Beatriz Quesada
Publicado em 3 de outubro de 2022 às 06h04.
Última atualização em 3 de outubro de 2022 às 17h31.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva liderou as intenções de voto no primeiro turno com uma distância mais estreita que o esperado e irá disputar o cargo de presidente com o atual mandatário, Jair Bolsonaro. O segundo turno já era esperado pelo mercado, e a expectativa é que uma nova disputa jogue o discurso dos candidatos mais ao centro – o que é visto com bons olhos por investidores.
Tanto é que as ações de estatais como Petrobras (PETR3/PETR4) e Banco do Brasil (BBAS3) disparam mais de 8% na bolsa nesta segunda-feira. Ainda assim, a possibilidade de mudanças nos rumos das estatais segue no radar do mercado, em especial no caso da Petrobras. O grande temor é que uma nova gestão de esquerda coloque os interesses do governo acima da rentabilidade da companhia.
Vale lembrar que, mesmo a gestão Bolsonaro – eleita como de direita com viés liberal – tem colocado a petroleira sob ataque. Isso por conta do aumento da inflação, no qual o preço dos combustíveis tem um papel relevante.
Buscando reduzir o preço nas bombas para o consumidor final, o presidente Jair Bolsonaro trocou o comando da estatal quatro vezes durante seu mandato. Três mudanças ocorreram apenas neste ano, enquanto o governo tentava controlar os preços de olho na reeleição. O preço do litro gasolina encerrou setembro a R$ 5,33, valor 7,23% mais barato se comparado a agosto.
As quedas, no entanto, se alinharam a um recuo do preço do petróleo no mercado internacional, que vem em trajetória de baixa desde junho. Ou seja, o governo não precisou abandonar a política de paridade com os preços internacionais para influenciar o custo dos combustíveis.
Porém, o cenário pode ser diferente em um governo Lula. O ex-presidente já criticou abertamente o modelo de Preço de Paridade de Importação (PPI) adotado em 2016, na gestão Temer, e também defendeu investir em ativos menos rentáveis, como refinarias, para tornar o País autossuficiente em petróleo.
As declarações soaram como um alerta para o mercado, que mantém na memória os desafios deixados pela gestão da petista Dilma Rousseff na estatal. A política de congelamento de preços adotada na época fez com que a empresa usasse seu caixa para cobrir a diferença entre o preço da commodity no exterior e o que era vendido no mercado local.
A companhia também embarcou em um período de fortes investimentos – incompatíveis com a falta de caixa gerada pelo congelamento. O resultado foi uma dívida de R$ 100 bilhões, que custou mais à Petrobras do que os escândalos de corrupção da Operação Lava-Jato.
A ameaça de corrupção, por sinal, preocupa menos o mercado do que uma mudança de rumo da empresa. “A companhia está mais protegida contra corrupção. Houve importantes avanços na governança das estatais, como a própria Lei das Estatais [que estabelece regras para a nomeação de administradores e conselheiros das estatais, visando evitar seu aparelhamento por partidos ou grupos políticos]”, avalia Camilo Marcantonio, sócio-fundador e gestor da Charles River Capital.
“Nenhuma empresa no mundo é imune à fraude, mas as linhas de defesa da Petrobras são muito maiores hoje e vão continuar, independente de quem comanda o País. Nosso ponto de atenção é muito mais a orientação estratégica”, completa o gestor.
No pior momento da crise, em fevereiro de 2016, a Petrobras era avaliada em R$ 67,6 bilhões. Hoje, a companhia vale R$ 414,26 bilhões.
Desde 2015, a Petrobras adota uma política de desinvestimento para focar na exploração e produção de petróleo em águas profundas, seu segmento mais rentável. A efeito de comparação, o custo de extração do barril de petróleo no pré-sal gira em torno de US$ 3, enquanto, em terra, o valor sobe em quase cinco vezes.
A estratégia é desinvestir de alguns poços de petróleo com menor rentabilidade, além de opções de refino, geração de energia e comercialização. O exemplo mais notório foi a venda da BR Distribuidora, agora Vibra Energia (BRDT3), distribuidora líder de derivados de petróleo. A empresa abriu capital em 2017 e a Petrobras concluiu a venda da companhia em 2021, arrecadando R$ 11,3 bilhões com o desinvestimento.
O programa de desinvestimentos segue acelerado, com a venda de 19 ativos apenas no segundo trimestre deste ano, totalizando ganhos de R$ 71,8 bilhões para a companhia.
