Dólar | Foto: Adrienne Bresnahan/Getty Images (Adrienne Bresnahan/Getty Images)
Agência O Globo
Publicado em 22 de agosto de 2021 às 10h02.
Roberlei Cardoso, após se aposentar como representante comercial em Cascavel (PR) em 2015, foi para Londres atuar no setor imobiliário. Ele e sua mulher, Leila Previati, que trabalha em um restaurante na capital britânica, sempre consideraram a vida financeira bem-sucedida na terra da libra. Mas, recentemente, estão se esforçando para economizar cada centavo — ou penny. O motivo? Enviar o máximo possível para investir no Brasil, aproveitando a força da libra em relação ao real para pavimentar um retorno confortável ao país.
Assim como eles, outros expatriados estão enviando mais recursos para o Brasil, para comprar imóveis e investir em negócios, ao ver o dinheiro que ganham lá fora valer mais aqui com a forte e prolongada desvalorização do real.
Segundo dados do Banco Central, as remessas do exterior bateram recorde no primeiro semestre deste ano, somando US$ 1,89 bilhão, o equivalente a R$ 10,16 bilhões.
É o maior valor da série histórica do BC, iniciada em 2010, e uma alta de 24% em relação ao mesmo período de 2020 e de 36,5% frente ao de 2019, quando nem se pensava em pandemia.
— Quando a libra estava valendo R$ 5 entre 2018 e 2019, já era muito bom. Mas, quando começou a chegar a quase R$ 8, foi o momento de enviar tudo o que a gente tinha para o Brasil — diz Cardoso, de 58 anos, que tem comprado imóveis no Brasil com as vantagens de quem ganha em uma moeda que terminou a semana passada em R$ 7,33, tendo chegado a R$ 7,93 em março.
— A meta é, quando a gente voltar ao Brasil, ter um padrão de vida um pouco melhor do que aqui. Comprar imóveis é o caminho para ter uma sustentação quando a velhice chegar.
Convertendo a cifra enviada pelos brasileiros lá de fora na primeira metade do ano, o pouco mais de R$ 10 bilhões equivale ao orçamento de três meses do Bolsa Família e do auxílio emergencial, que ajudou a reduzir os impactos da pandemia na economia.
Desde 2004 na Inglaterra, o advogado de imigração Tiago Soares, do escritório Ashton Ross Law, diz que as remessas de dinheiro para o Brasil costumam aumentar quando o real se desvaloriza, mas agora o movimento está mais intenso:
— Ninguém imaginava que o câmbio fosse ficar tão alto por tanto tempo.
Os dados do BC apontaram recordes entre janeiro e junho no envio de recursos de três países que têm comunidades brasileiras numerosas: EUA (US$ 946 milhões), Reino Unido (US$ 370,4 milhões) e Canadá (US$ 27,9 milhões).
De Portugal, outro destino popular entre brasileiros imigrantes, vieram US$ 101,3 milhões, no sexto semestre consecutivo com remessas acima de US$ 100 milhões.
Para a professora da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Julia Braga, esse fenômeno se deve a vários fatores. O primeiro é a crise econômica causada pela pandemia, que derrubou a renda de muitas famílias no Brasil e estimulou imigrantes a enviarem mais dinheiro aos parentes.
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O segundo é a desvalorização do real, que gera oportunidades de investimento aqui para quem está lá fora. Julia cita ainda a falta de perspectivas econômicas no Brasil, que estimula mais gente a ir embora:
— Há esse volume de pessoas que saíram em busca de novas oportunidades que, quando conseguem renda, passam a enviar mais recursos para investir ou ajudar parentes no Brasil. Vejo a crise brasileira como um fator importante.
Além do mercado imobiliário, outros investimentos no Brasil atraem o dinheiro valorizado dos expatriados. Lúcio Santana, que trabalha com financiamento imobiliário em Deerfield Beach, na Flórida, conta que acaba de comprar 50% de uma escola em Campo Limpo Paulista (SP), de onde saiu há 23 anos para viver nos EUA.
Ele não tem planos de voltar a viver no Brasil, mas viu o fortalecimento do dólar frente ao real como uma oportunidade de investir em um negócio de educação na terra natal. A moeda americana voltou a subir e encerrou a semana passada em R$ 5,38.
— Não penso em voltar, mas sempre sonhei em ter um negócio no Brasil. Esse investimento pode fazer diferença na minha cidade — diz Santana.
O pedreiro Sílvio Ramos de Melo, de 52 anos, também não pensa em voltar ao país desde que se estabeleceu em Cascais, em Portugal. Embora dê prioridade a seu pé de meia para ter mais tranquilidade na nova vida na Europa, com o euro em torno de R$ 6,30 ele tem conseguido mandar dinheiro para conterrâneos em dificuldades no Brasil:
— Às vezes um irmão, um parente ou um amigo pede uma ajuda, pede R$ 1 mil. Antes, eu precisava de quase € 250 para passar. Hoje, mando € 150. É um dia de trabalho meu aqui, que vale mais de uma semana para o pessoal que ficou no Brasil — diz Melo, natural de Teresópolis (RJ).
José Ribeiro, dono da Prima Transfer, em Londres, atende principalmente brasileiros que querem mandar dinheiro para a terra natal. Ele diz que a procura aumentou muito desde o ano passado para comprar imóveis e fazer outros investimentos no Brasil, não só por causa da vantagem cambial:
— Uma vez que o país está em crise, as oportunidades de negócios aumentam.
Adilson Goes, que trocou São Paulo por Boca Raton, no estado americano da Flórida, e atua na Fair USA, outra empresa de transferência de recursos, também conta ter visto brasileiros expatriados realizando sonhos com um empurrãozinho do câmbio:
— Um brasileiro que veio aqui comparou o valor que ele tinha em dólar e percebeu que poderia comprar uma fazenda no Brasil, seu sonho. Depois que o dólar subiu mais, ele ainda mandou o dinheiro pra comprar as cabeças de gado.
André Linhares, advogado de imigração na Flórida, corrobora:
— O tipo de imigrante que está aqui para fazer o pé de meia e voltar para o Brasil no futuro está aproveitando.
O aumento das remessas gera oportunidades também no Brasil, onde está o lado que recebe o dinheiro. O banco Daycoval viu o uso do DayPay, um serviço que facilita o envio de remessas internacionais, ultrapassar 50% dos seus negócios de câmbio no varejo. Abriu novas lojas de recebimento de valores em São Paulo, Brasília e Goiânia e planeja chegar a outras cidades.