Mercados

Acusação contra Eike é rara em meio a aumento dos vazamentos

Em um país onde a maioria dos grandes negócios vaza, ninguém jamais foi preso pelo uso de informação privilegiada desde que essa atividade foi tornada crime


	Eike Batista: o ex-bilionário corre o risco de ser preso sob acusação de insider trading
 (Douglas Engle/Bloomberg News)

Eike Batista: o ex-bilionário corre o risco de ser preso sob acusação de insider trading (Douglas Engle/Bloomberg News)

DR

Da Redação

Publicado em 6 de novembro de 2014 às 15h20.

São Paulo - Menos de três anos depois de Eike Batista ter sido chamado de “orgulho do Brasil” pela presidente Dilma Rousseff, o Ministério Público Federal tentará colocar o ex-bilionário na prisão sob acusação de insider trading em um julgamento previsto para o final deste mês.

Ele seria o primeiro.

Em um país onde a maioria dos grandes negócios vaza, ninguém jamais foi preso pelo uso de informação privilegiada desde que essa atividade foi tornada crime, há 13 anos.

E as multas são pequenas: dos 57 casos de insider trading julgados pela Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, entre 2006 e 2013, apenas sete tiveram multas de mais de R$ 400 mil.

O conselho de autorregulação da BM&FBovespa, operadora da Bolsa de Valores e Derivativos do Brasil, disse no ano passado ter detectado 91.000 transações com volumes ou movimentos nos preços das ações suspeitas de irregularidades.

A CVM julgou apenas 10 casos em 2013 e três neste ano.

“O insider trading claramente está difundido no Brasil e nós, como investidores, seríamos ingênuos se não acreditássemos nisso”, disse David Riedel, presidente da Riedel Equity Research em Greenbrae, Califórnia.

“Existe um padrão consistente de vazamentos. Mas o problema não são as leis -- e sim o fato de elas não serem cumpridas”.

Brookfield, Brasil Brokers

No dia 16 de setembro o Ibovespa teve a maior alta em dois anos antes da publicação de uma pesquisa eleitoral para a presidência devido à especulação de que ela mostraria as intenções de voto no candidato mais pró-mercado, Aécio Neves,crescendo.

A pesquisa divulgada duas horas depois do fechamento do mercado confirmou exatamente isso.

No dia 23 de janeiro, a Brookfield Incorporações SA disparou 21 por cento devido aos rumores de que sua controladora fecharia o capital da empresa. O acordo foi anunciado quatro dias depois.

E a CVM disse em um comunicado desta semana que multou três acionistas controladores da corretora imobiliária Brasil Brokers Participações SA em R$ 300.000 (US$ 120.000) cada por negociarem ações antes da publicação dos resultados da empresa em 2011.

A Brasil Brokers disse em um e-mail que a empresa não foi investigada pela CVM por nenhum assunto relacionado aos mercados de capitais.

Procurada pela Bloomberg, a Brookfield citou um fato relevante de 23 de janeiro em resposta a questionamento da BMF&Bovespa e da CVM a respeito da alta das ações. A empresa disse no documento que “não conhece nenhum fato que possa justificar isso”.

Em resposta a perguntas sobre se está investigando o vazamento da pesquisa ou a alta das ações da Brookfield, a CVM disse que não comenta casos específicos.

Por e-mail, o órgão regulador do mercado também disse que está “cumprindo todas as suas obrigações legais”.

Caso contra Eike

O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro denunciou Eike Batista, empresário que perdeu a maior parte de sua fortuna de US$ 34,5 bilhões quando seu império de energia e commodities entrou em colapso, por uso ilegal de informação privilegiada para vender ações de sua empresa de petróleo.

A companhia, na época conhecida como OGX, despencou 95 por cento em 2013 quando entrou com pedido de recuperação judicial após reduzir as suas metas de produção e suspender a maior parte das operações.

O julgamento do caso contra Eike está programado para começar em um tribunal do Rio no dia 18 de novembro.

O advogado de Eike Batista, Sérgio Bermudes, não respondeu a um telefonema e a pedidos de comentário enviados por e-mail. Ele havia dito anteriormente que as acusações contra Batista eram infundadas.

