Matheus Tarzia: gestor do fundo Navitas, da Neo Investimentos | Foto: Divulgação (Divulgação/Divulgação)
Guilherme Guilherme
Publicado em 13 de junho de 2021 às 10h10.
Última atualização em 14 de junho de 2021 às 00h12.
Ainda incipientes no mercado, as discussões sobre as eleições de 2022 devem ganhar força conforme a disputa se aproxima. Mas isso não deve ser motivo de preocupação para os inbvestidores, na visão da gestora Neo Investimentos. Com estratégia de investimento com foco no longo prazo, a gestora não teme mudanças bruscas no rumo do país e acredita que possam surgir "excelentes oportunidades" quando as eleições se aproximarem.
"As perspectivas de a esquerda ganhar espaço e de polarização ainda não estão precificadas e, eventualmente, podem gerar um ruído no mercado quando o país estiver mais perto das eleições. Temos que monitorar como isso vai afetar o valor das empresas para diminuir ou aumentar posições. Podem ser geradas excelentes oportunidades", disse Marcelo Cabral, presidente da Neo Investimentos, em entrevista à EXAME Invest.
Segundo o gestor de ações da Neo, Matheus Tarzia, o início dos debates pode aumentar a percepção de risco no mercado, derrubando o preço dos papéis. Mas os efeitos devem ser transitórios. "Também por isso, gostamos de teses com dinâmicas próprias, porque conseguem escapar das flutuações de médio prazo", afirma.
Com a estratégia de manter as ações na carteira por, em média, três anos, a gestora ainda vê o momento como propício à compra de papéis relacionados à economia doméstica, já que a pandemia abriu uma grande janela de consolidações.
"A liquidez abundante tem acelerado os processos de fusões e aquisições. Empresas que mostraram dinamismo estão crescendo. Há muitas histórias boas no mercado e estamos em algumas que conhecemos mais. Estamos em um momento muito positivo", afirma Tarzia.
Para o gestor, há importantes movimentos de consolidação tanto no varejo quanto no setor de saúde, mas nenhuma empresa deve se beneficiar mais desse processo quanto a Vivara (VIVA3). "É líder em seu segmento, com market share de 10%, sendo que a segunda tem cerca de 2%. Deve ser a consolidadora de mercado." Segundo a Exame IN, a companhia está próxima de fechar a compra da H. Stern.
Confira a entrevista com Matheus Tarzia e Marcelo Cabral.
Como funciona o fundo Navitas, do qual o senhor faz a gestão?
Matheus Tarzia: É um fundo que está sempre comprado e não faz market timing. O olhar é sempre de longo prazo e concentrado em boas ações. Hoje, temos treze papéis na carteira, sendo que a permanência média de cada um é de três anos. Faço essa gestão com perfil mais fundamentalista desde 2000 e o retorno médio foi de 18% ao ano. É uma estratégia que funciona.
Compra o que, na percepção da Neo, estiver mais barato ou há uma seleção de setores específicos?
MT: Gostamos muito de empresas com dinâmica própria, de teses de geração de valor que dependem muito mais dos executivos do que da economia. Isso faz a empresa gerar valor com o tempo.
Tivemos ações da RaiaDrogasil (RADL3) por nove anos e, nesse período, o Ebitda cresceu 20% ao ano. Independentemente de como vai a economia, a empresa seguia na mesma toada.
Houve momentos em que o preço da ação estava bem longe de refletir o valor que estava sendo criado, seja pelo aumento da aversão ao risco ou por causa de situações políticas delicadas. Quem olha para o longo prazo não fica refém de movimentos de mercado e atravessa os turbilhões com mais tranquilidade.
Há espaço para empresas de commodities nessa filosofia?
MT: A única posição que já tivemos (e ainda temos) ligada a commodities é a Klabin (KLBN11). Montamos a posição pelo desenvolvimento do setor de embalagens e por causa de projetos interessantes feitos pela empresa. Mas, de forma geral, gostamos mais de companhias com mais controle próprio. No mundo das commodities, fica-se muito sujeito [ao cenário macroeconômico e das cotações].
A primeira coisa que se faz na hora de avaliar uma empresa é estimar a receita. Já começa nebuloso, pois é difícil estimar para onde vão os preços. Nunca tivemos Vale (VALE3). Mesmo ela vivendo um momento muito positivo, também é sensível a essas variações. Historicamente, temos uma exposição grande ao mercado doméstico.
Levando em consideração a esperada aceleração do crescimento econômico brasileiro no segundo semestre, as ações ligadas ao mercado doméstico ainda são uma boa oportunidade de compra?
MT: Acredito que sim. O que poderia atrapalhar seria a preocupação com a disciplina fiscal do governo, que passou com sinalizações muito positivas. Há uma melhor percepção do investidor estrangeiro sobre o mercado local. Esse é o pano de fundo. O importante mesmo é estar confortável com as posições.
