Atualmente, Barsi colhe os frutos de uma estratégia que ele mesmo desenvolveu, baseada em duas premissas: disciplina e paciência (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 18 de setembro de 2014 às 16h25.
São Paulo – Quase que diariamente, por volta das 11 horas da manhã, Luiz Barsi Filho chega de metrô ao seu escritório, no tumultuado centro de São Paulo. Por lá, ele fica até às 14 horas - tempo suficiente para acompanhar o que acontece na Bovespa – e vai para casa. Na volta, Barsi se perde no meio da multidão do centro da cidade, vestindo suas roupas simples, jornal embaixo do braço e cumprimentando os muitos conhecidos do centrão. Eis a vida de um legítimo bilionário.
A história de Barsi poderia facilmente conduzir um livro de educação financeira, ou até mesmo de autoajuda. EXAME.com conversou com o aposentado de 74 anos que começou sua carreira como engraxate, se formou em economia e direito e que, atualmente, é um dos maiores investidores pessoa física da Bovespa.
Com mais de 1 bilhão de reais na Bolsa, Barsi deixou de precisar trabalhar desde que tinha 50 anos. Atualmente, ele colhe os frutos (ou dividendos) de uma estratégia que ele mesmo desenvolveu, baseada em duas premissas: disciplina e paciência. Confira a entrevista:
EXAME.com - Como você começou a ganhar dinheiro na Bolsa de valores?
Barsi - Eu tinha um amigo insistente que sempre me dizia: “Barsi, você precisa fazer um plano de previdência privada”. Eu tinha apenas 20 anos. Nesta época, já me interessava pela Bolsa e comecei um trabalho com carteira de ações. Comprei ações durante 30 anos. Mas, no fundo, acho que elaborei aquele trabalho de avaliação de ações para convencer esse meu amigo chato de que a previdência da qual ele tanto falava era um grande mico. Além disso, elaborei a estratégia para me defender no futuro. Em 1970, o camarada se aposentava como um executivo e, 10 anos depois, já estava vivendo como um indigente. Hoje em dia, as pessoas já se aposentam como indigentes. É uma vergonha.
EXAME.com - Como era este estudo sobre ações?
Barsi - Chamava-se Ações Garantem o Futuro. Eu fiz uma avaliação criteriosa como poucos analistas fazem. Eu peguei todos os setores e fui avaliando a perenidade de cada um deles. Fui tirando minhas conclusões. Cheguei à conclusão de que havia alguns setores que tinham boas condições de perenidade, como: alimentos, saneamento, energia, mineração e siderurgia. Celulose era interessante também. Após elencar os setores que eu considerava mais promissores, eu listei todas as empresas de capital aberto que pertenciam a eles. Nesta época eu já tinha algumas ações, mas não tinha este conceito de garimpagem ainda.
EXAME.com - E como esse conceito surgiu?
Barsi - Quando entramos na Bolsa, ouvimos muito a tal frase: “O negócio é comprar na baixa e vender na alta”. É a maior bobagem! Esses poetas do mercado se esquecem de dizer que é extremamente difícil colocar essa teoria em prática. Não dá pra depender disso para se ganhar dinheiro na Bolsa. Percebi também que, ao ficar operando apenas papéis, eu só estava gerando lucro para a Bovespa e para a corretora. Eu era um mero patrocinador da Bovespa, e não dos meus recursos. Eu precisava fazer o dinheiro trabalhar pra mim, entende?
EXAME.com - E, na prática, como se deu essa mudança?
Barsi - Eu fiz a tal lista dos setores e fui priorizando o resultado obtido por cada empresa. Eu cheguei à melhor empresa. Era uma companhia chamada Anderson Clayton, de capital externo. A ação custava 50 e poucos centavos e pagava um dividendo de 12 centavos. Foi aí que comecei a perceber que comprando as ações todos os meses, com o que me sobrava de dinheiro do meu salário de auditor, eu teria uma aposentadoria interessante. Conversando com o então vice-presidente da Anderson Clayton, falei sobre meu objetivo. Ele arregalou os olhos e disse: “Barsi, a Anderson Clayton é uma ótima empresa, mas você por acaso sabe quem preside ela? São duas velhinhas de 80 anos, meu caro. Eu não sei quanto tempo elas vão resistir aos assédios de outras empresas que querem comprar a companhia. Eu acho problemático você comprar papéis para um período de 30 anos”. Com isso, pulei pra próxima da minha lista: uma empresa chamada CESP.
