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Ibovespa em 100 mil pontos é só um letreiro luminoso, diz gestor do Alaska

À frente de um dos fundos mais badalados do momento, Henrique Bredda conta por que tem feito escolhas na contramão do mercado.

Henrique Bredda: (Germano Lüders/Exame)

Henrique Bredda: (Germano Lüders/Exame)

TL

Tais Laporta

Publicado em 2 de julho de 2019 às 07h30.

Última atualização em 12 de junho de 2020 às 15h56.

Sempre que uma empresa da bolsa é rodeada por fatos negativos – daqueles que metem medo no investidor – os gestores da Alaska Asset Management se perguntam se é hora de comprar mais ações. É assim que um dos fundos mais badalados dos últimos anos, o Alaska Black, vem montando sua carteira. “É a única chance que temos de acumular”, conta Henrique Bredda, gestor do fundo que surpreendeu ao subir 143% em 2016 e 93% em 2017, na esteira da forte alta da varejista Magazine Luiza. 

A estratégia segue a máxima de que o melhor momento para apostar em uma ação é quando ninguém está animado com ela. Mas Bredda sabe que a aposta costuma sacrificar a rentabilidade no curto prazo. Tanto que o principal fundo da gestora já passou por altos e baixos – e vem rendendo módicos 15% no acumulado do ano. Ele diz não se importar, já que o compromisso com os 153 mil cotistas é entregar resultados no longo prazo. 

Cético com o atual momento da economia, o gestor não vê relação entre o lucro das empresas e o crescimento insatisfatório do PIB. E diz que é nas brechas que estão as oportunidades. Enquanto o mercado brindou com champanhe a volta do Ibovespa aos 100 mil pontos, Bredda diz que o marco não passa de uma brincadeira. “É só um número redondo. Não diz se a bolsa está barata ou está cara”. 

Um dos gestores de um patrimônio que já soma R$ 11 bilhões, Bredda contou a EXAME por que aumentou a posição na petroquímica Braskem recentemente, quando notícias ruins desabaram sobre ela. Sua controladora, a empreiteira Odebrecht, pediu recuperação depois que a holandesa LyondellBasell desistiu de comprar a companhia. Leia a entrevista: 

EXAME - O mercado colocou todas as fichas na reforma da Previdência enquanto as projeções para a economia vêm piorando. Como você vê as apostas em uma valorização maior do Ibovespa após os 100 mil pontos? Este otimismo tem fundamento? 

É meio que da boca para fora. O pessoal estoura uma champanhe na Faria Lima mas nada muda. É uma grande brincadeira sobre um número redondo. Não diz se a bolsa está barata ou está cara. A geração de caixa das companhias do Ibovespa justifica a pontuação? Estes 100 mil pontos são só um grande letreiro luminoso. Na prática, dinheiro de verdade ou a alocação do patrimônio das pessoas em bolsa nem está muito baixo quando você compara com a média histórica do Brasil. Estamos em época de juros baixos e a alocação deveria estar acima da média. 

EXAME - A que você atribui a baixa alocação de recursos na bolsa? 

Apesar do discurso que predomina, a gente percebe muito medo dos empresários, gestores e pessoas físicas. Tem quem ache que a reforma da Previdência não vai ser suficiente, tem quem ache que depois que passar a reforma não vai dar pra resolver o problema da economia e ainda assim teremos que enfrentar uma recessão americana. Tem quem não esteja preocupado com isso, mas muito cauteloso com o atrito do governo Trump com a China. Essa pauta de preocupações é gigantesca e acaba ofuscando a brincadeira dos 100 mil pontos. 

EXAME - Parece haver um consenso de que se a reforma da Previdência for aprovada haverá um ciclo muito virtuoso para a bolsa. O mercado estaria obcecado demais com o tema? 

Do ponto de vista do investidor estrangeiro, o momento é de otimismo. A bolsa brasileira em dólares em 2008 chegou a 44 mil pontos. Hoje ela está em torno de 26 mil pontos, quase metade do preço de quase 10 anos atrás. Se esse otimismo todo de fato existisse era para termos superado o topo em dólares. A bolsa em reais acaba subindo com o tempo, mas o estrangeiro olha o Brasil como muito atrasado. A bolsa não é totalmente desconectada de outras coisas no país. Se as pessoas não estão consumindo, se empresas não estão investindo em expansão de fábricas ou compra de terreno é óbvio que não farão isso na bolsa. A bolsa não é um universo paralelo, onde todos estão hiper otimistas comprando tudo. 

EXAME - A passagem dos 90 mil pontos para 100 mil pontos nos últimos meses não indica que algo melhorou? 

O investidor local está entrando mais na bolsa porque ficou menos atraído pela renda fixa, com a Selic baixa e com perspectiva de cair ainda mais, mas o estrangeiro está vendendo forte no Brasil. Para eles o Brasil está piorando. Se tem um público entrando na bolsa tem outro saindo. Desde 2016, a bolsa vem subindo aos poucos com muita volatilidade. Saímos dos 39 mil pontos para 100 mil e ela está simplesmente reagindo ao aumento do lucro das empresas. 

EXAME - Se as empresas estão lucrando mais, não é um indicador de que a economia melhorou? 

