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Meio ambiente: ou país se adequa ou isolamento será total, diz Alperowitch

Em entrevista à EXAME Invest, o gestor da Fama diz que, se Brasil não mudar forma como lida com questão ambiental, a consequência será isolamento total

Fabio Alperowitch, gestor e fundador da Fama Investimentos (Divulgação/Divulgação)

Fabio Alperowitch, gestor e fundador da Fama Investimentos (Divulgação/Divulgação)

PB

Paula Barra

Publicado em 16 de novembro de 2020 às 16h47.

Última atualização em 17 de novembro de 2020 às 09h45.

O governo brasileiro tem um grande aliado, que são os Estados Unidos, no discurso de estar fora do consenso mundial na questão ambiental, mas, com a vitória de Joe Biden, isso muda. Com o democrata dando sinalizações de que um dos seus primeiros atos vai ser voltar ao Acordo de Paris, é muito provável que os EUA regulamentem o mercado de carbono. Ou seja, ou o Brasil se adequa ou o isolamento vai ser total, diz Fábio Alperowitch, fundador e gestor da Fama Investimentos

Para Alperowitch, que há cerca de 30 anos defende os princípios ESG (ambiental, social e governança corporativa, na sigla em inglês) para a seleção de ativos, é difícil que o país mantenha a posição de “grande transgressor da questão ambiental”. Primeiro, por conta do próprio isolamento comercial que isso poderia provocar. Segundo, porque o Brasil seria o grande beneficiado disso tudo. 

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“Temos um problema crônico de crescimento e exportar crédito de carbono poderia gerar um ganho de mais ou menos 20 bilhões a 30 bilhões de dólares por ano, o que significaria um crescimento de 1 a 2 pontos percentuais no PIB (Produto Interno Bruto) do país por ano. É até estranho pensar que o Brasil não esteja na liderança desse assunto”, comenta em entrevista à EXAME Invest

Com uma filosofia de investimento de longo prazo, ele diz que não fez nenhuma mudança na carteira por conta da eleição americana, mas aponta que certamente trará consequências para as empresas e os investimentos. Na carteira, suas apostas são em empresas dominantes no mercado, que, na sua visão, devem voltar a crescer forte no ano que vem tanto de forma orgânica quanto inorgânica, via aquisições, mesmo em um cenário ainda de incertezas.

Seu único produto, um fundo de ações que adota os critérios ESG para seleção de ativos e que tem um patrimônio líquido de 2,6 bilhões de reais, acumula ganhos de 12,9% nos últimos 12 meses, contra queda de 4% do Ibovespa. Desde o início do fundo, em 1995, o retorno anualizado é de 20,8%, versus 13,7% do índice. 

Alperowich falou com a EXAME Invest sobre eleição americana, o que muda na condução da política ambiental dos EUA com a vitória de Biden, quais as implicações para o Brasil, como estão posicionados no mercado e os principais temas que estão de olho para 2021. 

Como avalia a vitória de Joe Biden e quais implicações ela traz para a pauta ambiental? 

A vitória do Biden é uma vitória diferente, não só por representar uma mudança de presidente, mas uma mudança muito radical de política em relação às outras transições de governo, principalmente na parte ambiental e considerando o momento atual. Temos muitas transformações simultâneas ocorrendo, em um momento em que o Brasil é visto como o vilão ambiental do mundo. É um momento muito relevante para essa mudança, porque estamos no meio de uma emergência climática, porque o Brasil está neste momento sendo um grande transgressor dessas questões e porque nunca um presidente americano deu tanta importância para o assunto. Então, quando você junta todos esses pontos ao mesmo tempo, certamente traz implicações para as empresas, para o Brasil, para o mundo dos investimentos. 

Quais consequências essa mudança na condução da política ambiental nos EUA traz para o Brasil?

O fato é que o Brasil tinha como um grande aliado os EUA com esse discurso de estar um pouco fora do consenso mundial na questão ambiental. Para ter uma ideia, dois terços do PIB (Produto Interno Bruto) mundial já têm carbono precificado. Os EUA eram a grande exceção. A Comunidade Europeia inteira tem carbono precificado, a China tem carbono precificado. Nos EUA, apenas a Califórnia. Isso era impensável na era de Donald Trump. No momento em que Biden diz que o primeiro ato dele vai ser voltar ao Acordo de Paris, isso está deixando muito claro o tamanho da prioridade que ele coloca no tema. Então é muito provável que os EUA tenha também carbono regulamentado. E aí o Brasil ficaria muito isolado. Antes, o Brasil olhava para os EUA e falava: ‘Não preciso me mexer, porque eles também não têm (mercado de carbono regulamentado), não estou isolado. Tem gente muito mais relevante no mapa mundial que não está fazendo isso, eu não preciso me mexer'. Agora, o isolamento é total.

