Felipe Miranda: ensinamentos sobre os conceitos fundamentais do mercado financeiro (Divulgação/Divulgação)
Denyse Godoy
Publicado em 1 de novembro de 2020 às 11h48.
Última atualização em 1 de novembro de 2020 às 13h00.
Durante cinco anos, já uma repórter experiente, trabalhei em uma agência internacional de notícias cobrindo a bolsa de valores brasileira. Nesse tempo, fui acumulando uma grande frustração. Entrevistava economistas famosos, conversava com os gestores de investimentos mais inteligentes e habilidosos, porém tinha a sensação de que algo me escapava quando tentava narrar os movimentos do mercado para os leitores. Não conseguia entender por que as teses geniais e lógicas desses renomados especialistas muitas vezes não se materializavam – ou eram demolidas sem dó pelos acontecimentos.
Como quando a tradicional reportagem de final de trimestre contabilizando matematicamente os erros e acertos nas projeções dos analistas para o preço das ações brasileiras apontou que o pior entre todos tinha sido um premiado chefe de departamento de um grande banco. O assessor de imprensa da instituição pegou um avião e foi aos Estados Unidos pedir ao editor-chefe mundial que a matéria fosse retirada do ar porque "não era justa": a especialidade do analista em questão eram as empresas de energia elétrica, e, exatamente naquele período (era 2012), a então presidente Dilma Rousseff mudou as regras do setor para reduzir a conta do cliente, fazendo as companhias perder 40 bilhões de reais em valor de mercado em quatro meses. Um evento totalmente inesperado e impossível de antecipar.
Opa. Não é justamente da natureza do negócio essa imprevisibilidade? É. Só que a maioria de nós ignora as limitações psicológicas que todos temos para encarar eventos complexos, raros e aleatórios. Especificamente no que diz respeito aos investimentos financeiros, também nos enganamos ao acreditar haver muito mais racionalidade e sentido nas decisões de cada participante do mercado de capitais do que na verdade existe.
O mundo é complicado. Na primeira parte do livro “Princípios do estrategista – o bom investidor e o caminho para a riqueza”, que está sendo lançado neste mês, os autores Felipe Miranda e Ricardo Mioto repetem essa conclusão resignadamente. Mas, diante de uma série de exemplos com pesquisas científicas na área da economia, anedotas da vida real do mercado financeiro e discussões filosóficas, o leitor acaba admitindo, com um misto de alívio e assombro, que só sabe que nada sabe. E, na verdade, nem disso pode estar muito certo – esse adendo seria a contribuição do filósofo grego Sextus Empiricus no aprimoramento do paradoxo socrático, segundo a opinião de Miranda e Mioto, respectivamente estrategista-chefe e diretor de comunicação da casa de análise de investimentos... Empiricus.
O filósofo é o grande herói dos autores, que acreditam que dar certo como investidor envolve um contínuo exercício de humildade. Não é um problema não saber, dizem – problema é ignorar a própria ignorância a respeito dos mercados e das aplicações financeiras e se achar mais esperto do que o resto do mundo, querer ganhar enquanto outros perdem. Esse é basicamente o jogo do day trade, a compra e venda de papeis em um mesmo pregão para tentar lucrar com as diferenças de preços decorrentes da disparidade de visões e estratégia dos investidores. No entanto, Miranda e Mioto vêem as ações negociadas na bolsa de valores e outros ativos financeiros como os tijolos da construção, no longo prazo, de um patrimônio com propósito.
