Ambev: empresa ampliou portfólio nos últimos anos, com foco nos rótulos de maior valor agregado (Scott Olson/Getty Images)
Na fotografia do resultado do terceiro trimestre o empate nos volumes de cerveja no Brasil com o ano anterior foi com gosto de vitória para a Ambev (ABEV3). No consolidado, o volume cresceu 1,3%, um placar que pode parecer magro, mas também foi recebido com ânimo na proximidade da Copa do Mundo do Catar, que acontece excepcionalmente no fim do ano e que a companhia enxerga como uma grande oportunidade de crescimento, seja de volumes, seja de reposição de margens.
Nessa brincadeira de copo meio cheio, Lucas Lira, diretor financeiro da Ambev, destaca que a companhia chegou mais uma vez a recorde de volume trimestral: 46 milhões de hectolitros (um hectolitro corresponde a 100 litros). "Sob a ótica do acumulado nos últimos 12 meses, mais uma vez conseguimos crescer nosso volume, para 185 milhões de hectolitros. Sinal de que estamos acertando mais do que errando e fazendo apostas corretas em termos de marca e nível de atendimento ao consumidor", diz Lira em entrevista à EXAME Invest.
No período, o avanço do volume vendido no Brasil ficou mais em segundo plano, com a companhia fazendo alguns repasses de preços e buscando melhorar a receita por hectolitro. Por isso, a estabilidade do volume foi vista pelo mercado como "motivo para comemorar", como escreveu a equipe do BTG Pactual. Embora a margem bruta ainda tenha ficado 0,5 ponto percentual menor, em 46,4%, a companhia conseguiu melhoria na margem de lucro operacional, que avançou 1 ponto percentual, para 18,2%.
Agora, a empresa aposta alto e investe em mais marketing nos países em que as seleções estão na Copa do Mundo, acreditando que a combinação de festividades de fim de ano e torneio de futebol vai ser fôlego extra para chegar ao fim do ano com o copo ainda mais cheio. "Quanto mais longe essas seleções forem, melhor", diz citando Brasil, Argentina e o Canadá.
Leia abaixo a entrevista na íntegra.
EXAME Invest: Vocês têm dito que estão otimistas para a Copa do Mundo e o fim de ano. Quanto as ocasiões de consumo podem ajudar o crescimento no quarto trimestre? Esse avanço vai vir só por volumes ou vocês acreditam que será possível melhorar margens?
Lira: Tem dois grandes ventos a favor do consumo no quarto trimestre. O primeiro deles é a chegada do verão. A sazonalidade joga a favor, com calor e festas de fim de ano. O segundo é a Copa do Mundo, que entendemos como oportunidade única de fazer com que nossas marcas e nosso plano comercial entreguem, mais uma vez, um bom resultado, seja do ponto de vista de crescimento de receita, seja volume, seja rol/hectolitro [receita por hectolitro] ou seja pelo crescimento de Ebitda [sigla em inglês para lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização]. Não vai ser fácil, mas estamos confiantes porque, quando olhamos para nosso portfólio, vemos que ele está saudável como nunca.
O que exatamente é essa saudabilidade do portfólio?
Conseguimos trazer experiências para o consumidores e portfólio para os nossos clientes. Vale comparar as marcas que tínhamos em 2018 e que temos agora. Não tinha Brahma Duplo Malte, Spaten, Beck's nem Corona estava no mesmo patamar. O portfólio está mais completo e mais saudável, se olhar para Brahma, Skol ou Chope da Brahma. [No terceiro trimestre, os rótulos "premium" cresceram um dígito único alto (algo na casa de 8% e 9%), liderados por Original e Chopp Brahma. As marcas "core" tiveram avanço um dígito único médio (algo como 5% e 6%).]
As plataformas digitais lançadas entram nessa conta?
Também achamos que estamos vivendo um momento melhor do ponto de vista de capacidade de atender a clientela. Em 2018 não existia o BEES, que nos permite atendê-los melhor, seja do ponto de vista de logística ou de serviços. Ter os nossos clientes digitalizados ajuda muito a atendê-los melhor. Sob a ótica do consumidor, em 2018 a gente também não tinha o Zé Delivery. Com ele a gente consegue atender melhor a demanda do consumidor que quer receber na mão uma cerveja gelada em até 35 minutos.
Bom, o resultado brasileiro foi bem, especialmente na categoria de não alcoólicos, mas as operações externas ainda vieram fracas, não?
Trimestre lá fora foi mesmo mais desafiador, mas é preciso separar por cada negócio. O Cone Sul, por exemplo. Apesar de um período super volátil na Argentina e no Chile, o time conseguiu entregar mais um trimestre de crescimento, muito puxado pela Argentina. [Volume cresceu 4,5% e a receita, 7,4%]. No Canadá, apesar de ter queda ainda de Ebitda, o lado cheio do copo é que a receita começa a se recuperar, não só com reol por hectolitro melhor, mas por ganho de volume. A gente ganhou "share". E sequencialmente também foi melhorando, se olhar para o primeiro semestre. Vemos motivos para achar que estamos no caminho certo. [No país, o volume cresceu 3,4% e a receita, 6,6%].
América Central e Caribe realmente foi mais duro. O primeiro semestre já tinha sido mais complexo por cadeia de suprimentos, como falta de garrafas no Panamá. Essa região é uma que, por natureza, tem um quadro mais complexo porque a infraestrutura não está no mesmo patamar que outros países mais desenvolvidos. A geografia não colabora, porque tem muita ilha e depende de frete marítimo. A capacidade de produção também não é alta, tem que importar muitos insumos. Nesse momento de cadeia de suprimentos mais restrita, uma área mais frágil sofre mais. A segunda coisa é a inflação. Menos renda disponível pressiona consumo e inflação também pressiona custos e despesas. Essa equação é ruim para operar. E, não bastasse isso, testemunhamos furacões no fim de setembro. Tudo isso atrapalhou. Não estamos satisfeitos, temos muito trabalho por fazer. Mas sabemos o que temos que fazer. Essa é uma região que cresceu muito nos últimos 10 anos e que tem um consumo per capita pequeno, então tem muito para onde crescer.
Para a operação de Cerveja Brasil vocês mantiveram a projeção de custos de produto por hectolitro de 16% a 19% de crescimento. Esse indicador pode ser diferente nos outros mercados? A inflação de custos pode ser pior lá fora?
Tem coisas que ninguém está imune. Custo de commodities tem impactado todas as nossas operações. Quando compara o preço do alumínio, vê que subiu demais e todo mundo sofreu com isso. Outro exemplo é o malte, que subiu e afetou todas as regiões. Todo mundo sofreu com essas coisas de 2021 para cá. Mas tem coisas que são próprias. Estou falando de inflação local, como custo de mão de obra, por exemplo. No caso de América Central e Caribe, estamos com inflação local maior do que no Brasil. Além disso, tem o fator de que uma parte relevante do volume desses países ser importado, o que faz com que o custo logístico seja maior. O frete marítimo, por exemplo, aumentou muito. A gente não tem tanta importação em países como Argentina e Brasil, onde tem capacidade de produção maior. Essas especificidades eu gosto de separar.