Roberto Padovani: economista-chefe do BV (BV/Divulgação)
Guilherme Guilherme
Publicado em 9 de maio de 2022 às 11h57.
Última atualização em 9 de maio de 2022 às 12h00.
A inflação brasileira está no maior nível em quase 20 anos e segue sem dar indícios de que já chegou ao pico. Roberto Padovani, economista-chefe do BV, espera que, em algum momento, a alta de preços comece a ceder diante dos apertos monetários no Brasil e no mundo -- "o problema é em qual ritmo".
"Estamos assustados, pois a inflação não está dando sinais de desaceleração. O Brasil não cumpriu o teto da meta de inflação no ano passado, provavelmente não cumprirá neste ano e a meta do ano que vem está sob risco. Serão três anos com a inflação acima do teto, o que é preocupante", afirmou Padovani em entrevista à EXAME Invest.
A alta de juros nos Estados Unidos, onde a inflação se tornou a maior preocupação do ano passado para cá, deve contribuir para o resfriamento de preços ao longo do tempo, segundo o economista. A percepção do economista é de que o Federal Reserve (Fed) tentará controlar a inflação sem gerar uma recessão da maior economia do mundo. "A dúvida é se vão conseguir."
Além do potencial efeito recessivo, Padovani prevê que os juros mais altos nos Estados Unidos devem seguir pressionando o dólar para cima no mundo. "O diferencial de juros é uma variável muito importante para o comportamento das moedas", afirmou.
O economista, porém, não espera que altas adicionais na taxa de juros brasileira sejam suficientes para conter a apreciação do dólar no Brasil. "Quando fazemos as contas, vemos o dólar próximo de R$ 5,50."
Confira a entrevista com Roberto Padovani, economista-chefe do BV.
O mercado projeta Selic de 13,25% para o fim do ano. É o suficiente para controlar a inflação?
A inflação vai desacelerar. O problema é em qual ritmo. A inflação subiu no ano passado com preços de energia e alimentos. Hoje, ela está espalhada. A cada 10 itens 8 estão subindo de preço. O núcleo da inflação, que desconta preços mais voláteis, está rodando a 8%. O IPCA no ano passado fechou a 10,1% e já está perto 13%. A situação está piorando, porque além da disseminação da inflação, estão havendo novos choques. O petróleo voltou a subir e problemas climáticos estão afetando a oferta agrícola.
Estamos assustados, pois a inflação não está dando sinais de desaceleração. O Brasil não cumpriu o teto da meta de inflação no ano passado, provavelmente não cumprirá neste ano e a meta do ano que vem está sob risco. Serão três anos com a inflação acima do teto, o que é preocupante.
O mercado tem precificado altas de juros mais fortes nos Estados Unidos. Qual deve ser o efeito do aperto monetário? Poderemos ver uma queda do PIB americano?
Quem decidirá isso será o próprio Fed. Se os juros passarem de 2,5% será um aperto monetário para valer. A impressão é de que o Fed quer fazer isso. Vão colocar o juro acima de 2,5% porque o desemprego nos Estados Unidos está no menor nível em 70 anos, a economia está aquecida e a inflação ao consumidor está a 8,5%. É chocante o que está acontecendo. Não faz sentido o juro estar abaixo do neutro, sendo que a pressão inflacionária é a mais preocupante em 30 anos nos Estados Unidos.
O Fed terá que fazer o aperto monetário, mas vão avaliar as condições econômicas. Se o aperto econômico for muito forte, a tendência é diminuírem o ritmo. A intenção será levar o juro a ponto de a inflação cair sem gerar recessão. A dúvida é se vão conseguir.
Enquanto o Fed sobe os juros, o BCE tem sido mais dovish. Há maior chance de a Europa ter que conviver com uma inflação mais alta do que fazerem um aperto monetário mais duro?
