Varejo: Copa do Mundo e Black Friday juntas podem ser gatilho para vendas (Igor Alecsander/Getty Images)
Sem conseguir tração consistente de vendas entre julho e agosto, o varejo acelerou neste mês um plano de ações para surfar a onda de otimismo que a somatória de Copa do Mundo, Black Friday e Natal pode trazer para os últimos três meses do ano. O objetivo é superar o impacto negativo sobre as vendas que tem sido gerado pelos juros ainda elevados, o alto endividamento das famílias e a baixa confiança do consumidor.
Para a Copa do Mundo não "canibalizar" as vendas de Black Friday e Natal, o varejo resolveu antecipar atividades promocionais, esticando o calendário e segmentando as datas por itens. Por exemplo, desde setembro as grandes varejistas começaram a comunicar promoções específicas para de televisores.
"Copa traz um calendário mais longo. Televisores, churrasqueira elétrica, cervejeira e deixa outras categorias para Black Friday, como smartphones. E Natal fica com tíquete menor, com categorias como livros", explica Fernando Baialuna, diretor da consultoria GfK, que audita vendas no varejo.
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De acordo com Baialuna, além de esticar o calendário, as varejistas vão fazer mais esforço para vender, intensificando comunicação e promoções, além de criar mais opções de pagamento. "O varejo está posciocionado e estocado. Movimento vai ser forte para girar os estoques", diz destacando que há aumento de condições de parcelamento, alternativas de troca por pontos e descontos na troca de produtos usados.
Mas esse ritmo de avanço pode vir só depois de 30 de outubro, conforme a Copa do Mundo e a Black Friday se aproximam e a disputa pela presidência define o eleito. "O nível de confiança hoje é muito baixo, principalmente entre os mais pobres. Mas se olhar as últimas eleições, há uma confiança maior depois de definido o presidente. E vai casar bem com o período de Black Friday. Aí o cliente toma mais risco e vai para o parcelamento e consome."
A Confederação Nacional do Comércio (CNC) estima que R$ 1,48 bilhões em vendas no comércio e serviços relacionadas à Copa do Mundo, que neste ano começa em 20 de novembro por causa do calorão do Catar durante o período de julho e agosto, quando o torneio acontece tradicionalmente.
Essa projeção significa um avanço de 7,9% ante a edição do torneio de futebol em 2018, que foi sediado na Rússia. Entre essas vendas estão especialmente televisores, mas há também grande estímulo para alimentos e bebidas, em especial carnes e cerveja, e artigos de moda esportiva.
A confiança da população em ver Brasil levantar a taça pela sexta vez também estimula expectativas ainda mais otimistas. Levantamento feito pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) projeta que aproximadamente 60 milhões de consumidores vão consumir na Copa do Mundo e podem injetar R$ 20 bilhões na economia somente com gastos relacionados ao torneio.
Além disso, a Black Friday também pode ser melhor do que em 2021, quando o desempenho frustrou grande parte do comércio. Segundo levantamento inédito da consultoria GfK, 90% declaram que irão comprar na edição de 2022 da Black Friday. A disposição em comprar cresceu 3 pontos percentuais ante 2021 e, agora, 53% afirmam que vão buscar descontos na data, o que deve ser estimulado com a volta mais consistente do varejo físico quando comparado a 2020 e 2021, em que a pandemia afetou as atividades.
A primeira aposta do comércio para esse período está na TV, item que sempre ganha atenção em tempo de Copa do Mundo. No site da Casas Bahia, rede de lojas da VIA (VIIA3), por exemplo, o anúncio é de uma seleção de televisores: "Sua torcida merece as melhores TVs".
E levantamento do Google e da CNC mostra que a aposta das varejistas faz sentido: em setembro houve aumento de 6,7% na pesquisa por smart TVs em lojas on-line, em comparação com agosto. Antes do campeonato de 2014, realizado no Brasil, as buscas foram 6,3% maiores e, em 2018, cresceram 5,3%.
