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Há 25 anos, a bolha da Internet estourava. Estamos próximos de uma reprise?

Estouro da IA lembra apostas há 25 anos em outra tecnologia revolucionária, a internet, que acabou no estouro de uma "bolha". Mas há muitas diferenças

Terminal mostra queda de ações nas Bolsas dos Estados Unidos (AFP)

Terminal mostra queda de ações nas Bolsas dos Estados Unidos (AFP)

Agência o Globo
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Publicado em 24 de março de 2025 às 09h05.

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Uma nova tecnologia revolucionária surge e encanta os investidores com suas possibilidades aparentemente ilimitadas. A euforia desencadeia uma alta no mercado de ações. Eventualmente, as coisas esquentam demais e os preços das ações se tornam ridículos. Então, tudo desmorona. Parece familiar?

Aconteceu exatamente há 25 anos, quando a bolha das pontocom de aproximadamente cinco anos estourou, deixando trilhões de dólares em perdas de investimento em seu rastro. Em 24 de março de 2000, o S&P 500 Index registrou um nível recorde que não veria novamente até 2007. Três dias depois, o Nasdaq 100 Index, de alta tecnologia, também fechou em uma alta histórica, a última vez que faria isso em mais de 15 anos.

Esses picos marcaram o fim de uma corrida estonteante que teve início com a oferta pública inicial da Netscape, pioneira da internet, que começou a ser negociada em agosto de 1995. Desde então até março de 2000, o S&P 500 quase triplicou, enquanto o Nasdaq 100 disparou 718%. E então tudo acabou. Em outubro de 2002, mais de 80% do valor do Nasdaq havia desaparecido, e o S&P 500 foi essencialmente cortado pela metade.

Ecos daquela era estão reverberando agora. A tecnologia desta vez é a inteligência artificial (IA). Após uma alta selvagem no mercado de ações que fez o S&P 500 disparar 72% de seu ponto mais baixo em outubro de 2022 para seu pico no mês passado, adicionando mais de US$ 22 trilhões em valor de mercado no processo, sinais de problemas estão surgindo.

As ações estão começando a afundar, com o Nasdaq 100 perdendo mais de 10% e o S&P 500 indo na mesma direção. E a simetria está trazendo memórias assustadoras de um quarto de século atrás.

"Os investidores têm duas emoções: medo e ganância", avalia Vinod Khosla, capitalista de risco bilionário e cofundador da Khosla Ventures, que foi um importante gerador de renda durante o boom da internet e continua sendo hoje. "Acho que passamos do medo para a ganância. Quando você tem ganância, você tem, eu diria, avaliações indiscriminadas."

Diferença de graus

A principal diferença entre as eras pontocom e IA, no entanto, são os graus. O boom mais recente tem sido impressionante, mas empalidece em comparação aos extremos da bolha da internet.

"A internet foi uma ideia tão grande, teve um impacto tão transformador na sociedade, nos negócios, no mundo, que aqueles que foram conservadores e jogaram pela segurança geralmente ficaram para trás", disse Steve Case, ex-presidente e CEO da AOL. "Isso leva a esse tipo de foco em investimentos massivos para garantir que você não fique para trás, alguns dos quais funcionarão, muitos dos quais não funcionarão."

Case sabe sobre investimentos em tecnologia que não dão certo, considerando que ele se tornou um rosto do boom das pontocom quando comprou a Time Warner em janeiro de 2000, bem no pico da bolha, enquanto o preço das ações da AOL estava voando alto.

Mas o negócio rapidamente azedou, pois a combinação que fazia sentido no papel não fazia na realidade, algo que o próprio Case reconheceu. As ações combinadas da AOL Time Warner despencaram conforme os lucros pioraram, e a associação foi finalmente desfeita em 2009. É esse tipo de coisa que preocupa Wall Street agora.

"Houve muito hype (empolgação, em tradução livre) em torno da internet, que se materializou bem antes de alguém ter um modelo de negócio para ganhar dinheiro com a internet", disse o economista do MIT e ganhador do Prêmio Nobel, Daron Acemoglu. "É por isso que você teve o boom da internet e a quebra da internet."

As empresas envolvidas no boom da IA também são muito diferentes das que dominaram a era das pontocom. A bolha da internet foi amplamente construída em empresas iniciantes não lucrativas, algumas das quais capitalizaram a mania acrescentando um “.com” aos seus nomes para que pudessem vender ações ao público.

Já a euforia em torno da IA está centrada em torno de um pequeno grupo de empresas de tecnologia que estão entre as corporações mais lucrativas e financeiramente estáveis do mundo, como Nvidia, Alphabet (Google), Apple, Meta (WhatsApp, Instagram e Facebook), Microsoft e Amazon.

