Fábio Alperowitch: ocorreu uma mudança em termos de preservação e de cultura de preservação e isso traz consequências. (FAMA/Divulgação)
Guilherme Guilherme
Publicado em 11 de fevereiro de 2020 às 11h32.
Última atualização em 12 de fevereiro de 2020 às 01h17.
Fábio Alperowitch tem 2,6 bilhões de reais sob gestão e não pretende colocar um centavo sequer em empresas que não prezam os mesmos princípios de sustentabilidade e governança em que acredita. “Não compro uma ação a 10 reais para vender a 12 reais. Compro uma parte da empresa”, diz. Referência em investimentos que sigam as melhores práticas socioambientais e de governança (ESG, na sigla em inglês), Alperowitch tem observado mais gestoras da Europa e dos Estados Unidos se atentando a essas questões, mas não vê esse movimento “tão evidente” no mercado financeiro brasileiro.
Quando começou, o gestor não imaginava que chegaria tão longe. Em 1992, quando criou projeto que originaria o fundo Fama, ele tinha 20 anos e tudo que tinha no caixa eram os 10 mil dólares arrecadados com colegas de estágio. Na época, Alperowitch estagiava na Protect & Gamble e, assim como seu colega Mauricio Levi, então com 22 anos, cursava Administração na Fundação Getúlio Vargas-SP. Os dois compartilhavam o interesse pelo mercado de ações e logo resolveram começar a investir.
“Logo no primeiro dia, decidimos que não iríamos investir em empresas que fossem contra nossos valores pessoais (suspeitas de fazer caixa dois ou que tenha reclamações trabalhistas). Depois vieram as questões ambientais e de governança”, lembra.
No começo, a taxa de administração de 2% ao ano, rendia, em média, menos de 10 dólares mensais para cada. Como o orçamento era insuficiente para adquirir relatórios de corretoras e até mesmo para ter acesso ao sistema de cotação em tempo real, os dois jovens foram à campo descobrir onde estavam os melhores investimentos.
“A gente ficava horas no supermercado analisando o comportamento do consumidor. Toda vez que alguém pegava um produto na prateleira, a gente perguntava o motivo da escolha. Ainda que, estatisticamente, não fosse relevante, a gente tinha várias ideias sobre as empresas e sobre os produtos”, conta Alperowitch. Entre as empresas em que o fundo investe estão: CVC, Raia Drogasil, MRV, Notredame Intermédica, Localiza e Arezzo.
Com o método, que foi aprimorado ao longo do tempo, o Fama conseguiu acumular uma rentabilidade de 7.859% entre 1996 e 2018, enquanto o Ibovespa subiu 1.947% no mesmo período. Em 2019, o principal fundo da gestora teve valorização de 41,6%.
Leia a entrevista na íntegra:
Há 30 anos, quando questões socioambientais não eram tão debatidas, como o mercado via a filosofia do Fama?
O mais frustrante para mim é dizer que depois de 30 anos essas questões não são debatidas no Brasil. Isso está começando a engatinhar agora, mas ainda estamos perto da estaca zero. Tem um ou outro que entende a importância, mas eu diria que o mainstream deixa essas questões em um plano nem secundário. O que avançou bastante foram os debates sobre governança. Todo investidor sofisticado - mesmo alguns menos sofisticados - entende os riscos inerentes a isso.
O senhor acredita que a preocupação com a defesa do meio ambiente está crescendo na Europa e nos grandes centros?
Existe uma onda superlegítima, necessária e urgente que é a questão climática. Isso passou na frente de todas as outras agendas e virou a preocupação número um dos investidores europeus e, cada vez mais, dos investidores americanos. Mas acho que quando a gente fala de sustentabilidade e meio ambiente, a gente não pode se restringir às questões climáticas. Existe uma crescente preocupação com isso, mas talvez seja um erro colocar, unicamente, as questões climáticas e deixar o resto em segundo plano. Não deveria ser assim, mas dá para entender.
No Brasil, essas questões são vistas de uma forma ideologizada?
Infelizmente, existe a ideologização do tema na medida que existe uma ideologia - hoje, mais dominante no Brasil – que tem algum tipo de restrição ao tema. Direitos humanos e meio ambiente deveriam estar acima de qualquer ideologia. Mas, no Brasil, infelizmente, esse tema é ideologizado. Pelo fato de o tema, historicamente, estar mais perto de uma ideologia, a outra o rejeita. Não deveria ser dessa forma.
Um ano depois da maior tragédia trabalhista da história do Brasil, as ações da Vale estiveram entre as mais recomendadas de janeiro. Com essa filosofia de prezar por questões socioambientais, o Fama se sente um estranho no ninho do mercado financeiro?
