Guido Mantega: o ministro da Fazenda afirmou em pronunciamento que o câmbio não é instrumento de controle de preços (Antonio Cruz/ABr)
Da Redação
Publicado em 30 de janeiro de 2013 às 16h45.
São Paulo - O leilão de venda de dólares com recompra no mercado à vista, realizado nesta quarta-feira pelo Banco Central, confundiu o mercado, que não esperava a operação. Principalmente porque o anúncio foi feito logo após as declarações do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que o mercado entendeu como um "alinhamento ao pensamento do Banco Central".
Ainda assim, a julgar pelo comportamento das cotações ao final do dia, depois de muita volatilidade, prevalece a ideia de que o leilão teve motivação técnica. O que não ameniza os arranhões percebidos, mais uma vez, na comunicação e na condução das expectativas.
"Uma coisa depois da outra passou a ideia um descompasso e confundiu o mercado", disse um operador. Outro profissional ressaltou que a contradição entre as palavras do ministro e a realização do leilão de linha com o dólar abaixo de R$ 2,00 passou a ideia de que "Fazenda e BC não estão em sintonia".
A percepção de operadores e analistas após o discurso de Mantega era justamente o contrário, mas durou pouco. As palavras do ministro durante seu encontro com prefeitos tinha plantado a ideia de que a Fazenda está de acordo com o BC sobre a necessidade de cuidados com a inflação e que, no câmbio, a intenção era manter as cotações mais próximas a R$ 2,00. Tanto que isso se refletiu imediatamente nas mesas de operações, que puxaram a moeda norte-americana para R$ 2,00 no mercado à vista de balcão, deixando para trás a mínima de R$ 1,9836 observada mais cedo. Porém, o leilão de linha veio logo em seguida e o dólar voltou a ceder.
"No primeiro momento, o mercado interpretou que o Banco Central quer mesmo o dólar abaixo de R$ 2,00, que foi a ideia surgida após a rolagem do swap e que estava começando a ser ponderada", contou um operador. Ele, no entanto, não corrobora essa avaliação e dá uma explicação técnica para a atitude do BC.
Com base nos números do fluxo cambial negativos e das estimativas sobre a posição dos bancos no mercado à vista de dólar, esse profissional do mercado acredita que o leilão de linha está atendendo às necessidades de instituições financeiras que precisam de dólares à vista. Conforme divulgou o BC no final da manhã, o fluxo cambial de janeiro está negativo em US$ 2,692 bilhões e os bancos estariam vendidos em quase US$ 9 bilhões, volume há muito não registrado.
"Em outubro, os bancos estavam vendidos em cerca de US$ 3,6 bilhões, em novembro passaram a uma posição comprada de US$ 914 milhões, em dezembro assumiram posição vendida um pouco superior a US$ 6 bilhões e, agora, estão expostos em mais de US$ 8,5 bilhões", contabilizou a fonte.
Passado o impacto inicial, essa percepção passou a ser compartilhada por diversos outros profissionais consultados pela Agência Estado. "O leilão de linha não era esperado pelo mercado, mas o fluxo não foi bom, a posição vendida dos bancos é muito alta e pode haver uma necessidade de dólares no spot. O BC poderia deixar os investidores que estão precisando de moeda norte-americana irem a mercado, mas como houve uma queda grande recente, essa demanda poderia gerar correções para cima muito rápidas e bruscas. Assim, o leilão pode ter sido uma medida para evitar a volatilidade", disse o gerente de operações de um banco. "Tecnicamente explica-se porque o fluxo está negativo e a posição dos bancos é fortemente vendida", repetiu um experiente operador de uma grande instituição.
O economista da BGC Liquidez Corretora, Alfredo Barbutti, também concordou que o leilão de linha realizado pouco depois da fala de Mantega é justificável, na medida em que a posição técnica de bancos é vendida tanto no mercado à vista quanto no futuro. "Quando o Banco Central fez leilões de linha em dezembro, ele dizia que o problema era de fluxo, porque havia saída de recursos no fim do ano. A ideia era acomodar a situação em determinadas datas, na expectativa de que o fluxo melhorasse em janeiro, mas o problema é que o fluxo não melhorou".
Barbutti lembrou, inclusive, que no início deste mês o BC havia dito que não renovaria as linhas. "Só que a situação dos bancos não melhorou. O BC emprestou em dezembro, mas o fluxo não melhorou", repetiu.
Troca de recados
Um gestor de recursos ouvido pela Agência Estado admitiu que por trás do leilão de linha pode haver uma motivação técnica, mas ressaltou que ainda é cedo para avaliar que o Banco Central e Ministério da Fazenda já fecharam consenso. "Quando o Mantega fala que a Selic não está engessada e que uma eventual elevação não seria uma 'sangria desatada', parece que ele concorda que se a inflação continuar em alta, é preciso tomar uma atitude", afirmou.
Por outro lado, no que diz respeito ao câmbio e à política fiscal, BC e Fazenda estariam trocando recados, em sua avaliação. "O ministro da Fazenda considerou o resultado primário ótimo e afirmou que o câmbio não é instrumento de controle de preços, dando a entender que o ideal seria que a nossa moeda continuasse depreciada", disse a fonte. "Ao mesmo tempo, o BC promove um leilão que coloca dólares no mercado e limita o avanço da divisa, como quem diz: o dólar pode não ser o melhor instrumento de política monetária, mas é o que posso fazer diante de um governo que não me entrega a economia fiscal prometida", finalizou.
Às 16h17, o dólar à vista de balcão era cotado a R$ 1,990, com alta de 0,20% sobre o fechamento de terça-feira (29). Na máxima após das declarações do ministro Mantega e antes do leilão, a moeda norte-americana alcançou R$ 2,00. A mínima tinha sido registrada logo cedo, ainda no rastro do comportamento do mercado, na terça-feira.