Pat Gelsinger, CEO da Intel: executivo corre contra o tempo para recuperar espaço no setor de chips (Andrej Sokolow/picture alliance/Getty Images)
Publicado em 6 de setembro de 2024 às 17h38.
Última atualização em 6 de setembro de 2024 às 20h29.
A Intel, que nas décadas de 1990 e 2000 se consolidou como referência em tecnologia e tornou a escolha por um dos seus processadores como garantia de um bom computador doméstico, atualmente vive um momento de crise. No início de agosto, a fabricante de semicondutores anunciou o corte de 15 mil funcionários, o que equivale a 15% de sua força de trabalho, e prometeu mais cortes se julgasse necessário. Tudo isso em resposta a prejuízos bilionários e à perda de liderança no mercado global de chips.
O CEO da Intel, Pat Gelsinger, disse que a empresa precisa de uma "reestruturação massiva" para cortar custos, depois de registrar um prejuízo de US$ 1,6 bilhão no segundo trimestre de 2023. A receita da Intel caiu em US$ 24 bilhões entre 2020 e 2023, enquanto sua força de trabalho cresceu 10% no mesmo período — uma situação que Gelsinger chamou de "insustentável". A maioria das demissões será concluída até o final do ano, como parte de um plano para cortar US$ 10 bilhões em custos até 2025.
VW pode fechar fábrica na Alemanha — e o que isso diz sobre a ascensão das chinesas na bolsaNo trimestre encerrado em junho, a Intel registrou um prejuízo líquido de US$ 1,61 bilhão, revertendo o lucro de US$ 1,5 bilhão no mesmo período do ano passado. Já a receita da companhia foi de US$ 12,83 bilhões no período, uma queda de 1% em base anual.
No mercado, a percepção é de que a Intel não conseguiu acompanhar as evoluções do setor. A chegada de Pat Gelsinger em 2021 gerou otimismo, levando as ações a alcançarem US$ 63,19 logo após sua posse. No entanto, desde então, os papéis desabaram 70%, resultando em uma perda significativa de valor de mercado. Atualmente, as ações estão cotadas em US$ 18,93, e o valor na bolsa, que era de US$ 268 bilhões, caiu para US$ 80,6 bilhões, representando uma perda de US$ 188 bilhões.
Ed Snyder, cofundador da Charter Equity Research, avalia que Gelsinger, embora tenha vindo da VMware, é apenas a continuidade da gestão de seu antecessor Bob Swan. A similaridade, segundo o analista, vem de sua formação de 30 anos na IBM.
“Quando Snyder foi anunciado, disse aos meus sócios que a coisa ficaria muito mal. Não é nada contra ele, mas acreditávamos que ele não tinha noção do que estava acontecendo”, disse Snyder à CNBC. Para ele, a Intel perdeu sua vantagem competitiva no início da década, quando a TSMC e a Samsung tomaram a liderança na fabricação de semicondutores. "Intel também enfrentou dificuldades para se transformar em uma fundição competitiva, com suas fábricas sendo projetadas para produtos específicos e carecendo de ferramentas e tecnologia de ponta. A saída de talentos e erros estratégicos também agravaram a situação, tornando mais difícil acompanhar a concorrência.”
Mais do que um fracasso por suas próprias decisões, a crise da Intel simboliza a última pá de cal da política de laissez-faire dos EUA no setor de tecnologia. Durante anos, o governo americano permitiu que empresas como a Intel liderassem sozinhas a corrida dos semicondutores, sem intervenção significativa. Com a intensificação da competição internacional e a dependência de fornecedores asiáticos, esse modelo de pouca regulação mostrou suas fragilidades.
Agora, há um problema maior: a dependência dos Estados Unidos de chips fabricados no exterior, especialmente pela Taiwan Semiconductor Manufacturing Co. (TSMC), que abastece boa parte da demanda global. Enquanto a Nvidia dominou o mercado de inteligência artificial, e a AMD conquistou mais espaço em PCs e data centers, a Intel foi ficando para trás.
Para reverter essa dependência, o governo Biden criou o programa Chips for America, parte do Chips and Science Act de 2022, destinando US$ 52 bilhões em subsídios e US$ 75 bilhões em empréstimos para fortalecer a fabricação de chips nos EUA. A Intel foi uma das principais beneficiárias, com o governo prometendo US$ 8,5 bilhões em subsídios e US$ 11 bilhões em empréstimos para a construção de novas fábricas. A empresa estima que essas novas plantas poderão criar até 30 mil empregos, incluindo posições na construção e na indústria.
No entanto, esses planos ainda não foram concretizados. A Intel não recebeu os fundos prometidos e, com as demissões e a reestruturação, há uma possibilidade de haver um recálculo da liberação dos subsídios. Quando o acordo foi anunciado, em março de 2023, ele foi descrito como "preliminar e não vinculante", com um processo de due diligence (verificação de viabilidade) ainda necessário para a liberação dos recursos.
Além das demissões, a Intel planeja reduzir o número de produtos que fabrica, descontinuar "trabalhos não essenciais" e suspender dividendos a partir do quarto trimestre, enquanto tenta ajustar seu modelo de negócios e enfrentar os custos trabalhistas mais altos dos EUA em comparação a países como China, Taiwan e Coreia do Sul.
Um ponto crucial da reestruturação, ainda sob análise, é a possível venda da divisão de chips Altera, que vem sendo estudada desde o ano passado. A divisão atraiu interesse da Qualcomm, fabricante de chips móveis, que tem ensaiado uma expansão no mercado de notebooks. Com um faturamento anual de US$ 35,82 bilhões no último ano fiscal, a Qualcomm vê na aquisição da Altera uma oportunidade estratégica para fortalecer seu portfólio, especialmente com a crescente demanda por PCs equipados com inteligência artificial, o que pode impulsionar a necessidade de novos componentes.
Se a Intel não conseguir ajustar sua rota, corre o risco de ver sua posição histórica no setor ser redefinida por aqueles que souberem aproveitar melhor as oportunidades do futuro.