Bruna Marcelino: estrategista-chefe da Necton Investimentos | Foto: Leandro Fonseca/Exame (Leandro Fonseca/Exame)
Guilherme Guilherme
Publicado em 27 de junho de 2021 às 08h35.
Última atualização em 28 de junho de 2021 às 12h55.
Com alta acumulada de 18% no ano, o Ibovespa chegou aos 130.000 pontos muito antes do que previa parte do mercado no fim de 2020. À época, a Necton Investimentos era uma das mais otimistas. Mas, agora que parte do mercado já vê a possibilidade de o principal índice da B3 chegar a 150.000 pontos, a corretora manteve sua projeção de 140.000 pontos para o fim de 2021. E a razão se encontra na análise do cenário político.
Para Bruna Marcelino, estrategista-chefe da Necton, o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022 pode ser um gatilho para realizações de lucros até o fim do ano. "Podemos ter uma correção na bolsa. Não teremos certeza sobre como ele voltaria e quais políticas iriam reger seu governo. Até por isso, quando se fala em projeções, não estamos tão otimistas como parte do mercado", afirma em entrevista à EXAME Invest.
Até lá, a economista espera que a precificação da retomada prevista para o segundo semestre continue impulsionando a bolsa. O cenário, segundo ela, deve ser propício a investimentos em ações de empresas varejistas e ligadas ao turismo.
A melhor avaliação é a das ações das Lojas Americanas (LAME4), em que vê grandes oportunidades de ganhos com a venda de produtos em lives, o live streaming shopping. "Isso é uma febre na China e estão querendo trazer para cá."
Formada em Economia pela Fecap e pós-graduada em Métodos Quantitativos Estatísticas e Matemática Aplicada pela PUC-RS, Bruna Marcelino assumiu o posto mais alto de análise estratégica da Necton em abril deste ano. Há mais de dez anos no mercado financeiro, ela também teve passagens pelo Itaú BBA, pela Spinelli e pela Bolsa de Chicago (CME, na sigla em inglês).
Confira a entrevista.
Em dezembro, a Necton tinha projeção de Ibovespa a 140.000 pontos para o fim de 2021. Já estamos em 130.000 e há uma grande expectativa de crescimento para o segundo semestre. A projeção será revisada?
Estão revisando as projeções de PIB e Ibovespa, mas resolvemos manter os 140.000 pontos devido ao fator político. Precisamos ver quais vão ser os candidatos nas próximas eleições, pois isso pode impactar a bolsa, principalmente dependendo de quem vai ser o candidato favorito.
Mas a tendência ainda é de alta. Os balanços do primeiro trimestre vieram surpreenderam positivamente e acreditamos que os do segundo trimestre vão continuar nesse patamar. O mercado também vem precificando a reabertura da economia para o segundo semestre.
O ex-presidente Lula tem despontado como favorito nas pesquisas. Isso é um risco para o mercado?
Podemos ter uma correção na bolsa. Não teremos certeza sobre como ele voltaria e quais políticas regeriam seu governo. Até por isso, quando se fala em projeções, não estamos tão otimistas como parte do mercado, que já vê a bolsa em 150.000 pontos. Isso pode ter impacto negativo no fim do ano.
O setor de commodities contribuiu bastante com o Ibovespa no primeiro semestre. Qual setor está em melhor posição para puxar essa alta adicional de 10.000 pontos até o fim do ano?
A escalada no minério de ferro beneficiou a Vale (VALE3). Mas não acredito que o patamar atual da commodity seja sustentável. A China já vem anunciando formas para conter a alta do minério de ferro. No caso do petróleo, já se fala no preço do barril ultrapassando os 100 dólares, o que é positivo para a Petrobras (PETR3, PETR4).
No entanto, devido à dinâmica esperada para o segundo semestre, a alta deve ser puxada por outros setores. Não quero dizer que as ações de commodities vão cair, mas outras ações devem subir mais.
Quais setores devem ser os mais beneficiados por esse cenário?
O varejo, principalmente as ações de empresas com lojas físicas. Com vacinas, as pessoas conseguem sair de casa e fazer compras presencialmente. Isso também favorece as ações e os fundos imobiliários de shoppings centers, que foram bastante afetados pela pandemia.
