Fernando Siqueira, head de research da Guide Investimentos (Exame/youtube/Reprodução)
Repórter
Publicado em 4 de julho de 2024 às 13h44.
Última atualização em 4 de julho de 2024 às 14h03.
Nada tem mexido mais com os preços do mercado brasileiro do que as sinalizações do governo. Discursos mais agressivos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra o mercado e a independência do Banco Central têm sido os principais causadores de volatilidade nas últimas semanas, com o dólar chegando a tocar a máxima em 30 meses, indo a R$ 5,70. Com a aproximação das eleições municipais, Lula tem concedido uma série de entrevistas a veículos regionais, nas quais voltou a criticar duramente o atual patamar da taxa de juros e o clamor de investidores por uma maior responsabilidade fiscal. Ele afirmou que deseja fazer o ajuste fiscal sobre a rentabilidade dos bancos e declarou que "quem quer o BC autônomo é o mercado".
A independência do Banco Central foi definida durante o governo de Jair Bolsonaro, com mandatos descasados do Executivo. Pelo regime atual, o presidente Roberto Campos Neto permanecerá até o fim de 2024. A partir do próximo presidente do BC, indicado por Lula, o mandato será de quatro anos. O próximo governo, portanto, não poderá substituí-lo durante dois anos. O mandato descasado foi elogiado pelo mercado por garantir maior independência ao Banco Central. Porém, na avaliação de Fernando Siqueira, head de research da Guide Investimentos, ainda falta "maturidade política" para o Brasil ter um BC independente.
"Os ataques do Lula ao Banco Central não ajudam em nada. Parece que a autonomia do Banco Central foi um avanço, mas outras coisas não avançaram. Precisaríamos de mais maturidade política para isso ser bom. Ultimamente, o BC independente tem servido apenas de bode expiatório para o governo reclamar que tudo de errado que acontece é culpa do BC. Sabemos que não é verdade. Mas o governo faz esse discurso esperando que uma boa parte da população acredite. Até agora não temos visto benefícios do BC independente", afirma Fernando Siqueira em entrevista ao programa Vozes do Mercado, da Exame Invest.
Com mais de duas décadas de carreira, Siqueira teve passagens pelos bancos Bradesco, ABN e Citi, onde trabalhou por quase dez anos. Na área acadêmica, é doutor em Economia e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Para Siqueira, apesar das críticas do governo ao BC, não deverão haver grandes mudanças na condução da política monetária a partir do ano que vem, quando os indicados por Lula passarão a compor a maioria do Copom. Gabriel Galípolo, indicado ao colegiado no ano passado, é considerado o favorito para assumir a presidência do BC.
"As pessoas que estão no BC, não só Galípolo, não vão aceitar baixar o juro só porque o governo quer. Isso vai forçar a Fazenda, o BC e o próprio presidente a repensar a questão fiscal. Mas imagino que o governo continuará culpando o BC, dizendo que pegou uma 'herança maldita'. Só que isso deve convergir mais a opinião entre os atores, como acontecia antes. Em momentos difíceis, Campos Neto era chamado pelo Bolsonaro para opinar, o que acabava ajudando."
Na última decisão, o Copom manteve a Selic inalterada em 10,5%, interrompendo o ciclo de queda de juros iniciado no ano passado. Para Siqueira, o espaço para o BC voltar a cortar juros neste ano é muito reduzido. "Precisaria de uma sinalização bem mais clara de melhora no fiscal para o Banco Central começar a cortar juros. Pensando em como o BC se comunica, seriam necessárias pelo menos duas reuniões para sinalizar o que vai fazer. Então, é algo difícil para este ano."