As Bolsas de Valores de Hong Kong e Xangai tiveram um dos piores pregões de suas histórias, voltando para os níveis de 2009 (EXAME/Exame)
Nesta segunda-feira, 24, as Bolsas de Valores da China enfrentaram um pregão que beirou o pânico. O Hang Seng, principal índice da Bolsa de Valores de Hong Kong, caiu 6,36%, voltando aos mesmos patamares de 2009. O Shangai Composite, por sua vez, desabou 2,02% e o yuan caiu para seu nível mais baixo em 14 anos em relação ao dólar.
Uma derrocada dos mercados financeiros do gigante asiático que tem uma explicação simples: o terceiro mandato do líder Xi Jinping. Uma consolidação no poder que amedrontou os mercados.
O pânico começou a se instalar após a divulgação da nova formação do Comitê Permanente do Politburo - o órgão de governo da China - que agora é composto apenas por homens extremamente fieis ao líder.
O poder absoluto do "novo Mao Tsé-Tung" e a falta de perfis reformistas, mais orientados para o mercado, na cúpula do partido gerou temores entre os investidores, preocupados que o crescimento econômico não esteja mais entre as prioridades do líder chinês. Personalidades como, por exemplo, Hu Chunhua, ou Wang Yang, foram colocados de lado.
Agora, a nova palavra de ordem é: segurança. O poder do Partido Comunista ganha mais espaço em relação ao mercado, sinalizando um novo modelo de economia ainda mais estatista. Tudo amplificado pela política "zero Covid", com lockdowns impostos para cidades de dezenas de milhões de habitantes, que não perdem de dureza, e que não desaparecerão.
Como consequência desse contexto, os investidores internacionais começaram a sair do mercado de ações chinês, vendendo uma quantidade recorde de ações: papéis por um valor de 17,9 bilhões de yuans, cerca de US$ 2,5 bilhões, foram liquidados em um só dia através da Bolsa de Valores de Hong Kong.
O valor de mercado de gigantes da tecnologia como Alibaba (BABA34), Tencent, Baidu, Jd e Meituan colapsou. Todos perderam mais de 11% nesta segunda. Com isso, os dez maiores magnatas da China perderam US$ 9 bilhões em apenas um pregão.
Desde o começo do ano, essas empresas já perderam, em média, mais de 50% de seu valor de mercado, com a verdadeira guerra que o governo de Xi iniciou há anos contra as Big Techs chinesas. Tanto que hoje a empresa com maior capitalização da China não é nenhuma Big Tech, e sim uma empresa de bebidas alcoólicas, a Kweichow Moutai.
O aperto do governo contra as gigantes digitais tem até uma data inicial: a tentativa fracassada da Ant Group, fintech do grupo Alibaba, de abrir o seu capital na Bolsa de Valores de Hong Kong, em novembro de 2020. Um IPO cancelado sob pressão direta do Executivo de Pequim.
Na verdade, já em 2018 tinha sido criado o Órgão Administrativo de Regulamentação dos Mercados (SAMR), que colocou dezenas de empresas de tecnologia chinesas no alvo por suposta violação de regras antitruste.
O mercado está temendo que, com a nomeação de tantos apoiadores de Xi para os cargos mais importantes da liderança chinesa, a capacidade do líder de implementar políticas desfavoráveis ao mercado esteja agora muito mais consolidada. Ou seja, não existiriam mais contrapoderes para a vontade do líder supremo.
Até pelo fato que essa guerra de Xi contra as Big Techs nada mais é que uma tentativa de proteger o Partido Comunista contra qualquer possível grupo de poder capaz de representar demandas político-sociais da sociedade chinesa, ou simplesmente qualquer centro que pudesse atuar como contra-poder econômico.
A internet chinesa é utilizada por quase um bilhão de usuários por dia. Os dados geridos por essa enorme massa de pessoas representam uma enorme fonte de faturamento e de informações. Os gigantes digitais se tornaram verdadeiros monopolistas, com um poder econômico imenso. Algo que não tem mais espaço na sociedade chinesa, na visão de "prosperidade comum" de Xi. Sem contar que esta imensa quantidade de dados também pode se tornar uma potencial alavanca de negociação para essas empresas. Algo que o governo quer evitar a todo custo.
As vendas maciças que marcaram esse pregão foram particularmente relevantes especialmente em um dia como este, quando o governo chinês decidiu divulgar os dados sobre o Produto Interno Bruto (PIB) do país do último trimestre.
O governo chinês decidiu publicar os dados com uma semana de atraso, para não "perturbar a harmonia" do Congresso do Partido Comunista que entregou mais um mandato para Xi.
O PIB superou as expectativas crescendo 3,9%, recuperando o ímpeto após o fraco desempenho dos últimos meses. Todavia, olhando mais de perto as estatísticas, a saúde da segunda economia mundial ainda apresenta muitas sombras. As vendas no varejo caíram para 2,5%. Um sinal de como as medidas draconianas para conter a Covid acabaram enfraquecendo o consumo.
As exportações crescem 5,7%, a menor taxa desde abril, com uma participação "artificial" das exportações para a Rússia, que subiram 21,2% por causa das sanções ocidentais contra Moscou que fizeram de Pequim o maior fornecedor dos russos. Por outro lado, o setor imobiliário não conseguiu inverter a tendência negativa, com os preços dos imóveis caindo pelo décimo terceiro mês consecutivo, refletindo bem a desconfiança dos mercados, e com as vendas que caíram 22%. A taxa de desemprego, por sua vez, subiu para 5,5%.
Um contexto que deixa a meta de crescimento do PIB da China para este ano, fixado em 5,5%, algo absolutamente inatingível. Não por acaso, o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê uma alta de "apenas" 3,2%, o menor crescimento desde 1976, excluindo o ano de 2020, ápice da pandemia do novo Coronavírus.
Entre os sinais positivos está a produção industrial em setembro, que cresceu 6,3%. Mas apenas esse dado não consegue reverter as perspectivas sombrias para a segunda maior economia do mundo.
No Congresso do Partido Comunista, Xi anunciou a meta de transformar a China em um país com um PIB per capita de uma nação com desenvolvido médio até 2035. Algo que implicaria dobrar o tamanho da economia em treze anos, com uma uma taxa média de crescimento muito ambiciosa, de cerca de 4,7% nesta janela temporal.
Só que 2022 será um ano ruim, e 2023 não promete ser nada bom. E com esses números, a previsão do PIB da China superior ao dos Estados Unidos até 2035 poderia ser postergado em muitos anos. Pelo menos não antes de 2060.
O problema é que uma eventual crise econômica chinesa irá se repercutir em todo o mundo, principalmente nos maiores parceiros comerciais de Pequim, com o Brasil. Não por acaso, nesta segunda-feira o Ibovespa fechou com a maior queda diária dos últimos 11 meses: - 3,27%. Em muitos ligaram o caso do ex-deputado Roberto Jefferson a queda do mercado. Entretanto, na Faria Lima a opinião foi comum: o problema está na China e as consequências serão sentidas nessas latitudes.