São Paulo - Menos de três anos depois de Eike Batista ter sido chamado de “orgulho do Brasil” pela presidente Dilma Rousseff, o Ministério Público Federal tentará colocar o ex-bilionário na prisão sob acusação de insider trading em um julgamento previsto para o final deste mês.
Ele seria o primeiro.
Em um país onde a maioria dos grandes negócios vaza, ninguém jamais foi preso pelo uso de informação privilegiada desde que essa atividade foi tornada crime, há 13 anos.
E as multas são pequenas: dos 57 casos de insider trading julgados pela Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, entre 2006 e 2013, apenas sete tiveram multas de mais de R$ 400 mil.
O conselho de autorregulação da BM&FBovespa, operadora da Bolsa de Valores e Derivativos do Brasil, disse no ano passado ter detectado 91.000 transações com volumes ou movimentos nos preços das ações suspeitas de irregularidades.
A CVM julgou apenas 10 casos em 2013 e três neste ano.
“O insider trading claramente está difundido no Brasil e nós, como investidores, seríamos ingênuos se não acreditássemos nisso”, disse David Riedel, presidente da Riedel Equity Research em Greenbrae, Califórnia.
“Existe um padrão consistente de vazamentos. Mas o problema não são as leis -- e sim o fato de elas não serem cumpridas”.
Brookfield, Brasil Brokers
No dia 16 de setembro o Ibovespa teve a maior alta em dois anos antes da publicação de uma pesquisa eleitoral para a presidência devido à especulação de que ela mostraria as intenções de voto no candidato mais pró-mercado, Aécio Neves,crescendo.
A pesquisa divulgada duas horas depois do fechamento do mercado confirmou exatamente isso.
No dia 23 de janeiro, a Brookfield Incorporações SA disparou 21 por cento devido aos rumores de que sua controladora fecharia o capital da empresa. O acordo foi anunciado quatro dias depois.
E a CVM disse em um comunicado desta semana que multou três acionistas controladores da corretora imobiliária Brasil Brokers Participações SA em R$ 300.000 (US$ 120.000) cada por negociarem ações antes da publicação dos resultados da empresa em 2011.
A Brasil Brokers disse em um e-mail que a empresa não foi investigada pela CVM por nenhum assunto relacionado aos mercados de capitais.
Procurada pela Bloomberg, a Brookfield citou um fato relevante de 23 de janeiro em resposta a questionamento da BMF&Bovespa e da CVM a respeito da alta das ações. A empresa disse no documento que “não conhece nenhum fato que possa justificar isso”.
Em resposta a perguntas sobre se está investigando o vazamento da pesquisa ou a alta das ações da Brookfield, a CVM disse que não comenta casos específicos.
Por e-mail, o órgão regulador do mercado também disse que está “cumprindo todas as suas obrigações legais”.
Caso contra Eike
O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro denunciou Eike Batista, empresário que perdeu a maior parte de sua fortuna de US$ 34,5 bilhões quando seu império de energia e commodities entrou em colapso, por uso ilegal de informação privilegiada para vender ações de sua empresa de petróleo.
A companhia, na época conhecida como OGX, despencou 95 por cento em 2013 quando entrou com pedido de recuperação judicial após reduzir as suas metas de produção e suspender a maior parte das operações.
O julgamento do caso contra Eike está programado para começar em um tribunal do Rio no dia 18 de novembro.
O advogado de Eike Batista, Sérgio Bermudes, não respondeu a um telefonema e a pedidos de comentário enviados por e-mail. Ele havia dito anteriormente que as acusações contra Batista eram infundadas.
Embora as leis que regem os mercados financeiros no Brasil sejam adequadas, a CVM não possui tecnologia, pessoal e verba para garantir o total cumprimento das leis, disse Eduardo Salomão Neto, sócio do escritório de advocacia Levy Salomão Advogados, em São Paulo.
‘Grandes crimes’
“É uma questão de dinheiro, mas é também uma questão de criatividade”, disse ele, acrescentando que a estrutura legal brasileira dificulta o cumprimento de várias e não apenas as regras contra crimes de colarinho branco.
“Os reguladores podem fazer parcerias com a polícia e o Ministério Público para promover investigações mais sofisticadas, que poderiam levar à descoberta de crimes e criminosos de maior porte. Os crimes que são detectados e punidos agora são muito pequenos -- deve haver crimes maiores sobre os quais ninguém jamais ouviu falar”.
A CVM disse em sua resposta por e-mail que seu orçamento não prejudica seu trabalho.
Embora não sejam ilegais, os vazamentos também aparecem regularmente nos jornais antes dos anúncios oficiais.
