Três maiores estatais do país passaram por troca no comando após desentendimentos com o governo federal (Marcos Corrêa/PR/Flickr)
Beatriz Quesada
Publicado em 25 de março de 2021 às 12h29.
Última atualização em 25 de março de 2021 às 12h37.
Contrariando o processo de escolha independente, o governo indicou, no noite desta quarta-feira, 24, Rodrigo Limp Nascimento para ocupar o cargo de presidente da Eletrobras (ELET3; ELET6). A companhia estava em busca de um substituto para Wilson Ferreira Junior, que pediu demissão do cargo no final de janeiro após os prometidos planos de privatização não terem saído do papel.
Limp é secretário de energia elétrica do Ministério de Minas e Energia e foi diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) entre maio de 2018 e março de 2020. O nome com experiência no setor público e formação acadêmica no setor elétrico agradou o mercado, e as ações da companhia avançavam cerca de 4% por volta de 12h30 nesta quinta-feira.
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No entanto, ao contrário do que havia sido anunciado anteriormente pela empresa, o novo presidente não foi selecionado pela assessoria Korn&Ferry, contratada para indicar um nome para o cargo. A decisão coube à União, acionista controlador da estatal.
“Limp tem um histórico de atuação no setor de energia, tem um currículo na área. Mas a decisão cria ruído porque tinham nomes independentes na mesa e o governo escolheu alguém de fora da lista”, afirmou Bruno Lima, head de renda variável da Exame Invest Pro, na live Abertura de Mercado nesta manhã de quinta-feira (veja o programa).
Ao passar por cima do critério de independência para a escolha do novo CEO, a empresa comprou briga com Mauro Gentile Rodrigues Cunha, conselheiro indicado pelos minoritários. Cunha renunciou ao cargo dizendo que a decisão representava uma “quebra irremediável de confiança no processo de governança do conselho da companhia”.
Baixas também na Petrobras (PETR3; PETR4). Quatro membros da diretoria da petroleira, incluindo a diretora financeira, Andrea Almeida, informaram na noite de ontem ao conselho da empresa que não têm interesse em renovar seus mandatos para um novo período, após a saída de Roberto Castello Branco da presidência da empresa.
Neste caso a decisão não teve boa repercussão, e as ações da Petrobras recuavam quase 1% nesta quinta-feira, prejudicadas também pelo recuo do preço do barril de petróleo.
A Petrobras, a propósito, não está ajustando seus preços de acordo com o mercado internacional desde a mudança no comando. Ontem, a companhia anunciou redução no preço da gasolina e do diesel nas refinarias -- segunda redução após a saída de Castello Branco. Sob a gestão anterior, o preço dos combustíveis havia subido seis vezes no ano para acompanhar a alta da commodity no mundo.
Os constantes reajustes irritaram o presidente Jair Bolsonaro, que demitiu Castello Branco em fevereiro. Isso acarretou a saída de quatro conselheiros da petroleira, que agora são seguidos por mais quatro membros da diretoria. Para o cargo, foi indicado o general Joaquim Silva e Luna, aprovado pelo comitê interno da empresa na última semana.
A história se repete no Banco do Brasil (BBSA3), a última entre as três estatais a perder seu presidente. Na última quinta-feira, o então CEO André Brandão comunicou sua renúncia. O executivo estava sob pressão de Bolsonaro desde o início do ano, depois de anunciar um plano de reestruturação que envolvia fechamento de agências e demissão voluntária de funcionários.
A saída já era esperada, e o impacto no mercado foi pequeno – as ações do BB subiram 0,85% no pregão após o anúncio. Um ponto que contou favoravelmente foi a indicação de Fausto Ribeiro para o cargo, mudança que colocou um funcionário de carreira no lugar do que poderia ter sido uma indicação puramente política. Ainda assim, não deixa de ser um sinal preocupante para os investidores.
“Brandão vinha fazendo um trabalho super importante de corte de custos visando a realidade do banco de forma estrutural. Depois desse evento, Banco do Brasil vai ficar esquecido pelo mercado apesar do valuation descontado. O foco serão os bancos privados”, opina Lima.
Existem, ainda, temores de que Ribeiro troque parte da diretoria do banco, incluindo nomes insatisfeitos com sua nomeação. O novo presidente deve fazer indicações políticas para os cargos, segundo informações do jornal O Globo, que também aponta uma possível troca de conselheiros.
