O banco Standard Chartered é investigado nos EUA sob a acusação de lavagem de dinheiro (AFP)
Da Redação
Publicado em 8 de agosto de 2012 às 06h12.
São Paulo – “Vocês americanos de m... Quem são vocês para nos dizer, dizer ao resto do mundo, que nós não vamos negociar com os iranianos”. A frase em tom bastante nervoso foi revelada como parte de uma investigação que arranhou a imagem de um dos últimos grandes bancos internacionais que ainda mantinha a reputação ilesa.
Chegou a hora do britânico Standard Chartered se unir aos mal falados Barclays e Royal Bank of Scotland, que protagonizaram o escândalo da manipulação da taxa interbancária – a Libor – e ao HSBC, acusado de ser leniente com o dinheiro procedente do tráfico de drogas e terrorismo.
A bomba explodiu nesta semana após a filial nova-iorquina do segundo maior banco britânico em valor de mercado ser acusada pelo Departamento de Serviços Financeiros (DFS, na sigla em inglês) de Nova York de violar a legislação que combate a lavagem de dinheiro dos Estados Unidos e de esconder 250 bilhões de dólares em transações feitas com bancos iranianos, que são proibidas pelo governo americano desde 1979.
Com a credibilidade afetada, a reação dos investidores na bolsa foi instantânea. Os papéis tiveram a maior queda diária em 24 anos. A possibilidade de o banco ser proibido de operar nos EUA alarmou os acionistas. No fechamento da bolsa de Londres, as ações eram negociadas com uma expressiva desvalorização de 16,43%. O banco tem 1.700 escritórios espalhados por 70 países.
Como aconteceu?
Como forma de proteção, o governo dos EUA, por meio do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC, na sigla em inglês), administra e faz cumprir a sanções contra aqueles que tentam usar o sistema financeiro americano em violação da política externa do país e que podem representar uma ameaça à segurança nacional. O OFAC impõe essas sanções, em um esforço para evitar que dólares americanos sejam usados para financiar organizações terroristas, proliferadores de armas de destruição em massa e traficantes de drogas.
O DFS enviou um documento ao banco explicando as violações dos quais é acusado, que incluem falsificação de registros, falha na manutenção de livros e registros precisos, falha ao relatar ao órgão regulador problemas de conduta e evasão de sanções federais. O documento aponta detalhes das acusações contra o banco britânico e também as provas e, entre elas, embaraçosas troca de e-mails entre funcionários das unidades americana e inglesa do banco.
A instituição financeira teria negociado por quase dez anos com o governo do Irã e realizado cerca de 60 mil operações secretas, envolvendo pelo menos 250 bilhões de dólares. “As ações do Standard Chartered deixaram o sistema financeiro americano vulnerável a terroristas, traficantes de armas, chefões do tráfico e regimes corruptos”, diz o documento assinado por Benjamin M. Lawsky, superintendente de Serviços Financeiros.
Para escapar da regulação, o banco escondia a identidade dos clientes iranianos. Um dos documentos revelados pelo DFS apresenta um manual de operações intitulado “Qualidade operacional dos procedimentos com bancos iranianos”, dirigido aos funcionários do banco em Londres. O manual fornece instruções passo-a-passo para todas as mensagens de pagamentos que poderiam identificar os clientes iranianos.
Ganância
Uma troca de e-mails mostra que até mesmo a filial americana estava preocupada com a quantidade de operações ilegais. Em outubro de 2006, o CEO para as Américas enviou uma mensagem ao diretor executivo do grupo em Londres: “Primeiro, nós acreditamos que os negócios iranianos precisam ser revistos no nível empresarial para avaliar se seus ganhos e benefícios estratégicos são ainda compatíveis com o potencial de causar danos catastróficos para a reputação do grupo”, escreveu.
Para não deixar nenhuma dúvida sobre a posição do banco, a resposta da matriz foi sucinta e objetiva: “Vocês americanos de m.... Quem são vocês para nos dizer, dizer ao resto do mundo, que nós não vamos negociar com os iranianos”. A estratégia pelo jeito deu bastante errada.
A investigação, contudo, mostra que as intenções negociar com o Irã vinham desde 1995, quando o presidente Bill Clinton emitiu duas ordens executivas anunciando as sanções econômicas americanas contra o Irã. Sabendo do fato, o conselho geral do banco emitiu um memorando interno com um plano para seguir com as operações.
“Se a unidade londrina ignorar as regulamentações do OFAC e a unidade americana não for envolvida e nem souber das atividades da unidade londrina, não se poderá dizer que a unidade americana está em posição de controlar a londrina. Assim, se o OFAC descobrir a violação, nada pode ser feito contra Standard Chartered Londres, ou, mais importante ainda, contra o Standard Chartered Nova York”. O memorando altamente confidencial com o plano ainda continha a instrução: “não deve ser enviado aos EUA”.