O dólar teve a maior alta semanal desde junho de 2020, diante de riscos fiscais crescentes (Yuji Sakai/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 26 de março de 2021 às 21h26.
O dólar fechou em forte alta nesta sexta-feira, 26, acima de 5,74 reais, em meio a um expressivo movimento de compras defensivas diante de intensos ruídos sobre a postura do Banco Central em relação ao câmbio e da falta de perspectivas de fluxo e de melhora econômica de curto prazo.
Na semana, o dólar teve a maior alta em nove meses, alavancado por um combo que inclui aumento de percepção de risco político-fiscal e fortalecimento da moeda no exterior. O dólar à vista subiu 1,25% nesta sexta, para 5,7406 reais.
Na semana, o dólar saltou 4,68%, a maior valorização desde a semana encerrada em 19 de junho de 2020 (+5,41%). Em março, a cotação sobe 2,46%, elevando os ganhos em 2021 para 10,58%.
"O que ninguém entende é o racional do BC para atuar no câmbio. Vendeu a 5,58 reais e agora não faz nada com a moeda tendo pior performance relativa?", comentou Sérgio Goldenstein, consultor independente da Ohmresearch Independent Insights.
Na quinta-feira, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse ser equivocada a visão de que intervenções no câmbio feitas pela autoridade monetária em dias em que o real está apreciando estariam ligadas ao cenário inflacionário e reforçou que o câmbio é flutuante.
"Gostaria de deixar bem claro que nós entendemos que o efeito que o câmbio traz para nós é o efeito inflacionário através dos canais, a gente tem olhado isso há bastante tempo", disse Campos Neto.
No mesmo evento, ele sinalizou que os juros poderiam subir menos do que o projetado pelo mercado -- o que seria um revés para o câmbio, pois tornaria o retorno sobre os títulos menos atrativos.
"O BC se comunicou mal sobre o dólar", disse um gestor. "A sensação que deu é que eles vão deixar o câmbio ir embora (depreciar)", completou, avaliando que o BC está "atrás da curva".
Nessa linha, circularam nesta sexta nas mesas de operação informações de que a equipe econômica teria debatido o custo-benefício de intervenções mais agressivas no câmbio e que, no fim, teria convencido a diretoria do BC a se afastar de maior ativismo.
A impressão gerada no mercado pela recente postura do BC é oposta à percebida apenas duas semanas atrás, quando a autarquia chegou a fazer uma oferta de moeda à vista mesmo com o dólar em queda, surpreendendo o mercado. E reforça a falta de leitura comum dos investidores em relação à visão do BC sobre o momento de forte pressão cambial.
Em meio às dúvidas sobre a estratégia do BC, o mercado embute nos preços do câmbio nova deterioração das expectativas econômicas no Brasil, na esteira do recrudescimento da crise sanitária, que já afeta projeções para PIB, inflação e juros, enquanto outras economias aceleram a retomada da crise da Covid-19.
O Credit Suisse rebaixou nesta sexta a estimativa de crescimento do PIB em 2021 de 3,7% para 3,2%. Para 2022, o prognóstico foi reduzido de 2,9% para 2,4%. Ao mesmo tempo, o banco privado passou a esperar mais inflação e Selic de 6,5% ao ano em dezembro.
Investidores comentam ainda sobre uma constante tensão diante de recorrentes pressões de governadores por mais gastos em combate à pandemia e eventual volta do estado de calamidade pública, algo que ampliaria a margem de despesas que podem ficar fora das restrições das metas fiscais. Além disso, eles ainda digeriam o Orçamento aprovado na véspera.
"O Congresso aprovou um Orçamento irreal para 2021", disse a XP em nota, avaliando ainda que uma "manobra fiscal" relacionada ao abono salarial de 2022, emendas parlamentares e o programa BEM aumentou a percepção de risco nos mercados.
E com isso vem aumento do ruído político, com o Congresso mostrando mais descontentamento com a gestão da pandemia pelo Executivo. Relatórios de instituições financeiras voltaram a lembrar nos últimos dias que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é o único que pode aceitar abertura de processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro.
A performance relativa mais fraca do real ficou evidente na relação com o peso mexicano, considerado um termômetro do sentimento mais geral sobre os mercados emergentes.
O real chegou ao fim da tarde em queda de 2,2% ante o peso, para cotações mínimas em 17 anos.
"O Brasil, com dívida próxima a 93% do PIB, tem juros reais negativo de 2,5%. Já o México, com o fiscal bem melhor, não tem esses juros negativos. Isso demonstra o quanto estamos errados", disse Alfredo Menezes, sócio-gestor na Armor Capital.