Investimentos: o Brasil classificou a Irlanda como um paraíso fiscal em setembro de 2016 (Phil Ashley/Thinkstock)
Reuters
Publicado em 20 de outubro de 2017 às 16h45.
Londres - O Brasil proporcionou aos investidores alguns dos melhores retornos do mundo este ano, mas os fundos de investimento com sede na Irlanda foram forçados a adotar novas estratégias para obter bons ganhos com seus recursos.
O Brasil classificou a Irlanda como um paraíso fiscal em setembro de 2016 devido às suas baixas alíquotas de impostos para pessoas jurídicas, então os fundos de investimento em Dublin agora pagam impostos mais altos sobre rendimentos auferidos com ações e títulos brasileiros do que os fundos em alguns centros rivais, como Luxemburgo.
Em uma indústria bastante competitiva, os fundos de investimento com sede em Dublin têm que aceitar ganhos mais baixos do Brasil, reduzindo sua exposição ao país ou buscando maneiras de acompanhar os fundos rivais em outros lugares sujeitos a impostos mais baixos.
"É uma questão importante porque, por algum motivo, Luxemburgo não é tratado da mesma forma, então os gestores de ativos estabelecidos lá tem maior vantagem do que Dublin, em princípio", disse Rob Drijkoningen, chefe de dívida emergente da Neuberger Berman, que gerencia mais de 30 fundos listados em Dublin.
O Brasil é a nona maior economia do mundo, depois da Itália e à frente do Canadá, portanto, geralmente representa uma parcela significativa nas carteiras de investimentos globais ou do mercado emergente.
A dívida do Brasil responde por um décimo do índice de títulos públicos de países emergentes do JPMorgan. As ações brasileiras representam 7,6 por cento do índice MSCI Emerging Markets.
Até agora no ano, os títulos denominados na moeda brasileira garantiram um retorno de 20 por cento, enquanto o Ibovespa acumula alta de quase 30 por cento, o que torna muito difícil para investidores que busca de rendimentos maiores ignorar o Brasil.
Mas desde a classificação da Irlanda como paraíso fiscal, os fundos de Dublin têm que arcar com uma alíquota de imposto de 25 por cento sobre a renda obtida com juros, royalties e ganhos de capital de ativos brasileiros, ante 15 por cento anteriores.
Steve O'Hanlon, diretor de investimentos da Rubrics Asset Management, que tem seus seis fundos de renda fixa domiciliados em Dublin, disse que, após a mudança de imposto, ele está usando estratégias similares às utilizadas em 2010, quando o Brasil impôs uma tributação maior na compra por estrangeiros de títulos domésticos para conter a entrada dos chamados investimentos especulativos.
Então, muitos investidores se voltaram para valores mobiliários listados no exterior, como American Depositary Receipts (ADRs), que refletiram uma exposição direta ao Brasil, mas evitavam o imposto.
O'Hanlon disse que desta vez ele está comprando instrumentos como 'total return swaps' que oferecem exposição a ativos brasileiros, sem necessidade de aquisição de papéis de referência.
Drijkoningen, da Neuberger Berman, disse que agora está investindo no Brasil usando instrumentos derivativos, tais como swaps de taxa de juros, credit default swaps e moedas a termo, e a sua carteira de dívida de mercados emergentes não sofreu com as mudanças tributárias.
Os negócios de derivativos efetivamente replicam um investimento em um título real, mas geralmente não estão sujeitos a impostos locais, porque eles são feitos no exterior, disse ele.
Para a Irlanda, perder qualquer vantagem fiscal é um golpe importante e o governo tem pressionado o Brasil há cerca de um ano para reverter sua decisão, mas com pouco sucesso.
No final de 2016, os fundos com sede na Irlanda geriam quase 3 trilhões de euros (3,5 trilhões de dólares) em ativos, de acordo com a casa de pesquisa Monterey Insight, tornando-se o segundo país mais popular para fundos de investimento na Europa após o Luxemburgo.
Desse total, os fundos de mercados emergentes administravam 121 bilhões de dólares e outros 1,3 bilhão de dólares de ativos da América Latina, estimou Monterey.
Alguns gestores de fundos disseram que a questão tributária do Brasil não passa de uma dor de cabeça até o momento.
Greg Saichin, chefe de dívida emergente da Allianz Global Investors, disse que alguns clientes podem estar mais expostos a impostos mais altos, especialmente aqueles com contas segregadas para comprar títulos locais. Mas, apesar de ter alguns fundos com base na Irlanda, ele não mudou a abordagem dos investimentos em relação ao Brasil.
"Em nossas carteiras globais, o Brasil pode não responder por mais de 4 a 5 por cento da alocação total", disse Saichin.
O órgão da indústria de fundos da Irlanda disse que o impacto em Dublin como centro de gestão de ativos foi mínimo até agora.
"Não temos conhecimento de algum fundo que tenha deixado a Irlanda como resultado e entendemos que os gestores estão tomando as medidas adequadas para gerenciar e mitigar qualquer impacto em seus investimentos", afirmou a Irish Funds em uma declaração por email.
Juntamente com a Irlanda, o Brasil adicionou a Áustria e as nações insulares do Caribe, Curaçao e Saint Martin, à sua lista negra de paraísos fiscais, que já incluiu jurisdições bem conhecidas de baixa tributação, como a Ilha de Man, Mônaco e Panamá.
Um porta-voz do Ministério das Finanças irlandês disse que um pedido formal do ano passado do embaixador da Irlanda para reverter a decisão foi acompanhado por uma explicação detalhada do sistema de impostos das empresas irlandesas, descrevendo por que o país não deveria estar na lista.
O movimento do Brasil foi originalmente concebido para impedir que as empresas nacionais aproveitassem o imposto corporativo de 12,5 da Irlanda. Foi anunciado logo que a gigante JBS anunciou em 2016 que planejava transferir algumas de suas operações globais para a Irlanda. Mas o BNDES, acionista da JBS através do BNDESPar, vetou o plano.
O porta-voz do Ministério das Finanças irlandês disse que o recurso ainda estava sendo considerado pela Receita Federal brasileira.
O Brasil está analisando cuidadosamente a questão, disse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em setembro. Mas o fato de tantos fundos internacionais estarem localizados em Dublin por causa das taxas de imposto "indica algo", disse ele.
A Irlanda também enfrentou a pressão de Washington e Bruxelas sobre suas estruturas fiscais pró-business, uma parte fundamental de sua política econômica desde a década de 1960 que atraiu multinacionais como o Google, Microsoft, Apple e Facebook.