Bill Ackman, fundador da gestora Pershing Square: dicas de como investir na bolsa de valores (Peter Foley/Bloomberg)
Denyse Godoy
Publicado em 27 de agosto de 2020 às 13h36.
Última atualização em 27 de agosto de 2020 às 14h47.
No começo de sua carreira, na década de 1990, o lendário e bilionário investidor americano Bill Ackman considerava principalmente um critério para decidir apostar em uma empresa na bolsa de valores ou não: o chamado múltiplo P/L, calculado a partir do preço atual da ação e as projeções futuras de lucros. Esse costuma ser também o fator preponderante na escolha dos investidores novatos.
Com o tempo e a experiência de perdas e ganhos, o método de Ackman foi se aprimorando. Agora, são três as condições que o levam a colocar uma ação no portfólio de sua gestora de investimentos, a Pershing Square Capital: qualidade, perenidade e “não disruptividade”.
A qualidade e a perenidade dizem respeito à propensão de um negócio a crescer e dar lucro por um longo período. “Não disruptividade” significa quão protegida essa empresa está de enfrentar um concorrente disruptivo, ou seja, que crie uma inovação tão importante a ponto de transformar profundamente seu mercado e aniquilar os rivais. “Hoje em dia, essa é a maior ameaça a uma companhia”, disse Ackman durante live com André Esteves, sócio sênior do banco de investimentos brasileiro BTG Pactual, que é controlado pelos mesmos donos da EXAME.
Perguntado por Esteves se a habilidade da equipe de administração do negócio contava, Ackman respondeu: “Preferimos uma empresa boa com gestão ruim a uma equipe brilhante em uma empresa ruim. Se a empresa for boa, trocamos os executivos, é fácil de consertar”.
Leia a seguir os principais comentários de Ackman durante a live:
Ackman contou que percebeu a gravidade da pandemia do novo coronavírus em janeiro, quando a China fechou e isolou a cidade de Wuhan. “Primeiro, foquei nas implicações para a saúde. O meu pai, por exemplo, está com 81 anos, já teve câncer de pulmão, tem uma doença cardíaca”, disse o investidor, que levou o patriarca para morar com ele.
Quando começou a considerar as consequências econômicas, analisou como as empresas do portfólio do fundo enfrentariam a eventual paralisação total das atividades em todo o mundo. “Tínhamos grandes participações em redes de restaurantes como Starbucks e Chipotle, além da cadeia de hotéis Hilton. Negócios que poderiam sofrer muito”, disse.
Ackman achou então que seria melhor fazer hedge ("proteger") da sua carteira a vender as participações. Lembrando do bom desempenho do fundo durante a crise financeira global de 2008, quando o crédito congelou globalmente, comprou CDSs (credit default swaps). “São títulos que oferecem um pagamento fixo periódico sem cobrar prêmio pela volatilidade. Opções seriam outra ideia, mas aí é preciso pagar pela volatilidade”, explicou.
O investidor acreditava que os spreads no mercado de crédito começariam a aumentar diante do crescente temor de uma crise. Em dez dias, de 24 de fevereiro a 4 de março, o Pershing Square comprou 71 bilhões de dólares em CDSs. Com essa posição, o fundo ganhou 39%, enquanto as ações perderam 30% no mesmo período. Por volta de 20 de março, começou a achar que o mercado passaria a se mover no sentido oposto, com o alargamento dos spreads de crédito. Nesse momento, porém, as ações de companhias que interessam ao fundo já tinham caído de 40% a 50%, então Ackman voltou às compras na bolsa.
Esteves perguntou a Ackman se as fortes altas das bolsas internacionais nas últimas semanas, em plena pandemia, são sinal de uma bolha.
O investidor americano disse que não. “O mercado é uma generalização. Algumas empresas estão subvalorizadas, enquanto outras estão sobrevalorizadas”, explicou. “O que acontece é que, na bolsa, estão listadas empresas dominantes. A Starbucks, por exemplo. Na crise, quem vai fechar é a cafeteria pequena, de bairro, que não tem serviço de delivery. As grandes companhias têm estrutura de capital para sobreviver, ganham essa participação de mercado que as pequenas perdem, e vão sair mais fortes.