Um exemplo é a quantidade de capital gerada pelos gigantes da tecnologia de hoje. Só neste ano, Alphabet, Amazon, Meta e Microsoft devem investir US$ 300 bilhões combinados em despesas de capital para desenvolver suas capacidades de IA, de acordo com estimativas de analistas compiladas pela Bloomberg. E, mesmo com todos esses gastos, ainda devem gerar US$ 234 bilhões em fluxo de caixa livre combinado. O boom das pontocom não teve nada disso.

"Você tinha um grande número de empresas no top 200 de capitalização de mercado que tinham uma negativa 'burn rate' (taxa de queima, uma medida de fluxo de caixa que indica a velocidade com que uma empresa gasta seu dinheiro)", disse o investidor bilionário Ken Fisher, presidente da Fisher Investments. "O que torna uma bolha uma bolha é a burn rate negativa. As empresas em 2000 eram simplesmente aceitas como boas, havia uma mentalidade de 'desta vez é diferente' por causa da internet."

As diferenças entre as empresas que impulsionam a euforia dificultam a comparação de avaliações de ações entre os dois períodos usando medidas tradicionais como índices preço/lucro. Em 1999, o Nasdaq Composite Index viu seu índice p/l atingir cerca de 90 vezes, com base em estimativas da época. Hoje, é cerca de 35.

Mas, na verdade, todo o conceito de avaliar preços de ações em índices preço/lucro parecia ultrapassado durante a bolha da internet porque muitas das empresas "mais quentes" simplesmente não eram lucrativas. Então Wall Street até inventou novas métricas, como “cliques do mouse” e “visualizações”.

"Lembro-me de corretores gastando tanto tempo em suas contas pessoais quanto nas de seus clientes", disse Anthony Saglimbene, estrategista-chefe de mercado da Ameriprise Financial. "Eles estavam ganhando tanto dinheiro com seus próprios investimentos quanto com seus salários."

Em março de 2000, pelo menos 13 empresas no Nasdaq 100 queimaram dinheiro em relação ao ano anterior — incluindo Amazon, XO, Dish, Ciena, Nextel, PeopleSoft e Inktomi.

"Foi uma apropriação de terras", disse Julie Wainwright, ex-CEO da Pets.com, a extinta loja de animais de estimação on-line famosa por seus comerciais com um fantoche de meia de cachorro. "Logo depois disso, acho que sete outras empresas de animais de estimação foram financiadas. Isso não fez sentido algum."

Decisão certa, hora errada

Com o tempo, uma confluência de fatores acabou com a bolha das pontocom. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) começou a aumentar as taxas de juros agressivamente. Enquanto isso, o Japão entrou em recessão. Com os mercados nas máximas históricas, os investidores ficaram céticos sobre ações que não tinham lucros.

"Eles estavam certos em serem otimistas sobre as perspectivas de negócios para a internet", disse Jim Grant, fundador do Grant's Interest Rate Observer. "Eles estavam certos em pagar, você sabe, 10 vezes as receitas da Sun Microsystems e perder algo como 95% do seu dinheiro? Não."

Para Grant, muitos dos gigantes corporativos de hoje foram construídos ou turbinados pelo boom da internet. E para cada um deles há dezenas de empresas como Uber ou ServiceNow que aproveitaram a tecnologia de novas maneiras.

"Aconteceu gradualmente, ou seja, a adoção da internet", disse Rob Arnott, fundador e presidente da Research Affiliates. "Os seres humanos são criaturas de hábitos, e a adoção da internet para a maioria de nós foi gradual. Hoje, usamos a internet para tudo. Em 2000, isso não era tão verdade."

Mas isso não torna a eliminação de aproximadamente US$ 5 trilhões das pontocom menos dolorosa. A internet acabou sendo o investimento certo — na hora errada.

Sonhos de IA

O risco para os investidores hoje é que o cenário pode estar se repetindo. A IA inspira sonhos de assistentes pessoais computadorizados entrelaçados em todas as facetas de nossas vidas: transporte, educação, saúde, entretenimento, tarefas.

E tudo isso pode acabar sendo verdade. Mas, quando se trata de bolhas impulsionadas pela tecnologia, os verdadeiros vencedores raramente são revelados de imediato.

"Toda a inovação veio de empresas muito pequenas. Isso ainda pode estar acontecendo", afirmou Julie Wainwright.

O surgimento do DeepSeek, chatbot chinês, expôs esse risco recentemente. A revelação derrubou US$ 589 bilhões em valor da Nvidia, ao acender temores de que modelos mais baratos prejudiquem a demanda por seus chips. Foi um lembrete claro: o domínio da IA ainda está longe de garantido.

"Eu vi quase todas as fases da tecnologia mudarem desde 1980", disse Vinod Khosla. "E não consigo ver uma mudança maior no passado do que a IA."

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