Começo de 2022 surpreende os investidores mais otimistas com forte alta no preço dos ativos de renda variável | Imagem: Souda/Getty Images (Souda/Getty Images)
Beatriz Quesada
Publicado em 4 de fevereiro de 2022 às 06h05.
Última atualização em 4 de fevereiro de 2022 às 08h45.
O início de 2022 no mercado brasileiro tem surpreendido até os mais otimistas. Apesar das correções recentes, o Ibovespa sobe mais de 6% no ano, enquanto o dólar é negociado abaixo de 5,30 reais. Nem mesmo a volta da taxa básica de juros, a Selic, para a casa dos dois dígitos é vista como obstáculo. Pelo contrário: analistas esperam que a nova taxa continue a impulsionar a renda fixa sem tirar a atratividade da bolsa.
O grande segredo da bonança está na tempestade que varreu o mercado brasileiro em 2021. O Ibovespa caiu 12% no ano passado, enquanto o S&P 500, o principal índice do mercado americano, disparou quase 27%. O jogo se inverteu neste ano, e as ações americanas, em especial as de tecnologia, desabaram com investidores de olho na perspectiva de elevação iminente do juro nos Estados Unidos.
Uma fração do capital que estava alocado em techs americanas migrou para mercados emergentes em busca de pechinchas. O resultado é o aumento do apetite gringo por ativos brasileiros, que tem crescido acima do esperado neste início de ano. O investidor estrangeiro ingressou com 34,46 bilhões de reais no mercado secundário da B3 até o dia 1º de fevereiro.
A expectativa de analistas é que fevereiro represente uma continuidade desse movimento, com o fluxo de capital estrangeiro ainda dando impulso à bolsa brasileira e varrendo para baixo do tapete por mais algum tempo as preocupações com o risco fiscal e as eleições presidenciais de 2022.
As principais favorecidas por este cenário são as chamadas ações de valor (value): papéis de companhias consolidadas e geradoras de caixa que estão negociando abaixo de seus múltiplos históricos.
As grandes representantes do segmento no Brasil são as ações de commodities e bancos, como Vale (VALE3), Petrobras (PETR3/PETR4), Itaú (ITUB4) e Bradesco (BBDC4). Não à toa, os papéis de Itaú e Bradesco subiram quase 20% em janeiro.
William Leite, sócio e gestor da Helius Capital, avalia que o mês deve continuar sendo bastante positivo, principalmente para commodities. Além do apetite americano por ações de valor, o setor também se beneficia da demanda chinesa, reforçada pelas recentes políticas de estímulo adotadas pelo governo de Pequim.
“Seguimos comprados em commodities e preferimos, inclusive, não ter posição no exterior neste momento. A bolsa brasileira no geral e, principalmente, os casos ligados à China, apresentam uma dinâmica mais positiva e tem um caminho mais claro do que o mercado americano”, afirma o gestor.
Outro fator que deve mexer com as bolsas em fevereiro é a temporada de balanços do quarto trimestre de 2021, que começou nesta semana com os resultados de Romi (ROMI3), Santander (SANB11) e Cielo (CIEL3).
Embora o resultado fraco do Santander tenha amenizado as expectativas para o setor bancário, analistas continuam animados para os números da temporada. Renan Vieira, sócio e CIO da gestora Taruá Capital, acredita que os balanços de Itaú e Bradesco ainda devem surpreender e destaca outras três apostas da casa para o período: as varejistas Soma (SOMA3), Arezzo (ARZZ3) e a empresa de shoppings Multiplan (MULT3).
“Soma e Arezzo são voltadas para o público A e B, que tem apresentado o melhor ritmo de recuperação do varejo. Já a Multiplan é interessante porque a volta da circulação em shoppings está surpreendendo, com prévias operacionais impressionantes”, avalia Vieira.
Porém vale lembrar que os bons ventos para a bolsa local podem ser seletivos. Vieira acredita que as empresas de e-commerce devem continuar performando mal. Os balanços do quarto trimestre devem vir mais fracos e, para completar, as próprias perspectivas para a economia brasileira não são positivas.
“São empresas que atendem um público de classe mais baixa, que está sofrendo com a alta da inflação. A Selic mais alta também não ajuda, prejudicando a tomada de empréstimo por parte dos clientes, freando o consumo e também aumentando os custos de financiamento das próprias empresas, que costumam ser mais alavancadas”, avalia.
Existem também riscos associados ao cenário fiscal, principalmente com a retomada dos trabalhos no Congresso após o recesso de final de ano. Os especialistas consultados pela EXAME Invest, no entanto, acreditam que o investidor estrangeiro está – por hora – mais disposto a observar os valuations atrativos das ações do que os riscos fiscais.
O mesmo fluxo de capital estrangeiro que está impulsionando as ações da B3 também está beneficiando o real. Com a entrada de dólares do País, a moeda americana perdeu força para além do que era previsto por analistas.
A título de comparação, a mediana de projeções do boletim Focus estima um dólar a 5,60 reais ao final de 2022, enquanto, atualmente, a moeda é negociada abaixo do patamar de 5,30 reais. É o menor nível para o dólar em mais de quatro meses.