“Com as estatais, o ponto principal de atenção do mercado é o ruído político, e não o desempenho da companhia e da indústria. É impossível cravar o que vai acontecer e antecipar movimentos”, argumenta Henrique Esteter, analista da Guide Investimentos.
Saiba o que pensam os analistas para o futuro das três estatais:
O banco BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da EXAME) se baseou nos resultados do último trimestre de 2020 para recomendar a compra do papel preferencial (ELET6), com preço-alvo de 63 reais – a ação fechou o último pregão negociada a 33,15 reais (ELET6) e 32,29 (ELET3). O motivo para a compra seria o resultado do Ebitda, que ficou acima das expectativas quando ajustado por itens não recorrentes.
Após a indicação de Limp, o Goldman Sachs reiterou a classificação de compra das ações, com um preço alvo de 47 reais para as ações ordinárias (ELET3) e 52 reais para as preferenciais (ELET6). Os analistas destacaram em relatório que a experiência de Limp como conselheiro na Câmara dos Deputados "poderia facilitar a comunicação entre governo, congresso e Eletrobras, principalmente no momento em que há uma potencial capitalização em andamento".
Já o Credit Suisse destacou em relatório as incertezas em relação à MP para privatização da empresa. “Lembramos aos investidores que o governo já enfrentou dificuldades com a privatização e, consequentemente, acreditamos ser importante ter uma visão mais clara da opinião do Congresso sobre esta nova MP”. A recomendação do banco é neutra, com preço-alvo de 32 reais para as ações preferenciais (ELET6).
Vale lembrar que as recomendações do BTG Pactual e do Credit Suisse foram divulgadas antes do anúncio do novo presidente para o cargo.
Esteter, da Guide, aponta ainda que existem outras boas opções de papéis no setor elétrico, como Taesa (TAEE11), Engie (EGIE3) e Equatorial (EQTL3). “Pode ser um momento para compra da Eletrobras, mas não recomendaria grandes posições na empresa”, completa.
Após a saída de Brandão do comando do BB, o Goldman Sachs prevê incertezas em relação ao papel, mas mantém a recomendação de compra com um preço alvo de 48 reais – o papel encerrou o último pregão cotado a 29,14 reais.
Os analistas baseiam a indicação no desconto que as ações do Banco do Brasil apresentam em relação a seus fundamentos. Segundo o Goldman, o papel é negociado a um múltiplo preço/lucro de 4,8x – bem abaixo do múltiplo de 7,6x estimado pelo banco.
O Credit Suisse foi mais duro em sua avaliação, e rebaixou a recomendação de compra para neutra, cortando o preço-alvo da ação de 46 reais para 38 reais.
Para Stefano Spinelli, analista da RB Investimentos, é difícil apontar se o papel está caro ou barato no patamar atual. “A ação já caiu bastante, mas pode cair mais. A negociação sempre será com desconto por ser estatal – mesmo com bons resultados, a volatilidade é mais alta do que a de concorrentes privados”, diz.
No início do mês de março, quando as intervenções políticas na Petrobras estavam em seu auge com a saída de conselheiros, o Credit Suisse divulgou um relatório recomendando a venda dos ADRs da petroleira, ao preço-alvo de 8 dólares (frente a uma negociação anterior de 7,74 dólares).
Já o Goldman Sachs recomendou, em relatório divulgado nesta quinta-feira, a compra das ações, a um preço alvo de 41,1 reais para as ações ordinárias (PETR3) e 37,3 reais para as preferenciais (PETR4) dólares – os papéis foram negociados no último pregão a 22,53 reais e 22,82 reais, respectivamente.
Os analistas, no entanto, reforçam que a tese de investimento ficou mais arriscada. "O risco para este caso base aumentou significativamente ao longo do mês passado, como resultado das preocupações expressas do governo federal sobre a política de preços de combustíveis da Petrobras que permite à empresa se beneficiar dos preços mais elevados do petróleo. Nós acreditamos que a incerteza pode continuar até que o novo CEO tome posse (em abril) e compartilhe suas opiniões sobre a política de preços, entre outros temas", destacam.
Outras intervenções daqui para frente podem colocar a Petrobras em posição de desvantagem mundial. “O petróleo pode ser beneficiado pelo aumento na demanda com a recuperação da economia americana, mas a Petrobras, como estatal, fica para trás nessa corrida em relação às concorrentes de dentro e de fora do Brasil", afirma Spinelli.