EXAME.com – E então?
Barsi - A minha primeira meta era ter 100 mil ações da CESP. É importante estabelecer metas. Quando eu cheguei a ter 1 milhão de ações da CESP eu percebi que já tinha uma aposentadoria gorda. A CESP tinha um valor nominal de 1 e custava 60 centavos na Bolsa. Mas o principal elemento que eu considerava era o dividendo. A CESP pagava muito bem. Tinha ainda uma bonificação anual. Por exemplo, se você comprasse 10.000 ações, no ano seguinte, você ganhava 10% de bonificação, ou seja, 1.000 ações de presente. Eu sempre reinvestia essa bonificação e, com isso, a estratégia que eu havia montado se auto alimentava. Sempre fui cumprindo metas. Eu não me importo com o patrimônio que tenho em ações, mas sim com os meus dividendos. Tenho dois critérios importantes para investir: disciplina e paciência.
EXAME.com - O que você tem atualmente no portfólio?
Barsi - Tenho bastante Ultrapar, sou o maior acionista pessoa física do Banco do Brasil, tenho Klabin, 13,5% da Eternit. Tenho ainda 10,5% das ordinárias e 10% preferenciais da Unipar Carbocloro, que são papéis que já custaram 4 reais e, hoje em dia, valem centavos, mas acredito que vão retomar. Tenho Suzano e Eletropaulo também.
EXAME.com - O que está barato na Bovespa atualmente?
Barsi - Unipar Carbocloro está de graça. Sabesp, Suzano, Eletrobras (preferencial), Cemig e Aes Tietê. Tudo isso está barato.
EXAME.com - Ações de blue chips, como Petrobras e Vale, não atraem você?
Barsi – De jeito nenhum. A maioria dos meus amigos me pergunta por que eu não tenho ações da Petrobras e eu respondo: “Eu invisto em petróleo sim, mas não em Petrobras. Tenho ações da Ypiranga”. E quando eles me perguntam o motivo, eu explico a eles que a Petrobras poderia funcionar com 20 mil funcionários, mas funciona com absurdos 200 mil. A Ypiranga deveria funcionar com 20 mil e tem 5 mil. Eu observo muito as filosofias das companhias. Não tenho nada com estas gigantes do mercado. Eu também tenho algumas regras estabelecidas na minha cabeça. Por exemplo, toda empresa de aviação nasce pra quebrar, toda empresa de turismo nasce para quebrar, toda empresa que vende eletrodomésticos a prazo nasce pra quebrar. Tenho parente que quebrou com ações da GOL, fazendo burradas com operações a termo. Em operações como essa, você até pode se arriscar, mas faça isso dentro de certos limites e com papéis que não sejam lixos.
EXAME.com - Você opera com termo ou opções?
Barsi - De jeito nenhum. Não compro vento.
EXAME.com - Você prega muito a disciplina ao investir. Como é essa disciplina na prática?
Barsi - Nunca compre ações com o dinheiro que você poderá precisar em breve. Use aquele dinheiro que sobrou e que não terá um destino. Examine bem os fundamentos da empresa e conheça-a bem. Veja o histórico de dividendos, sua saúde financeira, a perspectiva daquele setor, o comprometimento do gestor. Seja chato. Veja quanto a empresa vale em relação ao que ela tem. Poxa, se tem uma empresa que está valendo 1 real e seu patrimônio é de 2 reais, compre logo, caramba! O mercado é muito traiçoeiro. Tenho um amigo que, por sete anos, ganhou muito dinheiro com ações e começou a gastar demais. Foi uma festa só. Comprou um Audi, uma casa em condomínio na praia, além de outros luxos. Bastou uma queda mais forte do mercado para ele voltar ao zero e vender seus luxos pra honrar suas dívidas. Nunca venda ações por necessidade. Com disciplina e paciência é impossível perder dinheiro com ações. Outra regra importante é: nunca comprar uma dica.