Preciso fazer uma ressalva: não sou Deus. Então, não significa que minha visão esteja certa e as outras erradas, ainda mais quando estamos falando de aspectos subjetivos. Pode ter gente que interprete que o que houve [em Brumadinho] foi, simplesmente, um acidente ou que a Vale melhorou e se atentou às condições que antes negligenciava e agora é uma empresa que tem riscos controlados. A gente tem uma visão distinta. Mas, independentemente do que aconteceu em Brumadinho, a gente já não era investidor de Vale e já não seria por não ser um tipo de negócio que nos atrai. Ela já estava excluída de nosso universo, ainda mais com a reincidência.
Excluída por questões ambientais ou por outros motivos?
A gente tem uma visão de muito longo prazo. Por isso, procuramos empresas que podem criar muito valor ao longo do tempo. Em empresas de commodities, o preço da commodity e o câmbio são fatores determinantes para o valor da empresa - e tanto o câmbio quanto o preço da commodity são determinados por fatores muito exógenos e são bastante cíclicos. Então é uma tese muito mais macro do que micro - e a gente gosta mais de teses micro. Isso tudo sem contar as questões socioambientais, que para nós são relevantes também.
Depois de Brumadinho foram feitas poucas mudanças regulatórias e o número de queimadas na Amazônia cresceu. O Brasil retrocedeu na forma como lida com o meio ambiente?
Primeiro: o assunto meio ambiente está mais em voga. Então, existe um holofote maior em relação ao assunto. A segunda questão é que, de fato, a gente viu no ano passado o aumento bastante alto do desmatamento na Amazônia. Então, de fato, acho que ocorreu uma mudança em termos de preservação e de cultura de preservação. Isso traz consequências. Quando existe um discurso que não é pró-preservação, mas é pró-desenvolvimento da área, pró-pecuarista ou pró-agronegócio dentro da Amazônia, cria-se também um ambiente onde as coisas se aceleram. Mas isso é muito na esfera federal. Não pode ficar analisando o país só sob a ótica do governo federal. O Brasil é muito maior que isso. Não dá pra rotular o país. Seria uma generalização muito grande.
As empresas estão fazendo a parte delas?
As empresas têm alguma preocupação. O brasileiro, em geral, tem alguma preocupação. Por exemplo, em termos de matriz energética, a gente tem companhias que são destaque global em sustentabilidade. Acho que a gente tem uma sociedade civil que se manifesta, que tem alguma preocupação. Infelizmente, a preocupação não é muito evidente dentro do ambiente do mercado financeiro. Mas acho que isso tem crescido e dentro das empresas também.
Aqui no Brasil a gente observa um aumento do número de vegetarianos e de pessoas evitando comer carne vermelha todos os dias. Essa mudança de cultura pode ameaçar os frigoríficos no longo prazo?
Acho que ameaçar é uma palavra muito forte. Do mesmo jeito que tem cada vez mais vegetarianos e veganos no mundo, cada vez mais tem carnívoros na China. Existe um “equilíbrio de forças”, mas é notório que as pessoas, especialmente da nova geração, têm uma preocupação maior com a crueldade animal. Na última estatística que eu vi, a população vegana cresceu de 1% para 6% nos Estados Unidos. Embora 6% ainda seja um número pequeno, o crescimento de 1% para 6% não é desprezível. Eventualmente, quem come carne hoje pode deixar de comer amanhã. Então, existe algum efeito sobre o tamanho do mercado
A emissão de carbono também pode pressionar as ações do setor?
A pecuária é uma das atividades que mais emitem carbono. Em algum momento, o carbono será precificado - isso é inexorável. A gente não sabe quanto e quando, mas as empresas que emitem muito carbono têm um passivo potencial gigantesco a ser realizado na frente. Tem outro aspecto que é o desmatamento e cada vez mais existe uma preocupação com o desmatamento. Isso pode se traduzir em legislações mais severas, com multas ou mesmo boicote. Outro fator é o consumo de água. Para cada quilo de carne no prato foram necessários 15 mil litros de água. Água é um bem que a longo prazo é escasso. Tem estudos que discutem um pouco disso. À medida que a água fica mais cara, o produto fica mais caro para produzir.
A Tesla tem crescido bastante. Esse movimento dos carros elétricos pode provocar mudanças nesse mercado?
A questão não é tão simples quanto parece porque a fabricação do carro elétrico não é livre de problemas. Mas, naturalmente, vai existir cada vez mais incentivos para que os carros se tornem elétricos. A Holanda anunciou que a partir de 2030 ou 2040 não vai mais poder ser vendido carro a combustão e cada vez mais outros países farão o mesmo. Supondo que seja em 2040, em 2039 ninguém vai comprar mais porque não vai ter valor de revenda. Então, mesmo que o banimento do carro a combustão ocorra em uma data futura, a economia começa a mudar muito antes. Esse movimento já está acontecendo na Europa. É uma tendência. Mas quando estamos falando de um mercado de veículos você também tem a tendência de pessoas usarem mais transportes públicos, ou meios alternativos menos poluentes, como bicicletas. Acho que é um mercado que requer alguma atenção quando estamos falando de tendência de longo prazo.