos]. Essa crise vai desmistificar um pouco esses papéis e dar a chance para que os investidores olhem melhor para as ações de energia elétrica”, diz Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.
Mas, mesmo para as empresas mais atingidas, os efeitos da crise não devem ser duradouros. É o que defende Bruno Lima, head de renda variável da EXAME Invest Pro. “A visão é de oportunidade de compra para o longo prazo. Isso porque a crise parece mais uma questão de conjuntura do que um problema estrutural”, afirma.
Com o risco de escassez de energia, o plano de privatização da Eletrobras (ELET3; ELET6), cuja medida provisória está para ser votada no Senado, pode ganhar ainda mais relevância. Segundo Hasegawa, a crise hídrica pode ajudar a empresa a ser privatizada no Congresso, reduzindo as resistências políticas.
“A Eletrobras não tem capacidade de investimento há anos. E sendo ela uma das maiores empresas do setor, isso impacta todo o sistema. A situação deveria ser um motivo a mais para aprovar a privatização, pois assim a empresa teria poder de fogo para investir e evitar o risco no fornecimento de energia”, defende.
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