Bolsa: somente poderão receber o selo de qualidade as corretoras que tiverem agentes autônomos exclusivamente para atendimento de pessoas físicas e empresas não financeiras (.REUTERS/Lucas Jackson)
Da Redação
Publicado em 6 de agosto de 2013 às 15h06.
São Paulo - Depois de vários recados e ameaças informais, a BM&FBovespa divulgou circular mudando o Programa de Qualificação Operacional (PQO) das corretoras e determinando que elas devem acabar com a figura do agente autônomo de investimentos que trabalhe internamente atendendo a clientes institucionais. O PQO define se a corretora tem direito aos selos de qualidade da bolsa, que se tornaram exigência de alguns investidores.
Os agentes autônomos são profissionais autorizados a receber ordens de compra e venda de ações ou derivativos na bolsa, e que prestam serviços às corretoras. Muitas vezes, eles são responsáveis por trazer clientes para a instituição. Alguns chegam a representar corretoras em regiões mais distantes. São proibidos, porém, de dar orientação de investimento aos clientes.
Redução de agentes
Segundo o ofício circular 052/2013, de 5 de agosto, o PQO passa a determinar que, até 31 de dezembro de 2014, a corretora terá de reduzir o número de agentes autônomos que atendam investidores institucionais, como tesourarias, assets, fundações, seguradoras e investidores não residentes.
Após 2 de janeiro de 2015, somente poderão receber o selo de qualidade da bolsa as corretoras que tiverem agentes autônomos exclusivamente para atendimento de pessoas físicas e empresas não financeiras.
Para isso, a partir de hoje e até o fim deste mês, as corretoras terão de informar à bolsa o número de agentes autônomos discriminados por tipo de clientes que atendem, se de varejo ou institucionais. Deverão ser indicados os que atendem única e exclusivamente clientes de varejo e, no caso dos institucionais, mesmo os agentes que façam atendimento esporádico. Haverá duas categorias, os Agentes Autônomos de Investimento (AAI) Clientes de Varejo e os AAI Clientes institucionais.
As corretoras que não recadastrarem seus agentes autônomos entrarão automaticamente em processo de revisão de seu selo de qualidade, até que ocorra nova auditoria da bolsa na instituição.
Fora é bom, dentro é ruim
No texto do ofício circular, a BM&FBovespa deixa claro que o modelo de agente autônomo que trabalha fora da corretora, em sua própria estrutura, atendendo pessoas físicas e jurídicas, é o desejado, apesar de a regulação permitir ainda o trabalho desses profissionais nas dependências da corretora.
O esforço da bolsa em acabar com os agentes autônomos internos vem desde o ano passado, quando próprio presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, alertou os corretores que eles deveriam eliminar esse tipo de profissional de suas empresas, substituindo-os por profissionais contratados ou forçando-os a montar suas próprias estruturas de trabalho.
Trabalhando internamente, o agente autônomo traz dois problemas: divide os ganhos obtidos nas operações feitas pelos clientes, reduzindo a receita das corretoras, e ao mesmo tempo, por usar a estrutura da instituição, pode depois exigir direitos trabalhistas, criando assim um passivo trabalhista para as corretoras.
Em maio, durante o 1º Congresso Internacional da Indústria da Intermediação Financeira, Edemir foi mais enfático ao dizer que as corretoras devem acabar com a figura do agente autônomo interno. A ameaça preocupou algumas corretoras que ainda usam esses profissionais. Mas várias já estão nesse caminho, justamente para evitar problemas futuros com a Justiça Trabalhista e com a bolsa.
A Planner, que se uniu à Prosper no ano passado, deixou de ter agentes autônomos internos, passando a trabalhar com consultores contratados para os investidores.
Já XP, que tem 1.500 agentes autônomos, o maior número do mercado, mantém apenas profissionais externos e com contratos especiais para evitar problemas trabalhistas.
Corretoras reclamam da BM&FBovespa
A exigência de acabar com os agentes autônomos é mais um capítulo da novela envolvendo o mercado de intermediação, ou seja, as corretoras, e a bolsa. Desde que foi desmutualizada e deixou de pertencer aos corretores, abrindo seu capita e passando a visar o lucro, a BM&FBovespa vem sendo acusada de ter abandonado as corretoras, que são em última instância os distribuidores dos produtos da bolsa. Os custos para as corretoras teriam subido e as exigências para obter os selos de qualidade aumentaram.
Já a bolsa acusa as corretoras de terem criado uma dependência muito grande da instituição, que pagava vários custos e até sustentava algumas delas. As corretoras, por sua vez, reclamam da falta e canais de comunicação com a bolsa e que algumas decisões são tomadas sem a consulta aos distribuidores.
A crise do mercado a partir da crise de 2008, com baixo desempenho das ações e a menor procura dos investidores pela bolsa, fez com que a maioria das corretoras passasse a ter prejuízos constantes. Agravou essa situação a guerra de tarifas que tomou conta do mercado, e que derrubou as receitas com corretagem.
As críticas sobre a falta de um canal de comunicação levaram o presidente da BM&FBovespa a anunciar há alguns anos a criação de uma comissão para ouvir as reclamações das corretoras, reunindo alguns representantes das instituições. A medida, porém, não surtiu efeito, levando-se em conta que a Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras (Ancord) marcou para dia 9, sexta-feira, uma reunião com o presidente do Conselho da bolsa, Pedro Parente, para reclamar dos preços cobrados pela instituição.
Edemir diz que bolsa não ajudará corretoras
Hoje, em entrevista ao jornal Valor Econômico, Edemir Pinto afirmou que a BM&FBovespa hoje visa o lucro e não tem mais que ajudar as corretoras. Segundo ele, o problema é que muitas delas não mudaram de mentalidade em relação ao tempo em que dependiam da bolsa. Edemir também negou que haja perseguição com relação à corretoras que reclamam dos custos e das exigências feitas pela bolsa em um momento em que elas estão em dificuldades.
Segundo o presidente da BM&FBovespa, das 80 corretoras existentes, 30 têm 90% do mercado e estão bem, das quais 18 são ligadas a bancos. Já das 50 restantes, que estão no vermelho, 70%, ou seja, 35 corretoras, vão ter de investir ou não vão sobreviver, alertou.
De monopolista a dominante
Edemir também negou o rótulo de monopólio para a situação atual da bolsa, ao comentar o impacto que a entrada de um concorrente no mercado teria sobre tarifas e relacionamento com as corretoras. Hoje, dois grupos negociam a entrada no segmento de bolsa de valores no país, o Americas Trading System Brasil (ATS Brasil), parceria entre a Bolsa de Nova York e o grupo brasileiro Americas Trading Group (ATG, patrocinador do blog Arena do Pavini), e a empresa americana Direct Edge.
Para Edemir, “nós trabalhamos das 8h às 22h e a palavra monopólio, infelizmente, é aquela que traduz ineficiência, vagabundice, corpo mole, falta de atendimento, falta de resposta”. “Que venha a concorrência, para acabar com esse rótulo”, acrescentou.
O presidente da bolsa disse ainda que “Você acha que monopolista faz a política de redução de tarifas que fizemos? Acionista me puxou a orelha por isso, viu?”. E concluiu: “Que venha a concorrência, porque aí não serei monopolista, serei dominante”.