Fernanda Consorte, economista-chefe do banco Ourinvest (Cristiana Lacerda/Divulgação)
Tais Laporta
Publicado em 23 de julho de 2019 às 07h22.
Última atualização em 30 de julho de 2019 às 12h37.
Ninguém mais aguenta ouvir falar em reforma da Previdência. Mas enquanto a aprovação final não vem, o assunto vai continuar inescapável na agenda do país. Essa é a visão da economista-chefe e estrategista do banco de investimentos Ourinvest, Fernanda Consorte. Nos últimos tempos, o mercado parou de atribuir um peso tão grande a crises políticas como fazia no passado. As que apareceram nos primeiros 200 dias de governo Bolsonaro chegaram a balançar os ativos, mas não minaram a confiança dos investidores. Um exemplo é o vazamento de áudios do ministro da Justiça Sérgio Moro. Para o mercado, se não afeta a tramitação do texto no Congresso, não chega a ser um problema. “É a Previdência que importa. Ela virou um monotema”, diz a economista, que é mestre em finanças pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Fernanda falou a EXAME sobre os possíveis rumos da taxa de câmbio diante de cortes de juros no Brasil e no mundo e comentou sobre os próximos passos para a economia avançar depois que a reforma for aprovada. A economista acredita que, mesmo com um cenário favorável pela frente, não há espaço para o dólar cair muito. A mudança nas aposentadorias pode até sair na velocidade esperada, mas ainda assim a moeda americana não deve cair abaixo de R$ 3,70 em pouco tempo, diz. Ainda pesam alguns riscos, como a tensão comercial entre Washington e Pequim, que segundo a economista parece não ter fim e tem potencial para abalar os mercados emergentes.
Com passagem pelos bancos Santander, Bradesco, Votorantim Corretora e MCM Consultores, a estrategista da Ourinvest defende que o mercado ainda precisará de muita paciência até ver resultados concretos na economia e nos investimentos após a aprovação da Previdência. Leia a entrevista:
De fato o mercado espera uma queda da taxa Selic nas próximas reuniões, embora o Banco Central já tenha deixado claro que ela está bem correlacionada ao avanço da reforma da Previdência. Uma queda da Selic sugere uma desvalorização da taxa de câmbio, já que o capital estrangeiro tende a ir para outros países. Mas dada a atual situação do país, pode ocorrer algo diferente. O mercado pode interpretar que uma queda nos juros vinculada à reforma da Previdência poderia sugerir que o país está estruturalmente melhor. Isso deve sugerir uma queda da taxa de câmbio ou pelo menos estabilidade num patamar baixo.
O mercado já precificou esses cortes, embora o Fed tenha dito que a desaceleração da atividade econômica pode ser transitória. Isso sem dúvida contribui positivamente para valorizar as moedas emergentes. Mas toda a conjuntura, seja internacional ou local, com essa queda de juros ligada à reforma da Previdência, não me sugere um real muito mais forte em relação ao dólar.
O dólar ao redor de R$ 3,80, na minha visão, significa que o mercado já incorporou no preço uma avaliação mais rápida da reforma do que se imaginava. Quanto antes ela vier, mais chances de voltar ao patamar de R$ 3,75 ou R$ 3,70. Não concretizando esse cenário, acho que um dólar perto de R$ 3,90 é possível. Lembrando que o texto ainda vai para segundo turno da Câmara e para o Senado. Eu tenho uma visão um pouco mais cética. Não acho que vai ser tão rápido assim como o mercado imagina.
Acho que não. Quando penso num prazo maior, mesmo num cenário de reforma aprovada, tem toda uma situação interna ainda ruim. A recuperação econômica precisa vir mais efetiva, mas a conjuntura não sugere exatamente uma taxa de câmbio muito baixa. Outras reformas devem ser feitas e outras coisas ainda podem acontecer, como uma nova crise política. Hoje o mercado está 100% focado no Congresso, mas passada essa reforma tem outras, como a tributária, e isso embute volatilidade nos preços. Não consigo ficar tão otimista com as taxas de câmbio. Para mim, um patamar abaixo de R$ 3,80 já é maravilhoso.
Estamos no meio de uma guerra comercial entre nossos dois principais parceiros internacionais, EUA e China, que embora tenham feito trégua congelando tarifas de importação, acho que está bem longe de terminar. Em um cenário de desaceleração chinesa ou americana o Brasil acaba prejudicado. Nenhum emergente vai sair tão imune a isso. Na minha visão isso impede uma supervalorização do real. Precisa ter uma avalanche de notícias positivas no Brasil e lá fora para ver isso de forma casada.
Acho que a relação é a mesma. Claro, é preciso ver os dados de cada empresa de forma separada, mas quando se olha o cenário macro, é igual. O patamar do Ibovespa acima de 100 mil pontos já sugere que a reforma deve ter uma votação rápida e pode ter mais volatilidade a depender do que vai acontecer com o cenário. Obviamente, a tensão entre China e EUA também prejudica a atividade econômica e isso é refletido na bolsa. Quanto à Previdência, vai depender de como vai ser a aprovação no Senado. Tem que ver se vai ser tão rápido e saber se o Senado está de fato 100% comprado. Toda a expectativa dos últimos meses vai voltar. Por isso eu acho que não vai ser tão rápido, nem descarto uma nova volatilidade.
Eu acho que esse preço já embute uma aprovação mais rápida da reforma da Previdência. Barato não me parece.
O mercado está colocando um peso muito maior na reforma da Previdência e dá uma credibilidade forte para o Moro. Ele acredita nele e ponto. Por isso, essa questão não interfere no andamento dos preços dos ativos. Hoje a reforma da Previdência é um "monotema" para os mercados, estamos atribuindo um peso enorme para ela.
Friamente, a aprovação da reforma não faz com que a economia cresça no mesmo instante. O mercado está olhando para frente. Num cenário muito ligado a política, os índices de confiança continuam ditando e gosto muito de olhar para eles. Me parece que a economia ficou 100% parada e agora a confiança começa a retomar. A reforma é vista como um canal que aumenta a confiança dos agentes para que eles comecem a investir e contratar e, assim, fazer a economia começar a rodar.