FABRÍCIO QUEIROZ: Em tratamento contra um câncer, hoje, pela primeira vez, o ex-assessor escreveu ao MP. / SBT/Reprodução (SBT/Reprodução)
Karla Mamona
Publicado em 18 de junho de 2020 às 12h42.
Última atualização em 18 de junho de 2020 às 14h44.
A prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), na manhã desta quinta-feira, 18, em Atibaia, São Paulo, não teve grandes impactos no mercado financeiro. A bolsa até abriu em leve queda, mas logo virou para a alta e caminha para os 100.000 pontos apoiado na esperança de que o Comitê de Política Monetária promova novos cortes de juros.
Suspeito de fazer "rachadinhas" no gabinete de Flávio Bolsonaro, quando este ainda era deputado estadual, Queiroz foi preso justamente em um imóvel de Frederick Wassef, advogado que defende Flávio neste mesmo caso e seu pai, o presidente Jair Bolsonaro, no caso da facada de Adélio Bispo. Embora a prisão aumente o desgaste político do clã Bolsonaro, o mercado se mostra cético com relação a seus efeitos e aguarda novos desdobramentos.
Analistas ouvidos pela EXAME disseram que a prisão acaba sendo mais um capítulo na tensão política habitual do país. “Podemos dizer que não é nada diferente do que acontece toda semana. A prisão faz barulho, mas é algo pontual. É uma questão secundária”, afirma Rafael Bevilacqua, estrategista-chefe da Levante Investimentos. Ele acrescenta que neste momento o foco político dos investidores é a relação do presidente Jair Bolsonaro com o Centrão. “Se o acordo for mantido, o governo consegue aprovar as reformas.”
Sobre as reformas, Rafael Panonko, analista-chefe da Toro Investimentos, acrescenta que a prisão de Queiroz pode atrasar o andamento, já que pode agravar a polarização política do país.“ O Ibovespa está em uma tendência de alta, qualquer acontecimento pode ser motivo para o investidor realizar de lucro.”
"A prisão de Queiroz é a grande incógnita, mas, a priori, a quase nula reação do mercado até agora aponta não haver nenhuma nova carta na mesa", disse Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos. Segundo ele, o "tom menos beligerante" de Bolsonaro com outras esferas de Brasília e um aceno pacífico ao Supremo Tribunal Federal deve ser capaz de remover algum grau de incerteza política.
Mas tudo depende dos desdobramentos que a prisão de Queiroz pode levar, segundo André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos. "Se o presidente reagir de forma muito violenta, vai pôr mais caldo na fervura e o tensionamento vai ser maior”, comentou.
Para Bruno Lima, analista de renda variável da EXAME Research, o mercado segue ancorado no otimismo com os estímulos de bancos centrais, em especial os do Federal Reserve, que já injetou trilhões de dólares para tentar atenuar os efeitos econômicos da pandemia. "Piorar não vai porque o Fed vai comprar tudo. Aí o pessoal passa por cima de qualquer coisa, risco político, risco pandemia. Enfim, qualquer coisa", disse.
Apesar da menor preocupação no mercado, Marcos Antonio Teixeira, cientista político e professor da FGV de São Paulo, acredita que a prisão de Queiroz possa levar a consequências graves, começando pela perda de popularidade do presidente, que teve como um dos pilares de sua campanha presidencial o combate à corrupção — frente que tem deixado a desejar, como seu próprio ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, afirmou em sua saída do governo.
"[A prisão de Queiroz] não podia ter sido em um momento pior. O governo está acuado com o inquérito das fake news, com o julgamento no TSE [Tribunal Superior Eleitoral] e com crise no Ministério da Educação. Por mais que não atinja diretamente o presidente, cria um clima extremamente negativo", afirmou Teixeira.
Na véspera, o ministro da Economia, Paulo Guedes, havia dito que faria quatro privatizações ainda neste ano, incluindo os Correios e a Eletrobras, além de acelerar o andamento das reformas. Para Teixeira, no entanto, este cenário pode estar bem longe de se tornar realidade.
"Paulo Guedes faz uma leitura fora do ambiente político. É muito mais desejo do que olhar para o jogo [político] de forma concreta. Vamos esperar para ver, mas parece muito difícil aprovar reformas nesse contexto de crise, ainda mais se não tiver boa articulação no Congresso. O acordo com o Centrão continua sendo uma incógnita. O próprio ACM [Neto, presidente do DEM] disse para influí-lo fora dessa", afirmou.
Teixeira também não descarta um impeachment caso a crise do governo ganhe ainda mais volume. "O que fez o processo de impeachment da Dilma andar foi a perda de popularidade rápida junto com a crise econômica aguda. É um cenário muito parecido."