O lucro das empresas não tem relação com o PIB. Ele depende bastante de investimento das empresas. As pessoas veem uma correlação entre a bolsa e a economia e não dá para comparar as duas coisas. O PIB reflete um universo inteiro das empresas no país, tem mais de 5 milhões de CNPJs, enquanto as empresas da bolsa que negociam de verdade não passam de 200. É um universo ultra pequeno. Quando você olha o salário médio dos jogadores de futebol no Brasil é pouco mais de um salário mínimo. Não reflete nem de longe a situação financeira dos jogadores da seleção brasileira. As empresas da bolsa são a seleção brasileira, não tem nada a ver com outras milhões de empresas no país. 

EXAME - Por que as empresas da bolsa estão ganhando mais dinheiro? 

Na saída da crise em 2015 e 2016 elas conseguiram contratar consultorias estratégicas, reduziram de tamanho e despesas e se reestruturaram. Tiveram condições de renegociar suas dívidas, que estão num custo mais baixo. Estas empresas estão mais enxutas. Com o mesmo nível de faturamento elas conseguem dar muito mais lucro. Se a estrutura de custo é igual e ela fatura mais, o lucro aumenta muito. As empresas da bolsa reviveram e ganharam market share, enquanto na crise morreram várias pequenas. Esse universo paralelo chamado bolsa é totalmente apartado do PIB. Por isso a bolsa consegue nadar de braçada mesmo com um PIB mais fraco. Para as empresas da bolsa um PIB fraco é melhor que crescer muito, porque atrai concorrentes e o empresário estrangeiro vem pra cá competir. Esse PIB mais morno para a bolsa é o melhor cenário. 

EXAME - Mas se a reforma da Previdência não for aprovada, as empresas não vão sofrer? 

Isso afeta o preço das ações, mas não o lucro das empresas. É questão de tempo para a reforma ser aprovada. Se houver mais atrasos para o segundo semestre ou para 2020, a bolsa deve cair uns 10 mil pontos, mas é muito pouco. A gente investe na Klabin [produtora de papel e celulose], que vai expandir seu ciclo de produção até 2023. Eles não estão preocupados com a reforma da Previdência, nem com isso nem com quem será o próximo presidente. Isso não muda a visão de longo prazo dos empresários. 

EXAME - Vocês aumentaram a posição em Braskem depois que a LyondellBasell desistiu de comprar a petroquímica e a Odebrecht pediu recuperação judicial. Por quê? 

O pessoal ficou com medo da Braskem por causa da recuperação judicial da Odebrecht,  mas não tem nada a ver. O máximo que pode acontecer é a Odebrecht perder essas ações depositadas em garantia e os bancos credores assumirem essa parcela e virarem acionistas. Isso não vai afetar a lucratividade da Braskem. Se quiser vender ou fechar o capital ela vai ter que oferecer um preço que os minoritários aceitam. 

EXAME - O Alaska Black cresceu muito com as ações do Magazine Luiza nos últimos anos. Agora com a compra da Netshoes, a expansão da empresa já não foi longe demais? 

A gente acredita que a aquisição dá um casamento muito bom, é uma categoria que o Magalu não tem e vai adicionar uma base de clientes nova. E tem algumas coisas de e-commerce para aprender com a Netshoes. O preço da ação simplesmente está acompanhando toda a geração de caixa da companhia. Até estranhamos que não estava subindo quase nada este ano. Achamos que o preço da ação vai continuar acompanhando os resultados, que vem vindo muito bem. Eu tenho dó de quem comprou a Netshoes no IPO por US$ 18. O Magalu vai pagar quase um sexto desse valor. 

EXAME - Quais ações vocês acompanham para comprar no futuro? 

Sempre olhamos para a Cielo, mas toda vez que a compra é adiada a gente agradece. Também ficamos de olho na BRF e Ultrapar como possíveis ações para investir algum dia. 

EXAME - A união entre BRF e Marfrig não parece uma boa oportunidade? 

Sim, mas toda aquisição no começo gera mais problemas do que benefício. Tem que fechar planta, mandar gente embora, readequar sistemas, um trabalho dos infernos. Por isso preferimos observar. 

EXAME - Depois de anos de forte rentabilidade, porque o Alaska está rendendo menos? 

Várias empresas da nossa carteira enfrentaram notícias bem negativas e a gente aproveitou para aumentar a posição nelas. Teve Brumadinho na Vale, a desistência de venda da Braskem que pesou, o anúncio de investimento da produtora de papel de celulose Klabin que a gente gostou muito e o mercado não gostou. A gente acha que a companhia tem que aproveitar para crescer mesmo. A Suzano, que começou num enfrentamento comercial mais pesado com a China, deixou de vender para manter preço, a gente acha uma estratégia acertada, mas o mercado só olha o curto prazo e nele a empresa vende menos. Teve umas quatro ou cinco empresas relevantes do fundo que o preço das ações caiu bem nesse começo de ano, mas está recuperando no ano. Se mantivermos metade do ritmo dos últimos quatro anos já está ótimo. A gente normalmente gosta de assuntos que pesam sobre as empresas. É a única chance que temos de acumular.

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