Operadores conferem movimento de ações na Bolsa de Nova York (REUTERS/Brendan McDermid)
Da Redação
Publicado em 31 de agosto de 2014 às 10h21.
São Paulo - As bolsas americanas devem sofrer forte queda nos próximos cinco anos, revertendo a sobrevalorização impulsionada pela política monetária agressiva do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), que mantém os juros básicos reais em patamar negativo desde 2008, segundo estudo de dois economistas da consultoria suíça Wellershoff.
O movimento de refluxo na renda variável pode afetar também o mercado brasileiro, o terceiro mais sobrevalorizado entre os emergentes, de acordo com a análise.
As bolsas de Nova York devem recuar até 30% em algum momento dos próximos cinco anos, acreditam os autores do estudo, Joachim Klement e Oliver Dettmann. No Brasil o efeito deve ser menos intenso, já que a sobrevalorização é menor.
O estudo é um alerta para o mercado diante da situação atípica vivida pelas bolsas ao redor do mundo atualmente.
Apesar da crise financeira, cujas consequências ainda afetam as economias desenvolvidas, os fortes estímulos monetários do Fed e do Banco Central Europeu (BCE) têm favorecido o mercado de renda variável porque os retornos da renda fixa estão extremamente baixos.
O índice S&P 500, dos Estados Unidos, bateu recorde histórico nesta semana ao superar 2.000 pontos pela primeira vez, mesmo com a recuperação econômica do país ainda em nível moderado.
O índice, que avançou quase 200% desde a crise, ganhou os últimos 100 pontos em apenas 65 dias, o prazo mais rápido da história.
Com a expectativa de que o Fed - que já começou a reduzir os estímulos com cortes mensais de US$ 10 bilhões no programa de compra de ativos desde dezembro - comece um movimento de elevação da taxa básica de juros dos EUA em 2015, o ajuste nas bolsas pode vir em breve.
"A mudança na política de juros pode ser o gatilho para que os investidores questionem a atratividade das ações nos Estados Unidos", explicou o estrategista de investimento e autor do estudo Oliver Dettmann, em entrevista ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado.
Segundo ele, com a mudança dos fundamentos macroeconômicos, "os investidores deveriam começar a se concentrar no risco de desvalorização daqui para frente".
Brasil
Para o Brasil, os riscos são menores.
"Os níveis atuais não são exagerados em comparação com valores históricos", disse Dettmann. No entanto, ele alerta para as consequências de o mercado nacional ser muito dependente das commodities em um momento em que elas não devem repetir o boom visto na última década.
"O potencial de crescimento de mercados dependentes desses preços é debatível", acrescenta.
O economista da Fundação Getúlio Vargas Felippe Serigati concorda que a sobrevalorização do mercado brasileiro oferece menor risco. "Nossos mercados já vêm sendo corrigidos até por outras razões, como fatores políticos", disse.
De todo modo, Serigati explica que um ajuste será natural após o corte dos incentivos monetários.
"O intuito do afrouxamento monetário é justamente estimular a demanda, mas houve um descolamento dos fundamentos, então é razoável que haja correção."
As recentes quedas dos preços das commodities também contribuem para reduzir o risco brasileiro de uma forte desvalorização.
Para Serigati, os mercados mais vulneráveis no país seriam o de câmbio e o setor imobiliário. "A taxa de câmbio vai continuar se valorizando e os imóveis devem sentir o efeito, apesar de também já estarem em ajuste."
CAPE
Os economistas da Wellershoff calcularam a relação entre o retorno e o risco dos investimentos acionários, considerando o desempenho das bolsas até junho deste ano, em 38 países.
O estudo compara a Taxa de Retorno com Ajuste Cíclico (CAPE, na sigla em inglês) a um índice batizado por eles de Fair CAPE, que considera inflação, taxa de juros e crescimento econômico.
O descolamento entre os dois dá a medida de sobrevalorização das ações.
Utilizando o histórico de cotações, os autores identificaram que os ajustes acontecem em um prazo de até cinco anos quando os índices se descolam sem forte embasamento na economia real.
Nos EUA, essa diferença chega a 37,6%.
"Os níveis excedem significativamente os patamares que podem ser justificados pelas variáveis macroeconômicas", argumenta o estudo. Os valores de hoje nos EUA "são um alarme que os investidores devem levar em consideração para o futuro dos papéis".
No caso brasileiro, o descolamento do Ibovespa - que ultrapassou os 60 mil pontos nesta quarta-feira, maior patamar desde fevereiro de 2013 - é de 20,3%.
A diferença é a terceira maior entre os 13 mercados emergentes analisados pela consultoria suíça. Apenas a África do Sul (36,2%) e a Tailândia (24,4%) aparecem com distância maior entre as avaliações.
Os analistas não arriscam uma previsão sobre o tamanho da desvalorização que o Ibovespa pode sofrer, pois, segundo eles, faltam dados suficientes para elaborar uma estatística consistente.
O índice brasileiro só teve a sobrevalorização atual uma vez na história, no primeiro semestre de 2005.
Cinco anos depois, a queda acumulada foi de 11%, mas nesse intervalo a amostra foi comprometida pela crise financeira global que começou em 2008.