“Ao contrário do que todos pensavam, o dólar está se comportando com bastante otimismo e vem caindo com grandes captações de bancos e com a entrada de capital estrangeiro na bolsa. Um fluxo externo de 30 bilhões de reais em bolsa é bem atípico para início de ano, ainda mais de um ano com eleições, no qual a expectativa era por uma turbulência muito grande”, afirma Vanei Nagem, responsável pela mesa de câmbio da corretora Terra Investimentos.
A expectativa de Nagem é que o dólar encontre estabilidade em torno de 5,25 reais a 5,30 reais no mês de fevereiro. “Se houver uma nova onda de otimismo, a moeda pode mudar de patamar e cair para um nível mais próximo de 5 reais”, diz.
Além do capital estrangeiro, parte da recuperação do real vem também do cenário político, que já é visto por gestores e analistas como menos volátil. Isso porque o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder nas pesquisas de opinião, tem feito acenos ao centro, buscando reduzir a apreensão com um eventual governo petista.
Em declarações recentes, Lula defendeu a independência do Banco Central e sinalizou possível coalizão com Geraldo Alckmin, ex-PSDB e um dos principais rivais políticos do petista nos anos 2000.
André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton Investimentos (do mesmo grupo controlador da EXAME), acredita, no entanto, que ainda é cedo para avaliar um impacto das eleições de 2022 no câmbio. Perfeito avalia que o principal responsável pela queda do dólar é a alta da taxa de juros.
“O Brasil exporta duas coisas: commodities e taxa de juros. Em 2022 os dois aspectos estão em um patamar adequado, o que deixa o câmbio com um viés de queda ao longo do ano”, avalia o economista.
Em sua primeira reunião de 2022, nesta semana, o Copom aumentou a Selic em 150 pontos-base, para 10,75% ao ano. Esse é o maior patamar para a taxa desde o primeiro semestre de 2017 e, segundo cálculos da Necton, deixa o Brasil com a maior taxa de juro real entre as principais economias do mundo.
A projeção da Necton é que a Selic feche 2022 em 11,75%, contra um IPCA – índice oficial da inflação no Brasil – em 5,23%, o que resulta em uma taxa real (Selic projetada menos IPCA projetado) de 6,52%. “O valor é praticamente o dobro da taxa projetada para a Rússia, que tem a segunda maior taxa nominal entre as principais economias do mundo, de 3,3%.”
A alta da Selic também impacta a renda fixa, que vem retomando seu espaço na carteira do brasileiro desde que a taxa começou a subir em março de 2021. A escalada foi rápida, e, em menos de um ano, a taxa já subiu mais de 8 pontos percentuais desde seu piso histórico, em 2% ao ano. O último comunicado do Copom, no entanto, sinalizou uma redução no ritmo das elevações, o que deixou investidores se perguntando se seria o momento de reavaliar suas posições.
Em ciclos de aperto monetário, investimentos em renda fixa pós-fixados costumam ser os mais atrativos porque são atrelados a uma taxa variável – como CDI ou IPCA – que sobe proporcionalmente ao avanço da Selic ou da inflação.
Porém a sinalização do BC de redução do ritmo de alta abre espaço para que a Selic atinja um pico e na sequência encontre um nível de estabilidade. A mudança poderia favorecer os títulos pré-fixados, que costumam ser mais vantajosos se a perspectiva à frente é de queda na taxa.
Bruno Carvalho, head de renda fixa do BTG Pactual digital (do mesmo grupo controlador da EXAME), reforça que o cenário ainda é incerto, sendo preciso fazer uma rigorosa ponderação das oportunidades.
“É interessante ter algum ativo prefixado na carteira, mas é preciso avaliar a equivalência com percentual do CDI da curva futura. O ganho ainda pode ser pequeno, sendo mais seguro continuar no pós-fixado para o caso de a Selic avançar mais que o esperado”, afirmou Carvalho em live sobre a última decisão do Copom.
Vale reforçar que, por enquanto, uma redução na taxa básica de juros ainda não está no radar. Mariana Fenelon, gestora de renda fixa da Inter Asset, reforça que a Selic deve continuar em um patamar interessante de investimento, acima dos dois dígitos, por um bom tempo – mesmo se o mercado já começar a precificar reduções nos juros.
Para os ativos de crédito privado, a elevação da Selic pode trazer mais complicações. “O aumento dos juros vai pesar na despesa financeira das empresas, aumentando gastos com juros de dívidas e impactando a gestão de lucro. Além disso, um PIB menor e uma inflação mais alta devem deixar o cenário ainda mais desafiador para as empresas e, consequentemente, para o crédito privado”, avalia Fenelon.
Ainda assim, a gestora acredita que existem boas oportunidades no setor, principalmente nas emissões de dívida de empresas com maior rating de crédito, que são boas pagadoras e costumam ser mais seguras.
Quanto aos spreads (prêmio pago pelo risco de crédito), o investidor pode comemorar. “O patamar atual de spreads ainda é mais alto que antes do início da pandemia. Em janeiro ou fevereiro de 2020, uma empresa com o nível mais elevado de rating pagava 1,30% de spread em uma emissão de 5 anos. Para fevereiro, estamos projetando que essa taxa fique entre 1,45% e 1,50%”, afirma.