Não é só que os EUA estão mudando, o mundo inteiro já mudou. Faltavam os EUA. Manter o Brasil fora desse contexto seria pouco recomendável. Acho muito difícil o Brasil conseguir segurar essa posição. Um, porque o Brasil seria o grande beneficiado disso. Esse é o ponto mais paradoxal. Ao proteger a Amazônia e regulamentar o mercado de carbono, o grande beneficiado do mundo é o Brasil. É muito contraintuitivo o governo atual ser contra isso ou estar demorando para agir nesse sentido. 

O Brasil pode ser um grande exportador de crédito de carbono. Temos um problema crônico de crescimento e exportar crédito de carbono geraria para o país mais ou menos 20 bilhões de dólares a 30 bilhões de dólares por ano. Isso significaria um crescimento de 1 a 2 pontos percentuais no PIB por ano, independentemente da economia do país. Seria um dinheiro super bem-vindo, que também ajudaria o planeta. É até estranho imaginar que o Brasil não esteja na liderança desse assunto. 

Dois, porque, à medida que Biden inclui os EUA no Acordo de Paris e eventualmente passe a regulamentar o mercado de carbono, o isolamento do Brasil vai ser total. Acho que o Brasil vai ficar um pouco sem alternativa no sentido de como vamos exportar produtos. Dando um exemplo totalmente hipotético: tem uma siderúrgica brasileira que quer exportar para a Europa. As siderúrgicas europeias vão falar: ‘Eu gasto milhões de euros por ano descarbonizando minhas operações ou tenho uma meta de neutralização das minhas emissões, agora vou competir com uma empresa brasileira que não está fazendo nada disso? Não é justo. Vamos colocar barreiras ou tarifas’. Essa será a consequência. Se a gente não fizer algo muito rapidamente, provavelmente vamos ficar isolados também no comércio. É um caminho inevitável.  

Realizaram alguma mudança no portfólio após a eleição dos EUA?

Temos um estilo pouco reativo a notícias do dia a dia, temos um perfil de longo prazo. Não reagimos nem à vitória de Biden nem a mudanças na Selic. A não ser que seja algo muito transformador e que mude completamente o cenário, mas, no geral, somos mais lentos para realizar mudanças. 

Agora, apesar de não reagirmos comprando e vendendo empresas por causa disso, a eleição certamente traz consequências. 

Olhando para o ano que vem, ainda temos uma série de incertezas no caminho. Do lado do Brasil, a situação fiscal segue como ponto de atenção do mercado. Como avalia o cenário?

Ainda vemos o cenário um pouco nebuloso, muita coisa ainda está pendente. Temos uma transição de governo nos EUA que não sabemos se no primeiro dia já muda tudo ou se será um pouco mais suave. Temos uma questão de segunda onda de covid que também é muito difícil entender a intensidade. Ainda estamos na nossa primeira onda aqui no Brasil.

Temos algumas reformas que, de repente, no pós-eleições municipais possam voltar a ser discutidas, mas não temos muita visibilidade ainda. E temos a ajuda emergencial, que tem dado algum combustível para a economia, mas que talvez seja retirada ou reduzida. Ainda temos algumas variáveis que tornam a leitura um pouco difícil.

Agora, as empresas dominantes são pouco sensíveis a essas questões. Um exemplo é que, entre 2014 e 2018, que foram anos de recessão no Brasil, as empresas do nosso portfólio cresceram em média 16% ao ano. O modelo mental do investidor pessoa física no Brasil ainda costuma associar PIB com crescimento das empresas, mas não tem nada a ver. O fato de o PIB no ano que vem crescer +1%, +2%, -1%, -3% tem pouca relação com quanto a Localiza vai crescer, com o quanto NotreDame, M.Dias Branco vão crescer. Independentemente do que aconteça com o cenário macro, acho que essas empresas estão muito bem posicionadas. Estamos bastante tranquilos em relação a isso.

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