Embora as leis que regem os mercados financeiros no Brasil sejam adequadas, a CVM não possui tecnologia, pessoal e verba para garantir o total cumprimento das leis, disse Eduardo Salomão Neto, sócio do escritório de advocacia Levy Salomão Advogados, em São Paulo.

‘Grandes crimes’

“É uma questão de dinheiro, mas é também uma questão de criatividade”, disse ele, acrescentando que a estrutura legal brasileira dificulta o cumprimento de várias e não apenas as regras contra crimes de colarinho branco.

“Os reguladores podem fazer parcerias com a polícia e o Ministério Público para promover investigações mais sofisticadas, que poderiam levar à descoberta de crimes e criminosos de maior porte. Os crimes que são detectados e punidos agora são muito pequenos -- deve haver crimes maiores sobre os quais ninguém jamais ouviu falar”.

A CVM disse em sua resposta por e-mail que seu orçamento não prejudica seu trabalho.

Embora não sejam ilegais, os vazamentos também aparecem regularmente nos jornais antes dos anúncios oficiais.

Das 11 maiores fusões e aquisições anunciadas no Brasil nos últimos dois anos, os jornais e agências de notícias informaram pelo menos sete antes de o anúncio oficial, segundo dados compilados pela Bloomberg News.

A empresa de diagnósticos médicos Fleury Medicina e Saúde caiu 9 por cento no dia 31 de julho depois que a revista Exame informou que as negociações para venda da empresa à firma de private-equity Gávea Investimentos estavam paralisadas.

A Gávea anunciou no mês passado que as discussões haviam sido completamente abandonadas.

Credit Suisse

O Credit Suisse Group pagou a maior multa da história do Brasil em um acordo com a CVM para encerrar uma investigação de irregularidades.

O banco com sede em Zurique concordou em pagar R$ 19,3 milhões para encerrar uma investigação da CVM a respeito do suposto uso de insider information.

O banco de investimentos comprou ações da Embraer em 2006 antes de a fabricante de aviões anunciar mudanças em sua estrutura de capital e de governança corporativa que lhe permitiriam ser negociada no Novo Mercado, um segmento da BM&FBovespa com padrões mais altos de governança corporativa.

O Fleury disse em um e-mail que perguntou ao seu acionista controlador a respeito da reportagem da Exame na época e que ele lhe respondeu que não havia fatos relevantes a informar.

O fato relevante sobre o fim das negociações foi enviado no dia 20 de outubro, imediatamente depois que a companhia foi notificada pelo controlador, disse o Fleury.

O Credit Suisse não respondeu a um pedido para comentar o assunto.

‘Triste e desencorajador’

Enquanto o Ibovespa registrou a maior queda entre os principais índices do mundo desde o início de setembro, os casos de suposto insider trading prejudicam a credibilidade dos mercados brasileiros, segundo Maria Helena Santana, ex-presidente da CVM.

Apenas uma fração de negócios suspeitos é investigada e punida porque a CVM não possui funcionários e tecnologia para cumprir melhor as leis de insider trading, disse ela.

“Em resumo, isso é muito triste e desencorajador”, disse Santana.

E é isso o que torna o caso de Batista tão incomum, disse Riedel, da empresa de pesquisas de ações da Califórnia.

“Punir uma pessoa tão famosa, como os EUA fizeram com Martha Stewart, é algo que dá o exemplo”, disse ele, em referência à fundadora da Martha Stewart Living Omnimedia, presa por mentir a respeito de uma venda de ações.

Ela foi solta em março de 2005 após cumprir quase cinco meses de prisão e retornou para a companhia em 2012. “Batista pode se tornar um exemplo do que não deve ser feito”.

Acompanhe tudo sobre:AçõesB3bolsas-de-valoresCVMEike BatistaEmpresáriosEmpresasEmpresas abertasInside tradingMercado financeiroMMXOSXPersonalidadesservicos-financeiros

Mais de Mercados

Casas Bahia reduz prejuízo e eleva margens, mas vendas seguem fracas; CEO está confiante na retomada

Tencent aumenta lucro em 47% no 3º trimestre com forte desempenho em jogos e publicidade

Ações da Americanas dobram de preço após lucro extraordinário com a reestruturação da dívida

Na casa do Mickey Mouse, streaming salva o dia e impulsiona ações da Disney