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Carne de laboratório: por que a JBS faz aposta milionária em proteína cultivada?

Companhia prevê começar comercialização de produtos já em 2024 e vai instalar centro de desenvolvimento no Brasil

JBS (JBSS3), a maior empresa de alimentos do mundo, deve começar a comercializar sua produção de proteína cultivada ainda em 2024 (Ueslei Marcelino/Reuters)

JBS (JBSS3), a maior empresa de alimentos do mundo, deve começar a comercializar sua produção de proteína cultivada ainda em 2024 (Ueslei Marcelino/Reuters)

Raquel Brandão
Raquel Brandão

Repórter Exame IN

Publicado em 1 de maio de 2023 às 09h01.

Última atualização em 16 de maio de 2023 às 16h39.

De apenas uma célula vão sair almôndegas, hambúrgueres e, quem sabe no futuro, até mesmo um bife bovino ou um filé de frango. Essa é aposta de gigantes do setor de alimentos ao investirem no desenvolvimento de proteína cultivada, ou seja, a carne produzida em laboratórios.

Um dos maiores investimentos vem da JBS (JBSS3), a maior empresa de alimentos do mundo, que deve começar a comercializar sua produção de proteína cultivada ainda em 2024.

A companhia vai investir em um período de cinco anos - de 2021 até 2025 - US$ 100 milhões para se tornar uma das principais fabricantes de proteína cultivada do mundo. Parte desse investimento foi para aquisição de controle (51% do capital social) da empresa espanhola BioTech Foods.

“Considerando a projeção de crescimento populacional e a perspectiva de a demanda de proteína crescer 70%, entendemos que como a maior produtora de alimentos do mundo temos que oferecer essa alternativa”, explica Eduardo Noronha, diretor global da unidade de negócios de valor agregado da JBS, em entrevista à EXAME Invest. Para atender a essa demanda, os cálculos são de que a produção de proteína global precise ficar 135% maior do que a atual.

Os cerca de US$ 40 milhões investidos na  aquisição têm como um dos objetivos as obras de uma fábrica da BioTech Foods em San Sebastián, na Espanha, com projeção de entrega no ano que vem. É de lá que a JBS começará a produzir carne a partir de célula animal cultiva em biorreatores, que deve chegar às prateleiras dos supermercados em vários países do mundo ainda na segunda metade de 2024. A projeção é de produção de 1.000 toneladas de carne ao ano inicialmente, chegando a 4.000 toneladas no médio prazo.

Projeto da fábrica da BioTech Foods em San Sebastián, na Espanha

Projeto da fábrica da BioTech Foods em San Sebastián, na Espanha (BioTech Foods/Divulgação)

Outros US$ 60 milhões de investimento são para a JBS desenvolver a produção no Brasil. O JBS Biotech Innovation Center terá sede em Santa Catarina, sob o comandado do doutor Luismar Porto, que foi cientista vista te em Harvard e no Massachusetts Institute of Technology (MIT).

Na fase atual, o projeto de engenharia já está aprovado e a planta tem projeção de entrega e início de operação até o fim de 2024. A companhia, agora, faz a seleção de pesquisadores, com prioridade por brasileiros com experiência internacional. Serão 25 especialistas contratados, além de técnicos em laboratório. No total, a projeção é de 100 empregos diretos criados inicialmente.

Como é produzida a proteína cultivada?

Diferentemente dos produtos plant-based, a proteína cultivada não têm origem vegetal. Os cientistas coletam uma célula de um animal, retirada na coleta de sangue, por exemplo, e a cultivam em biorreatores no laboratório. No caso da carne de frango, por exemplo, uma célula do ovo pode servir para iniciar o cultivo.

Alimentada com nutrientes e aminoácidos, essa célula se prolifera produzindo mais células, que ao se agregarem foram um tecido de carne e gordura, explica Porto. Ou seja, o processo na laboratório e seus biorreatores vida reproduzir o desenvolvimento na natureza. “Vale lembrar que todo animal vem de apenas uma célula. A tecnologia de cultivo da proteína faz em algumas semanas o que o ‘in vivo’ leva pelo menos dois anos pra produzir.” O processo começa na pipeta do laboratório e depois vai para a escala comercial.

Ainda, de acordo com Porto, a tecnologia  vai permitir criar novos alimentos, como alimentos funcionais ou com sabores novos, por exemplo. “Vai atender algumas demandas diferentes, com novos sabores e novas texturas, indo além das  demandas nutricionais”, observa.

Mas não se deve esperar por um pedaço de picanha saindo do laboratório, ao menos não por enquanto, segundo Porto e Noronha. Na fase atual, a tecnologia de proteína cultivada permite criar ingrediente para produção de outros produtos processados, como hambúrguer, almôndegas, empanados e embutidos. “No futuro, quem sabe, seja possível criar peças de carne como uma picanha com impressão 3D”, diz Noronha.

Mercado em expansão

A consultoria McKinsey estima que a produção de proteína cultivada poderá alcançar entre 0,4 a 2,1 milhões de toneladas métricas até 2030. Isso ainda é pouco comparado à produção de carne in natura, algo abaixo de 1% do total, mas tem atraído cada vez mais investimentos do setor.

“Muito difícil prever qual vai ser o tamanho do mercado de proteína cultivada, mas muita confiança no que estamos investindo. O mercado consumidor de proteína no mundo vai chegar a US$ 1 trilhão nos próximos anos. A carne como conhecemos nunca vai deixar de existir, mas esse modo de produção não será suficiente para atender a demanda”, argumenta Noronha, diretor da JBS.

No Brasil, além da JBS, recentemente a BRF (BRFS3) anunciou a entrada nesse mercado. A companhia fechou uma parceria com a israelense Aleph Farms. Pelo acordo, Aleph e BRF irão co-desenvolver e produzir carne cultivada usando as plataformas de produção patenteadas da Aleph e a BRF vai distribuir produtos de carne bovina cultivada com a parceira no Brasil.

O grande desafio das companhias, no entanto, está em baratear o produto para que ele consiga ganhar viabilidade econômica. O primeiro hambúrguer de carne cultivada foi apresentado em 2013 e valia mais de US$ 300 mil. Atualmente, o preço já caiu para algo em torno de US$ 10 por disco de hambúrguer, bastante mais baixo, mas ainda relativamente alto se comparado ao tradicional. “Chega um pouco mais caro, mas conforme vai ganhando escala, fica mais acessível. Talvez, lá na frente, pode até virar commodity”, afirma Noronha, destacando que o método tem capacidade de produção maior.

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