A história sendo contada agora é de as grandes empresas rumando para uma posição de mercado melhor. Esse movimento está sendo corretamente refletido na bolsa americana.” Por esse motivo, com os juros baixíssimos em todo o mundo, os investimentos em ações devem continuar mais vantajosos do que a renda fixa, em sua opinião.
No Brasil, para Esteves, o fenômeno é parecido. “O Brasil tem ciclos de negócio muito agressivos. Ter acesso ao mercado faz toda a diferença”, disse. “Varejistas, grandes empresas, entraram no mercado, se capitalizaram e conseguiram obter recursos para voltar a crescer.”
Ackman reclamou da polarização da política nos últimos anos. “Não posso mandar uma mensagem para meu pai ou minha irmã comentando atitudes ocasionalmente boas de Trump e eles já brigam comigo, dizendo que sou trompista”, disse. Por isso, para o investidor, as pesquisas eleitorais não são confiáveis hoje em dia: no atual ambiente, ninguém quer compartilhar sua verdadeira posição política.
O clima nos Estados Unidos agora pode acabar favorecendo Trump nas eleições deste ano, avalia Ackman. “Os protestos [contra o racismo] que temos visto são importantes para chamar a atenção para essas questões, mas têm descambado para a violência. Trump usa um discurso de lei e ordem que tem apelo com uma grande parcela da população”, diz.
O megainvestidor diz que preferia ter opções mais moderadas. “O país vai sobreviver, ganhe quem ganhar”, afirmou. “Se o Trump vencer, espero que, em um segundo mandato, ele pense melhor sobre o legado e a importância da Presidência e aprimore seu modo de agir. Se Biden ganhar, que construa uma equipe forte.”
Para Ackman, o grande erro dos empresários em todo o mundo é focar no negócio e não se envolver em política. Porém, em sua opinião, a melhor parte de Trump é ele ser um presidente do meio empresarial pró-negócios — embora haja muito questionamento sobre as habilidades do presidente como gestor. “Seria ótimo caso o país algum dia tenha um bom e não controverso líder empresarial na Casa Branca”, afirmou. “Como uma empresa, o país tem receitas, despesas, precisa fazer um planejamento de longo prazo, investir em infraestrutura e daí por diante. As mesmas características que fazem um líder empresarial poderiam ser usadas na Presidência.” O aumento da dívida e dos gastos começa a fazer dos Estados Unidos também um bom alvo para um investidor ativista, brincou Ackman.
Embora os Estados Unidos tenham perdido um pouco da autoridade global nos últimos tempos, continuam sendo um país livre, tecnológico e propício ao empreendedorismo, para Ackman. A China, ao contrário, está ficando cada vez menos atraente depois da repressão às demandas por democracia e autonomia em Hong Kong e da expatriação de cidadãos que discordam de Pequim. “Os Estados Unidos continuarão sendo um porto seguro. Não vou apostar contra o dólar, estou confortável em ter ativos em dólar”, afirmou.
Para o investidor, Trump está certo em constatar que os Estados Unidos por algum tempo deixaram a China tirar proveito indevido das relações comerciais internacionais. Um reflexo disso é a dependência dos demais países da China para insumos médicos, por exemplo. “As cadeias globais de produção estão sendo repensadas agora. As nações vão querer ser mais autossuficientes, o que é negativo para a globalização e para a relação entre os Estados Unidos e a China”, disse Ackman. Em sua opinião, duas vantagens competitivas da China — o custo baixo das matérias-primas para as manufaturas locais e a mão de obra barata vão ficar, ao longo do tempo, menos importantes com a automação e a tecnologia florescendo no restante do mundo. “Além disso, outros lugares, como o Vietnã, podem oferecer mão de obra tão barata quanto, mas sem os riscos à propriedade intelectual”, disse.