Henry Kissinger: "poder, fama e riqueza para além dos sonhos da maioria das pessoas na vida pública" (Kirsty Wigglesworth/Pool/Exame)
O ano de 2022 provavelmente será lembrando como o ano da volta da geopolítica no centro das preocupações do mercado financeiro internacional.
A guerra da Ucrânia, as tensões entre Estados Unidos e China, a crise no Irã, as "novas matérias-primas" necessárias para a transição energética, as futuras maiorias que se formarão na Organização das Nações Unidas (ONU) e nos diversos fóruns globais são apenas algumas das questões que podem influenciar positivamente ou negativamente os resultados de bancos, corretoras e fundos de investimentos muito mais do que as incertezas macroeconômicas.
A inflação descontrolada, a subida das taxas de juros e as perspetivas de recessão são problemas graves que assolam todo o mercado financeiro, mas são dificuldades que já foram enfrentadas e superamos de várias formas no passado. O que realmente preocupa é o desconhecido, algo que nenhum executivo jamais viveu: uma crise geopolítica global tão grave com resultados imprevisíveis.
Por isso, nas últimas semanas, grandes instituições financeiras mundiais começaram a recrutar nomes ilustres das relações internacionais para fazer parte de seus conselhos consultivos, dedicados a entender os fenômenos que estão moldando - e mudando - o mundo. Eles terão como objetivo analisar e dar pareceres sobre questões geopolíticas que têm consequências em várias frentes: econômica, financeira, comercial, energética, tecnológica e - talvez - militar.
O mais conhecido de todos os "recém contratados" é o ex-secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, 99 anos, que agora se tornou conselheiro sênior do banco alemão Deutsche Bank.
A Lazard, por sua vez, recrutou Jami Miscik, uma das poucas mulheres entre os ex-líderes seniores da CIA, o serviço de inteligência dos EUA, e o ex-general do Comando Geral da Defesa dos Estados Unidos, John Abizaid, e o ex-chefe das operações especiais dos EUA, William McRaven, que estava no comando quando os Navy Seals eliminaram Osama bin Laden.
Essa tendência, todavia, não é uma novidade. Há décadas as grandes instituições financeiras internacionais estão recrutando assessores seniores de ex-ministros da economia e ex-presidentes de Bancos Centrais para decifrar as tendências nas economias de vários países. Entretanto, a prioridade agora parece ser prever possíveis desenvolvimentos nas tensões geopolíticas.
Por isso, o banco de investimento Lazard decidiu constituir formalmente um conselho consultivo dedicado à geopolítica para apoiar as decisões de gestão operacional. "Nossa tentativa é tentar combinar riscos geopolíticos com análise financeira", comentou o CEO das atividades de consultoria financeira da Lazard, Peter Orszag.
Algo muito parecido para o novo conselho consultivo lançado pelo Deutsche Bank, que também terá que lidar com questões geopolíticas, tentando interceptar sinais das diversas transformações, inclusive tecnológicas, que ocorrem no mundo.
Além de Kissinger, o conselho contará com ex-presidente do Deutsche Bank, Paul Achleitner, e importantes executivos internacionais como Eric Schmidt, ex-CEO do Google (GOGL34), Indra Nooyi, membro do conselho de administração da Amazon (AMZO34) e do conselho fiscal da Philips, o presidente da Siemens, Jim Hagemann Snabe, e professores de renome mundial, como Rafael Reif, presidente do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
O novo conselho consultivo reunirá duas vezes por ano, mas estará permanentemente à disposição da diretoria do banco alemão para dar sugestões com base na evolução dos acontecimentos, tendo em conta “os desafios históricos devido às tensões geopolíticas e às mudanças em curso na globalização”, segundo quanto declarado pelo próprio Achleitner.
Outros grandes grupos financeiros internacionais (não apenas bancos, mas também seguradoras) também estão avaliando a criação de conselhos consultivos geopolíticos. Em alternativa, fortalecendo as equipes de consultores com a adição de especialistas em questões energéticas. O Goldman Sachs (GSGI34) anunciou recentemente a nomeação do ex-ministro da Energia australiano, Josh Frydenberg, como consultor sênior para a área da Ásia-Pacífico "por sua grande compreensão dos fenômenos econômicos" e, agora inevitavelmente, por avaliar "riscos geopolíticos".
A geopolítica parece ter voltado em peso no centro do debate no mundo todo. E o mercado financeiro, como sempre, tenta antecipar os acontecimentos futuros. Afinal, o mundo pode até mudar, mas o tempo continua sempre sendo dinheiro.