Bolsonaro: desvalorização do real e aumento do risco país acompanham a crise do coronavírus (Andressa Anholete/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 25 de maio de 2020 às 12h32.
Última atualização em 25 de maio de 2020 às 13h02.
"Estes são os túmulos de abril. Vejo um funeral a cada dez minutos, e este é só o começo." A descrição de um cemitério em São Paulo com os caixões de vítimas do coronavírus feita na semana passada foi apenas uma dentre as várias vezes em que repórteres das maiores emissoras de TV dos Estados Unidos abordaram a gravidade da pandemia no Brasil. A imagem de caixões e de hospitais se tornou corriqueira na imprensa estrangeira depois que o País rompeu a marca de mais de mil mortes diárias. Segundo a Organização Mundial da Saúde, puxada por Brasil, a América do Sul é agora o novo epicentro da covid-19.
Analistas internacionais definem o Brasil como uma nação governada por um presidente populista que dá respostas contraditórias à pandemia. Os efeitos concretos da percepção no exterior de que o País ruma para um precipício - ao viver uma tempestade perfeita com crises simultâneas na saúde, na política e na economia - já aparecem nos números e na postura distante que outras nações têm preferido tomar do Brasil.
Desde o início do ano, o real foi a moeda que mais se desvalorizou no mundo, com queda de 45% ante o dólar. A despeito das intervenções diárias do Banco Central, a cotação da moeda americana encostou nos R$ 6. No mesmo período, o CDS (Credit Default Swap), indicador que sinaliza o nível de risco país, cresceu mais de 250%.
Os números superlativos se repetem na debandada de investimentos estrangeiros. Segundo o último relatório do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), que reúne bancos de investimento, fundos e bancos centrais em 70 países, o Brasil registrou em março a maior fuga de capital em um mês desde 1995 e é o país que mais merece atenção, por causa da rápida deterioração do cenário. A quantia perdida só não foi maior do que a registrada pela Índia.
"Investidores gostariam de ver o governo no comando da situação. Temos visto o confronto entre o Executivo (federal) e governadores, assim como discussões com o Congresso sobre os estímulos, além de mudanças ministeriais que aumentam as dúvidas sobre a capacidade do governo de continuar com reformas estruturais", diz Martin Castellano, chefe da seção de América Latina do IFF.
Procurado para comentar os efeitos da percepção negativa do País no exterior, o Ministério da Economia não se pronunciou.
Para o economista-chefe do IFF, Robin Brooks, o coronavírus se tornou uma "crise de confiança" para o Brasil. Colocar dinheiro no País agora deve ser uma tarefa para "especialistas, loucos, oportunistas de longo prazo e aqueles sem outras opções", resumiu o economista Armando Castelar, do Ibre/FGV, em relatório da Gavekal Research, consultoria de investimentos internacional. De acordo com o economista, seria como "correr para um prédio em chamas".
Mídia
Se o Brasil já foi reconhecido como um líder em matéria de saúde pública global e um defensor do desenvolvimento sustentável nos principais fóruns mundiais, a forma como o País é retratado na imprensa tem exaltado pouco dessas qualidades. Na maior parte das vezes, em veículos de diferentes matizes ideológicos e considerados referências em seus países, o Brasil tem sido visto como um país que nega os riscos da pandemia.
Em comum, destaque para a infraestrutura precária e o avanço dos casos nas últimas semanas, destacando que a nação caminha para ser um dos centros da pandemia no mundo. Um dos principais jornais da França, o Le Monde escreveu em editorial que o presidente Jair Bolsonaro 'provoca a catástrofe' e 'semeia a morte'.
Diz que o País é o epicentro dos novos casos do coronavírus, que o presidente leva o Brasil a um caminho 'extremamente perigoso' e que há mais de 30 pedidos de impeachment no Congresso. Cita ainda o fato de Bolsonaro ter chamado a covid-19 de 'gripezinha' participar de aglomerações e criticar medidas de distanciamento social recomendadas no mundo todo. "Não há dúvida de que há algo podre no reino do Brasil, onde o presidente Jair Bolsonaro, pode afirmar sem se preocupar que o coronavírus é uma 'gripezinha' ou uma 'histeria' nascida da imaginação' da imprensa".
A revista alemã Der Spiegel escreve que o presidente 'perdeu a realidade' e que ele pretende voltar à vida cotidiana com 'todas as forças', embora o Brasil esteja cada vez mais próximo de ser o epicentro do vírus.
O americano Washington Post lembrou que Bolsonaro chamou o vírus de gripezinha e pediu que as pessoas enfrentem o coronavírus como 'homem e não como moleque". "Pior, o presidente tem repetidamente tentado enfraquecer os esforços tomados pelos 27 governadores para conter a epidemia".
O Wall Street Journal diz que o coronavírus tem varre um país sem estrutura e com um líder que despreza o vírus.
O britânico Financial Times disse que a maior parte do mundo tem tomado medidas drásticas para combate o vírus, mas quatro países não estavam fazendo isso: Turcomenistão, Brasil, Nicarágua e Bielo-Rússia. O jornal apelidou o grupo de Aliança do Avestruz, em uma menção ao animal que coloca a cabeça na areia para não ver um perigo.
O Corriere della Sera, um dos principais diários italianos, destacou recentemente a frase de que o presidente queria fazer um churrasco em meio ao aumento de casos de covid-19 no País. Também lembrou dos casos em que Bolsonaro minimizou o risco dos vírus e fala da ascensão da doença no Brasil.
"A imprensa internacional tem sido muito objetiva em mostrar a falta de uma política integrada entre os governos federal, estaduais e municipais em termos de combate à doença", diz Ciro Dias Reis, presidente da consultoria Imagem Corporativa, que mantém um índice anual sobre a percepção do País na imprensa estrangeira.
A empresa aguarda os números do período entre janeiro e abril, mas a expectativa é de erosão - em 2019, o índice registrou 37% de notícias positivas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.