Paula Salamonde, diretora da área de investidores institucionais da BlackRock | Foto: Leandro FonsecaEXAME (Leandro Fonseca/Exame)
Marília Almeida
Publicado em 6 de junho de 2021 às 08h45.
Última atualização em 6 de junho de 2021 às 09h10.
Uma das maiores gestoras do mundo, com cerca de 9 trilhões de dólares sob gestão, a BlackRock está de olho em oferecer ETFs (fundos passivos que seguem índices) internacionais aos fundos de pensão brasileiros. Os planos, que atendem uma necessidade de diversificação dos fundos com a queda da taxa básica de juros, ganharam impulso com uma decisão recente da Previc, que cuida da regulação do segmento: a flexibilização da legislação para que tais fundos possam ampliar a alocação de recursos no exterior ao investir em BDRs (Brazilian Depository Receipts) de ETFs.
A Previc decidiu adicionar esses produtos à lista de renda variável nacional, que já inclui BDRs de nível II e III. Ou seja: o fundo que optar por investir em BDRs de ETFs poderá investir um percentual maior do que 10% do patrimônio, limite estabelecido por lei para ativos no exterior (Lei 4.661).
Isso permitirá que fundos de pensão se igualem à legislação hoje válida para fundos de investimentos mútuos, que podem investir até 20% em ativos de outros países (Resolução 555 da CVM).
A cartela de produtos que devem ser oferecidos a esses investidores institucionais já é ampla. Os ETFs começaram a ser disponibilizados no país por meio dos BDRs no final do ano passado, e a Blackrock já disponibilizou na B3 37 ETFs via BDR. Em breve mais 28 produtos devem ser lançados nesse formato pela gestora no Brasil.
Os planos da BlackRock para disseminar os ETFs no país são liderados por Paula Salamonde, que assumiu há dois meses o cargo de diretora de Negócios Institucionais e do Mercado de Capitais de ETF da BlackRock no Brasil. Uma de suas missões é acertar realizar parcerias com investidores como fundos de pensão.
Salamonde também fará parcerias com corretoras, assets independentes e outros participantes do mercado para inserir os ETFs na vitrine das plataformas digitais. A executiva se uniu à BlackRock em abril após uma jornada de 21 anos na MSCI, maior provedora global de índices no mundo, na qual atuou como head para América Latina.
Veja abaixo a entrevista concedida por Paula Salamonde à EXAME Invest:
O que temos hoje no mercado em termos de regulação, índices e produtos?
Cada vez mais fundos de pensão, seguradoras, planos de previdência aberta (PGBL) e assets têm acesso ao produto por questões regulatórias.
Os ETFs permitem exposição ao mercado de ações local há muitos anos. Já estão consolidados no país e são acessados por investidores institucionais e pessoas físicas. O que precisamos agora é permitir um acesso maior a ETFs lá de fora.
Nós trouxemos 65 produtos e vamos continuar aumentando o numero de instrumentos para acessar o mundo por meio da B3.
É importante, agora, colocar os ETFs na vitrine das plataformas digitais. Mas para isso precisamos criar um ecossistema, de forma a garantir que o cliente tenha uma boa experiencia ao entrar e sair do produto.
O ETF pode ser uma forma de flexibilizar a regulação para investir no exterior, especialmente via BDRs?
Os fundos de pensão têm limite de instrumentos globais equivalente a 10%, previstos na resolução 4661. É uma posição mais conservadora que a das assets, nas quais o percentual é de 20%, e tem de ser. A mudança deve ser feita aos poucos.
Existe uma conversa no regulador para rever esse montante. Mas o próprio regulador, a Previc, permitiu investir em BDRs de ETFs até o limite de 10% sem para isso utilizar o limite internacional de 10%. Ou seja, os fundos de pensão passaram a poder investir até 20% lá fora. É um percentual muito relevante. Temos conversado muito com fundos de pensão sobre isso.
Alguns já estão no limite de 10% de ativos internacionais e essa flexibilização regulatória permite acesso adicional a um mundo globalizado. A legislação brasileira é uma das mais restritas para fundos de pensão no mundo.
A regulação já permitia investir em BDRs de nível II e III, que são patrocinados. Esses instrumentos já eram considerados como renda variável local. Mas como ainda não existem produtos do tipo no país, esse percentual ainda não foi usado pelos fundos de pensão. Os ETFs que estamos trazendo foram equiparados a BDRs de nível II e III pelo regulador porque têm maior diversificação, controle e gestão.
É importante que os fundos de pensão invistam lá fora porque temos agora um universo de juros mais baixos que não voltar ao nível dos últimos anos. Também é interessante ter aplicações em moeda forte. Mas o importante é buscar retorno e entender que se deixar valores em caixa estará queimando dinheiro. Sem contar que concentrar investimentos no Brasil, seja em renda variável ou renda fixa, é um risco também.
Atualmente menos de 1% dos fundos de pensão investem lá fora e estão chegando aos 10% permitidos. São fundos médios, mais ligados a empresas multinacionais, que já têm essa cultura.
Os maiores fundos ainda não estão investindo tão forte no exterior. Os top 5 passaram por uma internacionalização forte em 2015 e 2016, mas não se sentiram cômodos, a moeda ficou em uma situação desfavorável e então se retraíram nesse movimento. Foi um grande aprendizado e agora eles começam a voltar a fazer esse movimento. A partir do próximo ano acredito que veremos esses fundos maiores começarem a investir de novo no exterior.
Por que é um bom momento para fundos mútuos diversificarem com ETF, especialmente no exterior?
Nos últimos anos, as assets independentes, não ligadas a banco, tiveram um crescimento vertiginoso: já são 700 no país.
Enquanto as grandes assets têm instrumentos para investir diretamente lá fora e realizar trades diretamente na bolsa de origem, para as assets menores e mais novas há um custo para montar essa estrutura e não é fácil acessar os mercados lá fora. Nesse cenário os BDRs de ETFs permitem essa facilidade com um custo menor.
Fale um pouco das estratégias contidas nos 65 BDRs de ETFs lançados pela gestora, por favor.
Nossa carteira de BDRs de ETFs na B3 permite acesso a setores, estratégias e países aos quais o brasileiro não tem acesso no mercado local. Temos ETFs que oferecem exposição a índices da China, que é um país que não podemos deixar de considerar no portfólio: será a maior economia do mundo em alguns anos. E investir diretamente no país não é simples: tem que ter licenças especiais.
Como os ETFs são vistos e utilizados em países com mercados de capitais mais desenvolvidos? Até onde podemos chegar e o que falta criar?
Ainda engatinhamos no segmento. Nosso mercado dominante é o de gestão ativa por meio de fundos mútuos. Nos Estados Unidos, já temos até ETFs de gestão ativa, mas a grande maioria é passiva. O que o investidor que está acostumado com a gestão ativa precisa entender é que ele pode criar uma gestão ativa usando ETFs. Em vez de comprar ações separadamente, monta uma carteira de ETFs e eles se transformam em uma gestão ativa.
Do americano nem preciso falar: a maioria investe em ETFs. Mas mesmos nossos vizinhos são mais maduros no segmento. Um exemplo é o México. Acredito que o Brasil não vai se equiparar ao México, porque lá a internacionalização teve incentivos fiscais. A internacionalização no Brasil será mais progressiva.