Temos ações de empresas que, em março do ano passado, ficaram com 100% das lojas fechadas e tiveram que desenvolver o comércio eletrônico. Mas, no fim das contas, essas crises se tornam positivas para muitas empresas, porque resultam em oportunidades de consolidação. A liquidez abundante tem acelerado os processos de fusões e aquisições. Empresas que mostraram dinamismo estão crescendo. Há muitas histórias boas no mercado e estamos em algumas que conhecemos mais. Estamos em um momento muito positivo.
Em qual setor há maior potencial de consolidação e qual empresa deve sair vencedora?
MT: Há vários casos. No setor de saúde, que vem em um bom momento de consolidação, temos posições em Rede D’Or (RDOR3) e Hapvida (HAPV3). Esta, por sinal, já tem uma fusão a ser aprovada [com a NotreDame Intermédica].
Outro setor é o varejo, em que temos Arezzo (ARZZ3) e Vivara (VIVA3). A Arezzo, até dois anos atrás, era uma empresa que não se arriscava em fusões e aquisições, mas isso vem mudando desde que ela comprou a marca Vans no Brasil no fim de 2019.
Já a Vivara é líder em seu segmento, com market share de 10%, sendo que a segunda maior tem cerca de 2% do mercado. É uma empresa que teve um desempenho muito bom ao longo da crise e deve ser a grande vencedora como consolidadora de mercado.
No ano que vem haverá eleições, com o PT já despontando, nas pesquisas, como favorito. Como isso pode mexer com as perspectivas do mercado?
MT: Ainda não está na conta do mercado, mas é um fator de volatilidade que vai entrar no radar. Quando o início das campanhas se aproximar, o cenário doméstico vai ganhar predominância e vai ficar mais importante em relação ao externo. Também por isso, gostamos de teses com dinâmicas próprias, porque conseguem escapar dessas flutuações de médio prazo. Claro que, se a percepção de risco piorar, os preços vão ficar mais distantes do valor da empresa, mas é algo transitório.
Nos últimos 20 anos, tivemos estresse político, mas, em algum momento, passou. O Brasil aprendeu bem que o lado econômico deve sempre ser preservado. Temos instituições fortes, que mantêm o sistema andando. É difícil haver uma transformação muito grande.
[Eleição] sempre pode trazer ruído, mas é mais de curto prazo. No médio e no longo prazos não afeta, as coisas acabam se ajustando. Não acredito em nenhuma mudança estrutural que realmente mude o curso do país de forma drástica.
Marcelo Cabral: Só complementando, o preço é mais afetado pela conjuntura, que é o ruído. Quando chega um grupo político menos favorável ao mercado, isso pode afetar o preço de modo transitório, mas não necessariamente o valor da empresa. Por isso, evitamos empresas muito atreladas ao governo.
Agora, sempre existe o risco de o governo mudar a regra do jogo. Um governo populista é sempre um risco e pode afetar a dinâmica das empresas. As perspectivas de a esquerda ganhar espaço e de polarização ainda não estão precificadas e, eventualmente, isso pode gerar um ruído no mercado quando o país estiver mais perto das eleições.
Temos que monitorar como isso vai afetar o valor das empresas para diminuir ou aumentar posições. Podem ser geradas excelentes oportunidades. Olha a oportunidade de investimento que a pandemia acabou gerando, apesar de toda incerteza do que iria acontecer.
Os dados de inflação têm surpreendido o mercado tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Essa é uma preocupação ou é mais um ruído de curto prazo?
MC: A pressão inflacionária de médio prazo é inegável. Mas o hiato do produto não fechou e a demanda não está crescendo de forma insustentável. Estamos com choque de oferta, que é uma das características da pandemia. Houve a queda de cadeias produtivas, com a parte de frete sendo destroçada globalmente. Há preços subindo, como os de carnes e automóveis, mas são choques de oferta, não uma demanda absurda.
O desemprego ainda está muito alto, então não deveria haver uma inflação descontrolada. Mas a inflação, de fato, está vindo mais alta do que a esperada e vai ter que haver uma normalização da taxa de juros.
Qual é a perspectiva de juros para este ano?
MC: Achamos que vai passar de 6,5% ao ano, que era o mais esperado. Mas não deve sair de controle e voltar para 15%. Aos poucos, a oferta se recompõe. Vai ser uma normalização de juros mais rápida do que a esperada, mas não vai mudar o patamar.
O que pode alterar esse cenário é a questão fiscal. Embora as perspectivas estejam um pouco melhores, esse é sempre o fantasma do Brasil. A piora fiscal poderia descarrilhar os juros e a inflação, mas não é o cenário que vemos hoje. Ainda assim, temos que ficar de olho, porque o risco existe.
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