Das 11 maiores fusões e aquisições anunciadas no Brasil nos últimos dois anos, os jornais e agências de notícias informaram pelo menos sete antes de o anúncio oficial, segundo dados compilados pela Bloomberg News.
A empresa de diagnósticos médicos Fleury Medicina e Saúde caiu 9 por cento no dia 31 de julho depois que a revista Exame informou que as negociações para venda da empresa à firma de private-equity Gávea Investimentos estavam paralisadas.
A Gávea anunciou no mês passado que as discussões haviam sido completamente abandonadas.
Credit Suisse
O Credit Suisse Group pagou a maior multa da história do Brasil em um acordo com a CVM para encerrar uma investigação de irregularidades.
O banco com sede em Zurique concordou em pagar R$ 19,3 milhões para encerrar uma investigação da CVM a respeito do suposto uso de insider information.
O banco de investimentos comprou ações da Embraer em 2006 antes de a fabricante de aviões anunciar mudanças em sua estrutura de capital e de governança corporativa que lhe permitiriam ser negociada no Novo Mercado, um segmento da BM&FBovespa com padrões mais altos de governança corporativa.
O Fleury disse em um e-mail que perguntou ao seu acionista controlador a respeito da reportagem da Exame na época e que ele lhe respondeu que não havia fatos relevantes a informar.
O fato relevante sobre o fim das negociações foi enviado no dia 20 de outubro, imediatamente depois que a companhia foi notificada pelo controlador, disse o Fleury.
O Credit Suisse não respondeu a um pedido para comentar o assunto.
‘Triste e desencorajador’
Enquanto o Ibovespa registrou a maior queda entre os principais índices do mundo desde o início de setembro, os casos de suposto insider trading prejudicam a credibilidade dos mercados brasileiros, segundo Maria Helena Santana, ex-presidente da CVM.
Apenas uma fração de negócios suspeitos é investigada e punida porque a CVM não possui funcionários e tecnologia para cumprir melhor as leis de insider trading, disse ela.
“Em resumo, isso é muito triste e desencorajador”, disse Santana.
E é isso o que torna o caso de Batista tão incomum, disse Riedel, da empresa de pesquisas de ações da Califórnia.
“Punir uma pessoa tão famosa, como os EUA fizeram com Martha Stewart, é algo que dá o exemplo”, disse ele, em referência à fundadora da Martha Stewart Living Omnimedia, presa por mentir a respeito de uma venda de ações.
Ela foi solta em março de 2005 após cumprir quase cinco meses de prisão e retornou para a companhia em 2012. “Batista pode se tornar um exemplo do que não deve ser feito”.
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1. Gordon Gekko
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1/9 Nos anos 1980, a SEC (reguladora do mercado de capitais americano) descobriu um grande esquema de insider trading. Ivan F. Boesky possuía informações que não eram públicas e que lhe foram passadas por Dennis Levine como parte de um esquema criminoso. Levine teria recebido as informações de banqueiros de investimento do Lazard Freres & Co e do Lehman Brothers. As informações diziam respeito a ofertas, fusões e outros negócios. Acredita-se que o comportamento de Boensky inspirou o personagem de Gordon Gekko no filme “Wall Street” de Oliver Stone. (Divulgação/Site Exame)
Nos anos 1980, a SEC (reguladora do mercado de capitais americano) descobriu um grande esquema de insider trading. Ivan F. Boesky possuía informações que não eram públicas e que lhe foram passadas por Dennis Levine como parte de um esquema criminoso. Levine teria recebido as informações de banqueiros de investimento do Lazard Freres & Co e do Lehman Brothers. As informações diziam respeito a ofertas, fusões e outros negócios. Acredita-se que o comportamento de Boensky inspirou o personagem de Gordon Gekko no filme “Wall Street” de Oliver Stone.
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2. Política
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2/9 Na mesma época, W. Paul Thayer, então ex-vice-secretário do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, também teve problemas. A SEC e o Departamento de Justiça, em investigações separada, descobriram que Tahyer havia divulgado informações privadas para seus amigos quando era CEO da LTV Corporation. Ele não ganhou dinheiro diretamente com o trading, mas sua reputação melhorava entre o grupo de amigos – cerca de oito amigos recebiam as informações, incluindo a amante de Tahyer. Ele foi preso e multado. (Getty Images/Site Exame)
Na mesma época, W. Paul Thayer, então ex-vice-secretário do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, também teve problemas. A SEC e o Departamento de Justiça, em investigações separada, descobriram que Tahyer havia divulgado informações privadas para seus amigos quando era CEO da LTV Corporation. Ele não ganhou dinheiro diretamente com o trading, mas sua reputação melhorava entre o grupo de amigos – cerca de oito amigos recebiam as informações, incluindo a amante de Tahyer. Ele foi preso e multado.
