"O BC finalmente tomou as rédeas em relação à curva de juros, o que é uma sinalização positiva para os mercados", diz Aline Cardoso, da EQI Asset (EQI/Divulgação)
Beatriz Quesada
Publicado em 21 de março de 2021 às 08h00.
Última atualização em 22 de março de 2021 às 14h23.
A decisão do Banco Central de aumentar a taxa básica de juros para 2,75% ao ano não surpreendeu a EQI Asset. A gestora da EQI Investimentos precificava, antes do anúncio, um aumento mais agressivo que o 0,5 ponto percentual esperado pela maior parte do mercado. Agora, se prepara para uma Selic de ao menos 5% ao ano até o final de 2021.
Este será o primeiro ciclo de alta da Selic desde 2015, quando a taxa começou a despencar até chegar à mínima histórica de 2% ao ano em agosto de 2020. As menores taxas de juros da história brasileira recente desencadearam um movimento em que milhões de investidores entraram na bolsa em busca de maior rentabilidade.
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O aumento da taxa Selic para um patamar em torno de 5% ao ano levanta dúvidas sobre o potencial impacto na migração de investidores e recursos para as ações das empresas. Para Aline Cardoso, gestora e analista de renda variável da EQI Asset, a alta da Selic deve ser positiva para o investimento em bolsa.
“Quando o BC eleva a taxa e mostra que está disposto a continuar aumentando a Selic para diminuir a expectativa de inflação, a curva de juros a longo prazo diminui. E isso é bom para a bolsa”, disse em entrevista à EXAME Invest. Cardoso chegou à EQI Asset depois de passagens por Trafalgar, HSBC, Bradesco e Santander, entre outros.
A gestora acredita que a elevação da Selic foi essencial para precificar o risco de investir no Brasil, que aumentou muito com o agravamento da situação fiscal em meio à pandemia. Por outro lado, ressalta que nada adianta reprecificar o risco se o país continuar sem perspectiva de recuperação.
“A única solução que temos é a vacinação. Se o governo não for capaz de concretizar isso, corremos o risco de entrar em um estado de estagflação, em que teremos inflação somada à falta de recuperação econômica. É um cenário péssimo para a bolsa e para o Brasil.”
Cardoso também comentou sobre o impacto da decisão de juros sobre o câmbio e falou sobre as consequências das decisões do Fed, o banco central americano, para a bolsa brasileira. Confira abaixo a entrevista de Aline Cardoso à EXAME Invest:
Qual o impacto do aumento da Selic para a bolsa?
A expectativa é que a curva longa de juros caia. A bolsa responde muito mais à curva longa do que à curta. Quando o BC eleva a taxa e mostra que está disposto a continuar aumentando a Selic de modo a diminuir a expectativa de inflação, a curva de juros a longo prazo diminui. E isso é bom para a bolsa.
A impressão anterior do mercado era que o Banco Central estava muito atrás da curva, deixando o risco inflacionário correr solto. Agora o BC finalmente tomou as rédeas em relação à curva de juros, o que é uma sinalização positiva para os mercados.
Por que isso é importante?
A sinalização do BC quer mostrar que o Brasil não vai entrar em uma situação de descontrole inflacionário. Se a taxa fosse mantida, a curva longa de juros abriria muito e pesaria na bolsa, porque são esses juros longos os que têm maior correlação com o desempenho da renda variável.
A taxa de juros a longo prazo é o que a gente usa para fazer o modelo de fluxo de caixa descontado [cálculo, em valores atuais, de qual é o retorno que a empresa pode gerar no futuro]. Então, se a curva de juros longa está inclinada, gera um impacto negativo no fluxo de caixa da empresa trazido a valor presente.
Seria também muito ruim para o real, que sofreria uma desvalorização muito grande.
O aumento da taxa Selic favorece o real. É o suficiente para o investidor estrangeiro procurar a bolsa brasileira?
Acredito que o fluxo de investimento estrangeiro não deve aumentar apenas com esse aumento de 0,75 ponto percentual, mas já é alguma coisa. Em um mundo de juros reais negativos, como é o caso dos Estados Unidos, um juro mais alto no Brasil pode atrair o capital estrangeiro, sim.
Isso porque existe a taxa de carregamento. Quem está investido em real contra o dólar, por exemplo, lucra com a diferença entre os juros brasileiros e os americanos – ganha esse spread.
Atualmente, a taxa americana está zerada. Então, tecnicamente, nossa Selic anterior de 2% já representaria um ganho para o gringo. Mas esses 2% eram suficientes para aceitar o risco Brasil? Sendo um país com péssima condução da pandemia e toda hora um ruído político diferente?
O mercado mostrou, através da desvalorização do real, que 2% eram pouco para enfrentar o desafio. Agora, com 2,75%, melhora um pouco – melhor ainda caso chegue a 5% no final do ano. O real fica mais atrativo.
Como a decisão de juros nos Estados Unidos impacta a bolsa brasileira?
O Fed está confiante e disse que vai manter a taxa de juros próxima a zero até 2023. O comunicado não foi bem recebido pelo mercado, que esperava que o Fed se mostrasse preocupado não com o nível do rendimento dos Treasuries mas com a velocidade do aumento.
A taxa [usada como termômetro no mercado para medir as expectativas de inflação nos EUA] passou de 1% para 1,75% em menos de três meses. O mercado fica preocupado que essa velocidade de alta das treasuries de longo prazo abortar o início de recuperação econômica que estamos vendo nos Estados Unidos.
Para a nossa bolsa, o efeito é negativo principalmente pela velocidade, impacta bastante os mercados emergentes.
Mostra o que chamamos de [fenômeno da] maré alta. Desde novembro, todos os mercados estavam nadando em liquidez e não dava para saber quem estava de calção e quem estava nadando pelado. Só que a aceleração do rendimento dos Treasuries começa a drenar essa liquidez e mostra quem é que estava nadando pelado: os países emergentes em situação fiscal frágil, especialmente Brasil, África do Sul e Turquia.