Carrefour: a empresa deve fazer a maior abertura de capital no Brasil desde 2013 (Andrew Caballero-Reynolds/Bloomberg)
Letícia Toledo
Publicado em 18 de julho de 2017 às 19h39.
Última atualização em 19 de julho de 2017 às 15h19.
São Paulo - Após anos ensaiando uma abertura de capital no Brasil, o varejista Carrefour finalmente definiu o preço final de suas ações nesta terça-feira. Os papéis foram precificados em 15 reais, no piso da faixa indicativa da empresa, que estava entre 15 e 19 reais por ação. A oferta primária (ações novas) movimentou 205,9 milhões de ações e totalizou 3,08 bilhões de reais. A secundária (papéis vendidos pelos atuais sócios) teve 135,8 milhões de ações vendidas, por 2,03 bilhões de reais. Somados, os lotes movimentaram 5,1 bilhões de reais e a companhia foi avaliada em 29,71 bilhões. O principal concorrente, o Grupo Pão de Açúcar, vale hoje 17,7 bilhões de reais.
“O Carrefour estava sendo ambicioso no preço, e o fato de ter saído no piso não quer dizer que a empresa está barata. Foi um preço justo levando em conta o crescimento esperado para o ano”, diz Phillip Soares, analista da Ativa Investimentos. No preço de 15 reais, os papéis do Carrefour serão negociados a um múltiplo de 9,4 vezes o preço da ação sobre o lucro estimado para 2017. A abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) deve ser a maior do país desde abril de 2013. Na época, o BB seguridade arrecadou 11,5 bilhões de reais.
A abertura de capital do Carrefour chama a atenção porque acontece em meio a um cenário político conturbado e ainda assim existe apetite de investidores pela companhia. O principal destino dos recursos obtidos com o IPO será o pagamento de dívidas com a sua controladora francesa, no valor de 2,8 bilhões de reais.
O restante reforçará o capital de giro da companhia. Os números divulgados no prospecto de ações mostram uma boa evolução do Carrefour nos últimos anos. A receita subiu 29,3% entre 2014 e 2016, fechando o ano passado em 47,5 bilhões de reais. O lucro dobrou em dois anos e 2016 em 1,17 bilhão de reais.
O objetivo é expandir as operações no Brasil e aumentar a distância para o Grupo Pão de Açúcar (GPA) — dono das marcas, Extra, Pão de Açúcar e Assaí. Desde meados de 2014 o Carrefour tem crescido em um ritmo superior ao do GPA. Enquanto o Carrefour tem 11,8% do mercado brasileiro, o GPA tem 10,8%.
Enquanto o varejo alimentar do GPA faturou 41,4 bilhões de reais em 2016, o Carrefour teve receita de 47,5 bilhões de reais. Mas, na última linha do balanço, a diferença tem sido enorme: o GPA teve um prejuízo de 133 milhões de reais no varejo alimentar, o Carrefour lucrou 1,17 bilhão no último ano.
A situação atual é muito diferente da encontrada há alguns anos. Em 2009 o Carrefour perdeu a liderança de mercado para o GPA. No ano seguinte, a operação brasileira descobriu uma fraude contábil de 1,2 bilhão de reais. O foco dos executivos do Carrefour nos anos seguintes se tornou apenas tocar o barco e garantir que novos problemas não surgiriam.
A melhora de resultados começou com um plano de reestruturação de seus tradicionais hipermercados, em 2013. As lojas gigantescas, iniciadas no país em 1975, faziam muito sentido em tempos de inflação alta, quando as pessoas faziam compras para o mês. Mas aos poucos os hipermercados começaram a perder sentido.
Desde então, até março de 2017, o Carrefour reestruturou 64 hipermercados e 13 supermercados, e o objetivo é completar o programa de revitalização até o final de 2019. Desde 2014 ainda abriu 77 lojas de conveniência, o Carrefour Express, para competir com o Minuto Pão de Açúcar e o Mini Extra.
Outro marco na história recente do Carrefour foi a chegado do empresário Abilio Diniz. Abilio, que conduziu o Pão de Açúcar (fundado pelo seu pai) à liderança do mercado, trocou de lado após perder a disputa pela varejista com o grupo francês Casino. No fim de 2014, ele anunciou a compra de 10% da subsidiárias brasileira do Carrefour, por 1,8 bilhão de reais. Hoje, Abilio tem 12% do negócio, e deve vender 4,11% na abertura de capital, embolsando cerca de 1,2 bilhão de reais.
A retomada de mercado do Carrefour também foi impulsionada pelos erros de estratégia do principal concorrente nos últimos anos. O GPA só iniciou reformas em seus supermercados e hipermercados em 2015, um movimento que, na visão de analistas, veio tarde demais. Seus mercados grandes foram atingidos em cheio pela crise econômica, que diminuiu o poder de compra dos consumidores.
Fora dos supermercados, as vendas nas marcas da subsidiária do GPA Via Varejo, que reúne as operações do Ponto Frio e da Casas Bahia, também caíram. “Agora as coisas parecem finalmente estar mudando no GPA. Eles vêm fazendo ações promocionais mais agressivas, principalmente na bandeira Extra, e a tendência é que a diferença de marketshare com o Carrefour diminua”, diz Giovana Scottini, analista da Eleven Financial.
Mas o que fez a diferença mesmo foi sua rede de “atacarejo” Atacadão, que hoje tem mais do que o dobro (34%) do mercado do concorrente Assaí, do GPA. Adquirida pelo Carrefour em 2007, a rede é responsável por 64% de todas as vendas do Carrefour no Brasil. O Atacadão abriu 12 lojas em 2016 e a estimativa é que inaugure mais 11 lojas em 2017. Os recursos do IPO devem financiar a expansão.
O GPA, como era de se esperar, tem investido cada vez mais na marca Assaí para concorrer com o Atacadão. Para 2017, prevê abrir seis novas lojas Assaí e converter pelo menos 15 unidades da bandeira Extra em lojas do “atacarejo”. Com isso, o Assaí deve chegar a 127 lojas no fim do ano, ante 172 do Atacadão.
Para analistas, ainda é difícil saber o quanto o crescimento do Carrefour nos últimos anos é sustentável, já que em seu prospecto a rede divulgou apenas os dados dos últimos três anos. “Existe uma preocupação de que o número de hoje não ser sustentável, tenha sido apenas uma preparação para o IPO”, diz Soares, da Ativa Investimentos.
Outra dúvida é sobre o pagamento de royalties da operação brasileira do Carrefour pelo uso da marca à matriz francesa. No prospecto da oferta de ações consta que, ao chegar a uma certa margem de lucro operacional, haverá um pagamento de algo entre 0% e 0,125% das vendas líquidas, menos uma parcela das despesas com publicidade. Mas não há informações mais concretas. Como a lucratividade do setor já é baixa, cada percentual pode custar caro ao Carrefour no Brasil. Maiores detalhes sobre esse e outros assuntos, os investidores só devem ter após os executivos do Carrefour tocarem o sino da bolsa brasileira, na quinta-feira.