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3. Disney
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3/9 Em abril de 2010, um casal tentou vender informações privilegiadas sobre os resultados do segundo trimestre da Disney a gestores de hedge funds nos Estados Unidos e na Europa – mas eles só conseguiram “vender” o material para agentes do FBI disfarçados. O casal pediu dinheiro e participação nas operações realizadas em troca das informações. No dia da publicação, os dados finais não foram enviados horas antes da divulgação oficial, como havia sido prometido, mas o criminoso deu a dica sobre o lucro por ação a um dos agentes do FBI e acertou no valor – além de ter enviado um relatório que continha detalhes sobre as operações no período, e perspectivas futuras traçadas pela direção da Disney dois dias antes da publicação oficial. O casal foi preso. (Gene Duncan/Disney Parks via Getty Images/Site Exame)
Em abril de 2010, um casal tentou vender informações privilegiadas sobre os
resultados do segundo trimestre da Disney a gestores de hedge funds nos Estados Unidos e na Europa – mas eles só conseguiram “vender” o material para agentes do FBI disfarçados. O casal pediu dinheiro e participação nas operações realizadas em troca das informações. No dia da publicação, os dados finais não foram enviados horas antes da divulgação oficial, como havia sido prometido, mas o criminoso deu a dica sobre o lucro por ação a um dos agentes do FBI e acertou no valor – além de ter enviado um relatório que continha detalhes sobre as operações no período, e perspectivas futuras traçadas pela direção da Disney dois dias antes da publicação oficial. O casal foi preso.
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4. Goldman Sachs
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4/9 O esquema de insider trading de Eugene Plotkin, um associado da divisão de pesquisa de renda fixa do Goldman Sachs, e de Pajcin, ex-analista do mesmo banco resultou em ganhos ilícitos de, pelo menos, 6,7 milhões de dólares. O esquema começou em 2004 e incluía meios de obter informações de operações de fusões e aquisições do Merrill Lynch, com um analista de investimentos do banco, além da leitura de parte da revista Business Week antes que ela fosse às bancas e até conexões com “dançarinas” que poderiam obter informações com pessoas de Wall Street. (Getty Images/Site Exame)
O esquema de insider trading de Eugene Plotkin, um associado da divisão de pesquisa de renda fixa do Goldman Sachs, e de Pajcin, ex-analista do mesmo banco resultou em ganhos ilícitos de, pelo menos, 6,7 milhões de dólares. O esquema começou em 2004 e incluía meios de obter informações de operações de fusões e aquisições do Merrill Lynch, com um analista de investimentos do banco, além da leitura de parte da revista Business Week antes que ela fosse às bancas e até conexões com “dançarinas” que poderiam obter informações com pessoas de Wall Street.
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5. Burger King
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5/9 A SEC investigou dois brasileiros após a aquisição do Burguer King pelo 3G Capital, em 2010. A informação da compra teria vazado e sido utilizada pelos dois investidores e também espalhada a algumas outras pessoas. (Justin Sullivan/Getty Images/Site Exame)
A SEC investigou dois brasileiros após a aquisição do Burguer King pelo 3G Capital, em 2010. A informação da compra teria vazado e sido utilizada pelos dois investidores e também espalhada a algumas outras pessoas.
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6. Sadia
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6/9 O primeiro caso de insider levado ao Judiciário brasileiro foi o de dois ex-executivos da Sadia Que lucraram no mercado de capitais norte-americano valendo-se de informações privilegiadas que detinham sobre a oferta hostil da Sadia pela Perdigão. Os executivos foram denunciados em 2009 pelo Ministério Público Federal (MPF) após ficar constatado que lucraram com a negociação de ações da Perdigão na Bolsa de Nova York logo após participarem das tratativas da Sadia para a aquisição da concorrente, como nas negociações para a viabilização de empréstimos e na elaboração da oferta de mercado. Eles foram multados e presos. (LIA LUBAMBO / EXAME/Site Exame)
O primeiro caso de insider levado ao Judiciário brasileiro foi o de dois ex-executivos da Sadia Que lucraram no mercado de capitais norte-americano valendo-se de informações privilegiadas que detinham sobre a oferta hostil da Sadia pela Perdigão. Os executivos foram denunciados em 2009 pelo Ministério Público Federal (MPF) após ficar constatado que lucraram com a negociação de ações da Perdigão na Bolsa de Nova York logo após participarem das tratativas da Sadia para a aquisição da concorrente, como nas negociações para a viabilização de empréstimos e na elaboração da oferta de mercado. Eles foram multados e presos.