Os bancos centrais sobem juros para encarecerem o crédito e esfriarem o consumo, inibindo o repasse de custos. Ou seja,, a alta de juros é para desacelerar a economia. Mas na Europa, a guerra está já fazendo esse serviço. Porém, ao mesmo tempo que a guerra desacelera a economia, também exerce pressão sobre o petróleo e gás. É um ambiente muito mais complexo que nos Estados Unidos. O BCE tende a ser mais cauteloso no processo de alta de juros. Mas a inflação na Europa explodiu e está em níveis que nunca vimos antes.
Não só pelo diferencial de juros, mas também pela desaceleração da Europa, devemos ver o dólar ganhando ainda mais força contra o euro?
Já está acontecendo. O dólar forte é uma das grandes teses do mercado. A Ásia está lutando para não desacelerar, então não vai ter alta de juros. Na Europa, onde há o problema da guerra, o BCE deve sinalizar alta de juros em ritmo mais moderado. O único país em que o juro alto é certo são os Estados Unidos.
O ciclo do aperto monetário americano está muito à frente do asiático e europeu. Então, vemos o dólar para cima no mundo todo. O diferencial de juros é uma variável muito importante para o comportamento das moedas. Devemos ver o dólar mais forte nos próximos meses.
Em relação ao real, a alta de juros adicional sinalizada pelo BC pode conter parte dessa valorização?
A moeda brasileira reage às variáveis do diferencial de taxas de juros, preços de commodities, variação do dólar no mundo e percepção de risco.
A favor do real têm as taxas de juros internas. O BC subindo juros ajuda a moeda brasileira. Mas no outro prato da balança têm os juros subindo nos Estados Unidos, aumento de risco no Brasil e no mundo e dólar mais forte – e, historicamente, quando tem dólar em alta, os preços de commodities caem. Não é um cenário de aumento de preços de matérias primas, porque o mundo está desacelerando. Na melhor das hipóteses, a cesta de commodities fica parada.
Sozinhos, os juros brasileiros não compensam a alta dos juros internacionais, o dólar forte no mundo, preços estáveis de commodities e o aumento da percepção de risco. Quando fazemos as contas, vemos o dólar próximo de R$ 5,50.
No início do ano, havia a percepção de que a eleição não geraria tanta volatilidade no mercado local. Qual é a percepção do BV em relação aos potenciais riscos das eleições?
Temos uma visão diferente da do mercado. As eleições serão muito competitivas. Não terá como antecipar quem ganhará a eleição. Isso piora a qualidade do conjunto de informações. Só isso já é uma influência importante para ativos como bolsa e juros, pois o prêmio de risco tende a ser maior.
Outra característica de uma eleição competitiva é o incentivo aos discursos populistas. Isso tende a assustar o investidor. O que concordo com a avaliação padrão do mercado é que, seja quem for o próximo presidente, dificilmente haverá rupturas institucionais.
Mas do ponto de vista da instabilidade financeira, os riscos eleitorais podem trazer volatilidade. O contexto é complicado, com o mundo desacelerando, a economia brasileira perdendo fôlego e a dívida pública elevada. Os discursos serão para agradar eleitores e não os investidores. Não consigo imaginar uma situação em que o mercado fique tranquilo.
Depois da entrada massiva no início do ano, a bolsa tem passado a perder capital externo. A expectativa é de que os estrangeiros não voltem tão cedo?
Acho que vamos sofrer pouco em termos de fluxos comerciais, mas o que importa mesmo é o fluxo financeiro. O risco global aumentando e a incerteza sobre o próximo presidente em um contexto de dívida elevada não favorecem os fluxos financeiros.
A impressão é de que esse movimento do começo do ano não se repita. A tendência é de redução da atratividade do país. Mesmo o exportador, mais inseguro, pode deixar o dinheiro fora do país. O ambiente sugere uma pressão sobre o dólar.
O cenário tende a ser negativo para a bolsa?
A saída de estrangeiros e a alta de juros no Brasil são fatores negativos para a bolsa. A maior taxa de juros, pela conta do fluxo de caixa descontado, gera menor avaliação das empresas. O segundo é efeito é sobre a concorrência de ativos, pois a renda fixa fica mais atrativa que a variável. A bolsa ainda tem muitos desafios pela frente. Juros elevados, commodities estáveis e desaceleração local afetam o rendimento das empresas.