O segundo trimestre, a propósito, foi de fortes lucros para a empresa, impulsionado não só pelos desinvestimentos mas também pela Política de Paridade Internacional. Desde 2016, os preços praticados pela empresa seguem a cotação do barril de petróleo e a variação do câmbio, o que permitiu à Petrobras engordar seus lucros com a valorização do petróleo Brent no período.
Para os acionistas, tem sido o melhor dos mundos. A companhia foi a maior pagadora de dividendos do mundo no último trimestre, distribuindo R$ 87,8 bilhões em proventos, R$ 6,732 por cada ação preferencial e ordinária.
Os compromissos adotados nos últimos anos dificultam que a estatal atue em prol dos interesses da União em momentos de estresse econômico, como a escalada da inflação. Aí entram as promessas eleitorais de Lula em abandonar a PPI e retomar os investimentos em refinarias.
"Essa história de PPI é para agradar os acionistas, em detrimento dos 230 milhões de brasileiros", afirmou Lula, em julho, em entrevista ao UOL. O ex-presidente defende que a extração de petróleo é de interesse público, e a companhia deve atuar em prol do País como um todo. "A gente pode reduzir o preço, sim, o presidente não teve coragem", completou, se referindo a Bolsonaro.
Lula também criticou a venda de distribuidoras e a falta de investimento em refinarias, o que obrigaria o País a importar derivados de petróleo, encarecendo os preços para o consumidor final.
"Vou tentar fazer o Brasil voltar a ser autossuficiente em petróleo", declarou Lula, no mês passado, em entrevista ao Canal Rural. "A BR Distribuidora foi destruída porque era monopólio. Hoje estamos com 392 empresas importando gasolina dos Estados Unidos", acrescentou.
O rumo da Petrobras e das ações da companhia depende não só da definição do novo presidente, mas também de maiores sinalizações econômicas. Analistas defendem que, em caso de vitória de Lula, é preciso aguardar o nome do novo presidente da estatal e também entender em que medida o discurso eleitoral irá se traduzir em mudança efetiva.
“No patamar atual, achamos que a ação é um bom investimento e está descontada. Porém, caso Lula faça movimentos não-ortodoxos, o papel pode cair”, explica Marcantonio, da Charles River Capital.
A forma mais utilizada para calcular o valor justo da Petrobras é múltiplo EV/Ebitda, um indicador que compara o valor da empresa, acrescido das dívidas, dividido pelo lucro operacional. Atualmente a Petrobras é negociada a 2,5 vezes o EV/Ebtida, enquanto a média histórica se aproxima de 4 vezes.
Alguns analistas avaliam que a empresa está mais descontada por conta do risco eleitoral, que já estaria incorporado no papel. Existem, contudo, aqueles que acreditam que a ação ainda não precificou o risco de um novo governo Lula.
“É o ativo mais arriscado da bolsa em caso de eleição do Lula. Não estou dizendo que a ação vai desabar, mas o risco é grande. Não podemos nos iludir achando que a empresa está blindada. Ainda assim, o mercado vai esperar a consolidação dos planos do novo presidente para reagir”, afirma Flávio Conde, analista de ações da casa de análise Levante.
E para além da queda, é possível ainda que a companhia passe por uma reavalição de múltiplos. “Caso Lula decida manter os planos de acabar com a PPI e retomar investimentos menos rentáveis, o mercado pode calcular um novo valor justo para a Petrobras, abaixo do patamar atual”, diz Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.
A revisão seria o passo final da nova orientação da empresa em adotar um modelo onde o lucro e o retorno ao acionista perdem protagonismo.
Já se o atual presidente Jair Bolsonaro for reeleito, o cenário que se desenha é mais claro. Analistas esperam a continuidade do atual presidente da Petrobras, Caio Mário Paes de Andrade. Outra expectativa é a continuidade da paridade de preços, bem como a estratégia de focar em exploração e produção de petróleo.
Existe, ainda, a possibilidade de privatização, que empolga o mercado porque tiraria o risco político da empresa. Em maio, o Ministério de Minas e Energia incluiu a estatal na lista de estudos para privatização e Bolsonaro tem defendido a saída da União da empresa.
O processo, no entanto, não é simples e analistas estão céticos se o projeto seria realmente capaz de sair do papel em quatro anos.
“A ação pode subir se Bolsonaro for eleito, mas não disparar. Ninguém vai pagar para ver antes de realmente algo ser feito no sentido da privatização da empresa”, defende Conde, da Levante.
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