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7. A maior
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7/9 Nem Warren Buffett escapou do insider trading – mas não na ponta criminosa. Quando Buffett comprou 5 bilhões de dólares em ações do Goldman Sachs no meio da crise financeira em 2008, o mercado seguiu o guru e as ações dispararam. Raj Rajaratnam, fundador da Galleon, sabia antecipadamente que Buffett faria tal aquisição e comprou papeis do banco logo antes da compra para vender logo depois. Segundo a SEC (Securities and Exchange Commission) o então funcionário do Goldman Sachs, Rajat K. Gupta teria vazado a informação da iminência do investimento a ser realizado por Buffett a Rajaratnam. Gupta foi acusado de ter passado entre março de 2007 e janeiro de 2009 dados confidenciais a Rajaratnam e foi sentenciado a dois anos de prisão. Raj Rajaratnam é considerado o responsável pela maior fraude por uso de informação privilegiada da história. Ele foi condenado a 11 anos de prisão. (Mario Tama/Getty Images/Site Exame)
Nem Warren Buffett escapou do insider trading – mas não na ponta criminosa. Quando Buffett comprou 5 bilhões de dólares em ações do Goldman Sachs no meio da crise financeira em 2008, o mercado seguiu o guru e as ações dispararam. Raj Rajaratnam, fundador da Galleon, sabia antecipadamente que Buffett faria tal aquisição e comprou papeis do banco logo antes da compra para vender logo depois. Segundo a SEC (Securities and Exchange Commission) o então funcionário do Goldman Sachs, Rajat K. Gupta teria vazado a informação da iminência do investimento a ser realizado por Buffett a Rajaratnam. Gupta foi acusado de ter passado entre março de 2007 e janeiro de 2009 dados confidenciais a Rajaratnam e foi sentenciado a dois anos de prisão. Raj Rajaratnam é considerado o responsável pela maior fraude por uso de informação privilegiada da história. Ele foi condenado a 11 anos de prisão.
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8. SAC Capital
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8/9 Em 2013, o gestor Michael Steinberg, do hedge fund SAC Capital Advisors, foi indiciado como parte de uma longa investigação de insider trading. O gestor foi acusado de operar com ações da Dell Inc e da Nvidia Corp usando informações não disponíveis ao público. Steinberg foi o empregado mais graduado da SAC Capital Advisors a ser indiciado no inquérito do governo norte-americano sobre como os hedge funds operam com base em informações obtidas ilegalmente. Nove pessoas, incluindo Steinberg, foram indiciadas ou envolvidas nas acusações de irregularidades em operações na época em que trabalhavam na SAC, um fundo de 15 bilhões de dólares, que pertence ao investidor Steve A. Cohen. (REUTERS/Brendan McDermid/Site Exame)
Em 2013, o gestor Michael Steinberg, do hedge fund SAC Capital Advisors, foi indiciado como parte de uma longa investigação de insider trading. O gestor foi acusado de operar com ações da Dell Inc e da Nvidia Corp usando informações não disponíveis ao público. Steinberg foi o empregado mais graduado da SAC Capital Advisors a ser indiciado no inquérito do governo norte-americano sobre como os hedge funds operam com base em informações obtidas ilegalmente. Nove pessoas, incluindo Steinberg, foram indiciadas ou envolvidas nas acusações de irregularidades em operações na época em que trabalhavam na SAC, um fundo de 15 bilhões de dólares, que pertence ao investidor Steve A. Cohen.
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9. Martha Stewart
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9/9 Martha Stewart, estrela da televisão nos Estados Unidos com dicas para decoração e culinária também se beneficiou das dicas do mercado. A acusação da SEC, a CVM norte-americana, foi de que Martha vendeu ações de uma empresa biofarmacêutica, a ImClone Systems, após receber informações privilegiadas de seu corretor. Eles haviam, inclusive, criado um álibi para a operação. Na época, a situação de Martha foi agravada pelo fato de ela ser chairman e CEO da Martha Stewart Living Omnimedia, uma companhia aberta. Ela ficou presa por cinco meses e passou mais cinco em prisão domiciliar. (Getty Images/Site Exame)
Martha Stewart, estrela da televisão nos Estados Unidos com dicas para decoração e culinária também se beneficiou das dicas do mercado. A acusação da SEC, a CVM norte-americana, foi de que Martha vendeu ações de uma empresa biofarmacêutica, a ImClone Systems, após receber informações privilegiadas de seu corretor. Eles haviam, inclusive, criado um álibi para a operação. Na época, a situação de Martha foi agravada pelo fato de ela ser chairman e CEO da Martha Stewart Living Omnimedia, uma companhia aberta. Ela ficou presa por cinco meses e passou mais cinco em prisão domiciliar.