Outro setor é o turismo. A demanda do segundo semestre já está sendo precificada nas ações da CVC (CVCB3), que vêm subindo bastante. Nessa cesta entram as companhias aéreas Azul (AZUL4) e Gol (GOLL4). Se a Azul adquirir a Latam, ela passará a ser a maior do setor no país, com grande vantagem sobre a Gol, e essa consolidação é benéfica para o papel.
A Gol, que recentemente adquiriu a quinta maior empresa aérea do Brasil, também sofreu muito com a pandemia e tem espaço de valorização para o segundo semestre.
No setor de varejo, há preferência por uma ação específica?
Desde a fusão com as Lojas Americanas (LAME4), a preferência tem sido a ação da B2W (BTOW3). Mas como ela teve uma forte valorização, trocamos para a das Lojas Americanas, ainda que haja espaço para ambas performarem bem no segundo semestre.
O mercado começou a precificar a internalização dos papéis que será feita no próximo ano, mas ainda não está no preço as iniciativas de live streaming [vendas de produtos durante lives]. Isso é uma febre na China e querem trazer para cá. Com a pandemia, muitas coisas ficaram digitalizadas e esse hábito de compras online vai continuar.
O Banco Central vem adotando um tom mais firme quanto ao combate à inflação e à alta de juros. Como isso muda a dinâmica da bolsa?
Ações de construção civil podem cair com o aumento das taxas de juros, porque o financiamento fica mais caro. A taxa de financiamento imobiliário não acompanhou toda a queda da Selic, mas deve ficar mais cara com a alta.
Já os bancos devem se beneficiar do novo cenário, já que conseguirão maiores spreads. No curto prazo, eles podem sofrer com a maior tributação da CSLL, mas enxergamos isso como uma oportunidade de compra. Há espaço para valorização, mas os bancos não vão ser os destaques do segundo semestre.
Nesse cenário de alta juros, ações de construtoras voltadas para a alta renda são um investimento mais seguro?
Sim. Até porque a taxa de desemprego ainda está muito alta. A maior parte da população que conseguiu fazer home office tem renda maior. Consegue ter uma capacidade de pagamento maior do que a parte mais impactada pela pandemia. O segmento de alta renda é mais resiliente.
A MP da privatização da Eletrobras (ELET3, ELET6) foi aprovada. Isso deve dar um fôlego extra para as ações continuarem subindo ou já está tudo no preço?
A ação da Eletrobras ainda tem espaço para subir com a privatização, só não sabemos se vai ter alguma correção no curtíssimo prazo. O mercado adiantou o movimento à medida que a MP avançava, mas faz todo sentido a ação continuar subindo.
Como a crise hídrica vem impactando os papéis do setor de energia elétrica? Isso pode abrir oportunidades de compra?
A Energias do Brasil (ENBR3) tem caixa alto e desalavancagem financeira suficiente para passar suavemente pela crise. Outro papel com potencial de valorização é o da Companhia Energética de São Paulo (CESP6), que teve uma queda grande, com o mercado talvez já precificando a crise hídrica. Em relação às demais ainda tem que ver qual vai ser a magnitude dessa crise.
Qual é a chance de os impactos da crise hídrica se espalharem para ações de outros setores?
É difícil prever o impacto da crise hídrica, mas pode ser relevante. Deve afetar principalmente o agronegócio e as indústrias que precisam de bastante energia.
Os frigoríficos também entram nessa conta? Qual a visão do setor?
Frigoríficos precisam de freezer, que tem uso elevado de energia elétrica, para fazer a distribuição de carne. O que está acontecendo hoje no setor é uma corrida pela BRF (BRFS3). A Marfrig (MRFG3) teve uma geração de caixa muito grande no primeiro trimestre e tem dinheiro para aquisições. Não faz sentido adquirir mais ações, porque chegaram ao limite para não pagar prêmio para minoritários. Eles não precisam de fusão, porque a sinergia das empresas seria muito pequena, já que uma é de frigoríficos e a outra tem o frango como produto principal.