Essas considerações são especialmente importantes neste 2020, quando 1,4 milhão de novos investidores chegaram à B3. Há décadas os profissionais do mercado esperam por este momento em que os brasileiros finalmente compreenderam que as ações devem fazer parte da sua poupança para o futuro. Tal movimento só tem sido possível graças a uma mudança estrutural no país causada pela redução da taxa básica de juros Selic ao menor patamar da história, como lembra, no prefácio da obra, André Esteves, um dos sócios do banco de investimentos BTG Pactual e da EXAME. Daqui em diante, o Brasil passa a viver o que ele chama de financial deepening, um notável desenvolvimento do mercado de capitais que leva ao surgimento de novas classes de ativos e de uma infinidade de serviços para ajudar o novato a navegar por esses novos mares. Assim como Miranda e Mioto, Esteves acredita que investidores de todos os portes podem ter carteiras de investimentos de alto nível se devidamente orientados. No grande esforço de educação financeira que os participantes do mercado – a própria bolsa, as corretoras, os bancos, as casas de análise de ações como a Empiricus e a EXAME Research – têm feito para aproximar as aplicações financeiras dos investidores individuais, o livro, diz Esteves, apresenta-se como uma ferramenta valiosa.
Na obra, Miranda conta um pouco de como a sorte ajudou a Empiricus, criada em 2009 pelo economista e os sócios Caio Mesquita e Rodolfo Amstalden, a se tornar uma referência. A primeira sede da empresa foi uma casa emprestada e repleta de goteiras. Estava às vias de quebrar quando a americana Agora Investments, maior casa de análise de investimentos do mundo, quis comprar uma fatia da Empiricus para entrar no mercado brasileiro. Miranda ainda lembra que, desafiando a fortuna de encontrar um salvador quando mais precisavam, ele e os sócios insistiram para receber um valor mais alto do que a Agora tinha oferecido. No caminho até chegar aos 350 mil assinantes de hoje, a Empiricus se envolveu em polêmicas com as suas agressivas ações de marketing (lembra da Bettina?) e brigou com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por não aceitar ser regulada pela autarquia. No início deste ano, porém, fez um acordo com a CVM, aceitando ser supervisionada. Deu início a uma nova fase em outubro, ao comprar a plataforma de investimentos Vítreo para oferecer ao cliente a possibilidade de fazer as aplicações recomendadas na mesma empresa.
"Princípios do Estrategista" é, então, fruto de todo o aprendizado dessa jornada. A obra traz reflexões, conceitos sofisticados e insights que desafiam o senso comum em uma linguagem acessível e recheada de comentários espirituosos. A maior inspiração, como transparece em muitas passagens, é o matemático e ensaísta líbano-americano Nassim Nicholas Taleb, autor do já clássico “A lógica do cisne negro: o impacto do altamente improvável”. (No final do livro, há uma lista das referências e de dicas de leitura dos autores citados muito útil para quem quiser se aprofundar. Inclui Guimarães Rosa.) Ao percorrer as páginas, os conhecedores do mercado financeiro vão rapidamente sacar quem são os personagens não-nomeados das anedotas, que ganham, dos autores, leituras diferentes das cristalizadas ao longo do tempo. Os novatos, por sua vez, devem apreciar o exemplo realista de situações que, se estivessem na ficção, não pareceriam verossímeis.
Todo esse esforço tem como objetivo desmistificar o mercado financeiro para que o investidor entre nas aplicações com expectativas realistas e metas alcançáveis, entendendo os seus limites, os limites dos demais participantes e o peso do imponderável nos eventos econômicos.
Na segunda parte do livro, Miranda e Mioto explicam conceitos financeiros básicos – sempre recheados de citações e referências que deixam a leitura de um assunto árido interessante e agradável – para quem quer ser um bom investidor. Falam da importância de cultivar a paciência, esclarecem o que é e como funciona uma empresa, ensinam a estimar o valor presente e futuro de uma companhia, explicam como a assimetria do retorno das ações pode favorecer ou prejudicar um investimento, e orientam sobre maneiras de se proteger um pouco dos eventos inesperados.
Na terceira e última parte, discorrem sobre como construir uma carteira diversificada de ações e, novamente, recomendam que o investidor deixe de lado o ego se quiser ter sucesso. O título de um dos capítulos é: "Quanta verdade você tolera?" (esta é a deixa para eu terminar a história que contei no início deste artigo: não, a agência de notícias não mudou uma vírgula naquela reportagem).
Em relatos de experiências pessoais dos autores, surge ainda a discussão sobre o papel que o dinheiro tem na vida de cada um. Esse precisa ser, ressaltam, o início de toda decisão e do planejamento dos investimentos.