"Televisores é uma categoria que atravessou momento mais delicado ano passado e veio até junho num movimento de retração", conta Baialuna, da Gfk. Inflação que trouxe preços mais altos e efeito de premiumnização explicam o aumento em valores de 4,9% no primeiro semestre versus o mesmo período de 2021, mas em unidades as vendas caíram 1,2%. A GfK estima que serão vendidas 1,5 milhão de TVs no combo Copa do Mundo e Black Friday, algo em torno de 5% de avanço.
"Pela primeira vez, a Black Friday, data mais forte do varejo, acontecerá junto com a Copa do Mundo. A Americanas não poderia deixar de aproveitar essa oportunidade", diz Marcelli Valle, gerente de branding da Americanas. Por isso, a empresa antecipou para setembro as ações promocionais para o item e chamou o narrador Galvão Bueno para ser garoto-propaganda em uma nova versão de seu jargão: "Haaaaja televisão". "A ação traz aos consumidores as melhores ofertas em TVs smarts de diversas marcas até o mês de novembro. Além de preços diferenciados, o destaque é a promoção 'compre uma TV de qualquer modelo em nossas lojas, site ou app e concorra à uma TV gigante por dia até o final de novembro'", diz Valle.
O Magazine Luiza lançou neste mês a promoção "Troca Tudo no Magalu", na qual o cliente pode oferecer televisores, celulares, tablets, notebooks e smartwatches usados e trocar por descontos em novas TVs. O vice-presidente de negócios da varejista, Eduardo Galanternick, fala em "alta expectativas para o mundial". No aplicativo e no site, serão distribuídos cupons para que os consumidores dos canais digitais também aproveitem para renovar seus televisores e assistam aos jogos com melhor qualidade.
A companhia vai, também, vender uma linha exclusiva de televisores da marca sul-coreana Vizzion. Disponível nas versões de 32 e 50 polegadas, a TV é 20% mais barata. Ainda de acordo com o diretor da GfK a procura por televisores de tíquete intermediário deve ter mais espaço. É o que ele achama de "affordable premium". O consumidor das classes média e baixa vai abrir mão de alguns itens de alta qualidade por causa da renda menor, mas ainda vai em um produto um pouco mais caro. A prioridade, segundo a GfK, são as telas maiores: com crescimento de 6,4% em unidades das telas 60 ou mais polegadas.
A proximidade entre os eventos e a possibilidade de fôlego extra para as vendas fez com que as ações das grandes varejistas ganhassem ritmo de alta nos últimos 30 dias. O papel da Via (VIIA3), dona da Casas Bahia e Ponto, acumula valorização de 9%, e o da Americanas (AMER3), 8,19%. Já a ação do Magazine Luiza (MGLU3) oscilou mais nesse período e avançou somente 0,69% no acumulado. Os saltos seriam mais expressivos não fossem o pregão de sexta-feira, 14, quando os ativos tiveram fortes quedas:
Copa do Mundo e Black Friday devem ser gatilho uma para a outra, segundo Heitor de Nicola, sócio e assessor de renda variável da Acqua Vero Investimentos. "Pode ser uma janela de oportunidade para esses setores, provavelmente veremos isso nos resultados das companhias do quarto trimestre e é algo a se acompanhar porque deve impactar bastante as ações relacionadas ao consumo", acredita. Além das varejistas com presença on-line, há potencial de alta para as ações da fabricante de cervejas Ambev (ABEV3) e para todo o setor de proteína, como JBS (JBSS3), Marfrig (MRFG3) e Minerva (BEEF3), já que os brasileiros costumam se reunir para churrascos em dias de jogo do Brasil.
Para a equipe de varejo da XP Investimentos, há um otimismo com cautela. "De forma geral, acreditamos que as perspectivas serão diferentes entre as categorias, com uma visão mais construtiva para artigos esportivos, TVs e varejo alimentar, enquanto as empresas dependentes de circulação de pessoas devem ter um cenário mais desafiador. No entanto, ainda vemos as festas de fim de ano acontecendo, enquanto as compras de Black Friday devem acontecer de forma mais espalhada. Vemos o Grupo Mateus (GMAT3) e Assaí (ASAI3) como os mais bem posicionados nesse cenário, enquanto Magalu (MGLU3), Via (VIIA3), Multilaser (MLAS3) e Alpargatas (ALPA4) podem ter riscos de alta em nossa visão", escreveram em relatório sobre o tema.