EXAME.com - Já comprou alguma dica?
Barsi - Sim, num IPO. Eu, com outros gestores, entramos na abertura de capital da Renar Maçãs. Eu não conhecia nada sobre maçãs. Peguei meu carro e fui até o circuito da maçã, na região das serras gaúchas. Entrei na operação, comprei as ações e quebrei a cara. Assisti a um grande prejuízo devido à má gestão. A terra daquela região se valorizou muito, já as ações despencaram. Atualmente, o papel vale centavos. Foi um grande aprendizado. Aliás, hoje estou fora de qualquer IPO.
EXAME.com - Por quê?
Barsi - Acho um absurdo como algumas operações acontecem aqui no Brasil. Já vi IPOs de construtoras nos quais o dinheiro não foi para o caixa da empresa, e sim, para o empresário. Os responsáveis por regular o mercado deveriam ser mais atentos a isso. IPO tem de capitalizar a empresa, não o empresário ou fundo envolvido. Estou fora de qualquer IPO.
EXAME.com - Como investidor, como você se comportou durante a última grande crise, quando o Ibovespa foi abaixo de 30 mil pontos?
Barsi - Perdi bons milhões nesta época, mas apenas do patrimônio investido e, como lhe disse, isso não me importa. Mais cedo ou mais tarde as ações sobem novamente, nem me preocupo com isso. Crises econômicas são fantásticas para se ganhar dinheiro. Eu torço para que sempre existam crises na Bolsa, como aquela de 2008. Naquela época eu comprei bastante Banco do Brasil (a 11 reais) e Klabin (a 2,50 reais). Dá uma olhada no preço destas ações atualmente.
EXAME.com - Só investe no médio ou longo prazo?
Barsi - Não. Isso seria entediante. Tenho 47 anos de mercado e sei quando um papel está barato ou caro demais. Quando está barato, vou lá e compro. Eu tenho um certo capital para “brincar” na Bolsa.
EXAME.com - Pode dar um exemplo de alguma operação recente?
Barsi - Olhe, eu comprei 100 mil ações da Oi no dia 7 de outubro, investindo algo em torno de 355 mil reais. No dia 11, eu vendi todas por 404 mil reais. Quase 50 mil reais de lucro. No dia 8 do outubro, comprei 26 mil ações da Sabesp, pagando 567 mil reais. Vendi no dia 15, resgatando 590 mil reais. Tem algum investimento melhor do que bolsa de valores?
EXAME.com - O que você acha da análise técnica de ações?
Barsi - Gráfico é futurologia; adivinhação. Eu não acredito. Você conhece algum analista rico?
EXAME.com - Nem na análise fundamentalista?
Barsi - O analista fundamentalista é um “Yes man”. Ele nunca vai falar pra você a realidade que eles gostaria de falar. Ele diz coisa baseadas em interesses. Vamos voltar uns 3 anos no tempo e lembrar dos analistas recomendando com a maior convicção do mundo as ações do Grupo EBX. Todos os grandes recomendaram – e todos os pequenos também. Pergunte se eu comprei. Claro que não. Me lembro de um relatório do Banco do Brasil recomendando a compra de OGX a 32 reais. Isso é uma baita irresponsabilidade.
EXAME.com - Aliás, já comprou alguma ação do Grupo EBX?
Barsi - Disso, eu não quero nem ouvir falar. Nunca comprei e nunca recomendei. Isso é fantasia. Eu compro perspectiva de resultados. Eike Batista para mim é uma grande fantasia, assim como outros por aí. Estes papéis são pura especulação. Quem entra na Bovespa para especular, nunca ficará rico. Já lhe disse: eu não compro vento.