Operadores na Bovespa: hoje o mercado discute formas de retomar o crescimento, atraindo mais empresas e investidores (Germano Lüders/EXAME)
Da Redação
Publicado em 14 de julho de 2015 às 16h28.
São Paulo - Quem hoje vê a bolsa brasileira negociando bilhões de reais por dia por meio de robôs que fazem milhares de operações por minuto nem imagina como era o mercado brasileiro de ações há 50 anos.
As corretoras eram licenças pessoais, hereditárias, concedidas pelo governo, e as negociações ocorriam, acredite, em ordem alfabética.
O início da revolução da bolsa ocorreu quando foi criada a Lei do Mercado de Capitais, neste mesmo dia 14 de julho, e que completa hoje 50 anos.
O assunto é a capa da revista RI deste mês, que traz depoimentos de um dos participantes desse processo, o veterano economista Ronaldo Nogueira.
Segundo a revista, de todas as mudanças do mercado nas últimas décadas, a criação do marco legal foi a mais dramática e transformadora.
Até então, os corretores eram nomeados pelo poder público e a função era transmitida por herança, como num regime cartorial e pouco profissional.
Os pregões duravam meros 20 minutos e a negociação das ações se dava por ordem alfabética.
Essa forma de realizar os negócios provocava diversas distorções que abriam espaço para manipulação. “Naquela época, normalmente quando o mercado abria em queda, e era uma ação atrás da outra, uma determinava o comportamento da seguinte”, lembra Nogueira.
Em 1964, ele era “preposto sucessor” (o “herdeiro”) de um corretor na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, então o maior mercado do país, e iniciou o movimento que culminaria na criação da lei.
Segundo ele, tudo começou com um pregão que acabou influenciado pela forma arcaica como o mercado funcionava. “Naquele dia, houve uma inversão, com um forte movimento de compra no grito”, lembra Nogueira.
“Quando a tendência virou, todo mundo começou a comprar.” Poucos minutos depois, ao fim do pregão, ele via corretores gritando “Comprei meu apartamento! Ganhei minha viagem” e outros desolados e silenciosos, humores influenciados pela ordem alfabética que ditava o momento das negociações de suas empresas.
Reforma mais ampla
A mudança do mercado acompanhou a reforma do sistema financeiro brasileiro, comandada pelo economista Octávio Gouvêa de Bulhões, ministro da Fazenda indicado pelo regime militar instaurado a partir do golpe de 1964.
Bulhões foi responsável, entre outras coisas, pela criação do Banco Central (antes Superintendência da Moeda e do Crédito) e do Conselho Monetário Nacional (CMN).
O ministro era tio da mulher de Nogueira, que foi procurá-lo depois do fatídico pregão, indignado com a manipulação do mercado.
Bulhões marcou um jantar com ele e com o amigo Guilherme Leão de Moura, que trabalhava na área técnica da Bolsa do Rio, e pediu que eles preparassem uma proposta de regulação do mercado.
Em meio a idas e vindas, que incluíram até a pressão da sogra de Nogueira e tia do ministro Bulhões, surgiu a Lei 4.728, de 14 de julho de 1965, que regulamentou o mercado de capitais, incluindo a legislação das bolsas de valores e a transformação dos corretores em sociedades corretoras, acabando com o sistema de concessões, mas mantendo o sistema de cartas patentes concedidas pelo Banco Central.
As autorizações passaram a ser, porém, para empresas, e não mais pessoas físicas, o que ajudou a profissionalizar o mercado. Foram criados também os bancos de investimentos, com o papel de fomentar as operações de mercado aberto.
De lá para cá, o mercado brasileiro de ações se concentrou em uma única bolsa, a BM&FBovespa, também responsável pelos negócios de mercadorias e futuros.
Com a desmutualização do mercado, as corretoras deixaram de ser donas das bolsas e ficou mais fácil para concorrentes ingressarem no segmento.
Hoje, o mercado discute formas de retomar o crescimento, atraindo mais empresas e investidores, mas esbarra ainda em problemas econômicos, que inibem aberturas de capital, e estruturais, incluindo intervenção do governo e falta de governança das empresas.