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Gustavo Franco: Ensaios

"O presidente eleito, já no desempenho do mandato, parece ter preservado ainda por mais um tempo as liberdades de candidato ao abordar temas como a independência do Banco Central e a taxa de juros"

Gustavo Franco, ex-presidente do BC e sócio da Rio Bravo Investimentos (Dado Galdieri/Bloomberg/Getty Images)

Gustavo Franco, ex-presidente do BC e sócio da Rio Bravo Investimentos (Dado Galdieri/Bloomberg/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 3 de fevereiro de 2023 às 06h30.

Última atualização em 3 de fevereiro de 2023 às 09h38.

A hipersensibilidade aos gestos e sinais das autoridades vem do ano passado, sendo típica da temporada eleitoral, quando o público procura antecipar o que farão os candidatos a partir de discursos e declarações à imprensa. O presidente eleito, já no desempenho do mandato, parece ter preservado ainda por mais um tempo as liberdades de candidato ao abordar temas como a independência do Banco Central e a taxa de juros, bem como a ideia de que certos gastos públicos deveriam ser tratados como se fossem investimentos, e mesmo a tese pela qual Dilma Rousseff deixou a presidência por conta de um golpe de estado.

Até que ponto se deve tomar essas falas como orientações do governo?

É claro que o presidente precisa se afastar do palanque, mas é provável que, à semelhança de seu predecessor, nunca deixará totalmente esse espaço. Depois do advento da reeleição, os presidentes parecem sempre estar em campanha, o que serve para colocar em contexto os seus exageros verbais.

Entretanto, Lula não deve disputar a reeleição, de modo que seus destemperos verbais não deveriam ser interpretados ao pé da letra. Mas sempre que o presidente fala sobre economia cria problemas para o seu ministro da Fazenda, ao menos quanto à ênfase. Na verdade, não há nada de novo em “problemas de ênfase”, como normalmente se definem as possíveis inconsistências entre o que diz o presidente e o que pratica o ministro. Está em teste, ou em construção, a capacidade de alinhamento entre o presidente e seu ministro. Espera-se que a convergência seja rápida.

O fato é que janeiro não foi tão calmo como costuma ser, a começar pela longa e elaborada costura para definir o novo ministério simultaneamente à passagem de uma Emenda Constitucional de índole orçamentária, passando pelo “Capitólio brasileiro”, as arruaças golpistas de 8 de janeiro, e culminando com o primeiro “pacote” do ministro Haddad no dia 12.

Na segunda quinzena do mês, as viagens para Davos, seguida de outra para Argentina e Uruguai, serviram como distração para os temas da primeira quinzena. Era período de recesso parlamentar, e o Congresso que toma posse no mês de fevereiro dá início a uma nova legislatura. Não é possível, neste momento, especular muito firmemente sobre como o Legislativo reagirá às pautas do ministro da Fazenda. Era preciso passar pela eleição dos chefes das duas casas legislativas, havendo certa indefinição quanto ao Senado.

Os eventos, em particular as imagens, dos atos golpistas de 8 de janeiro, ainda ressoam pesadamente no noticiário. Mesmo que as sequelas se prolonguem por semanas, é pouco provável que arrefeçam o ritmo da política econômica.

O pacote de 12 de janeiro inovou em primeiro lugar porque trouxe juntos dois dos três membros do novo Conselho Monetário Nacional (CMN), que retorna ao desenho original de 1994, com a recriação do ministério do Planejamento. Essa foi a medida mais importante, e a menos falada no pacote.

Era preciso definir (através de uma Medida Provisória, a de n. 1.158, pois é matéria de lei) a nova composição do CMN, bem como de sua Comissão Técnica da Moeda e do Crédito (COMOC) idealmente sem trazer nenhuma inovação na governança da moeda e na delicada dinâmica do sistema de metas para a inflação.

Foi exatamente esta a intenção e a mensagem de um vídeo do ministro que circulou antes do pacote. Entretanto, teve efeito muito ruim. O ministro confundiu o CMN com a CVM, demonstrando desconhecer a função de ambos os colegiados.

Mas não houve erros na coletiva dos ministros, não devendo ser perdido de vista que, nesse novo CMN com três membros, estão reunidos, como numa “coalizão”, o PT, a 3ª via e o Banco Central.

Diante dessa imagem, e da importância da manutenção das regras de governança da moeda, as medidas fiscais foram, de longe, a pior parte, inclusive porque desnecessária, do anúncio do dia 12. Confirmando esta percepção, e confiando em seus instintos, o ministro cometeu um “sincericídio” inesperado, que, todavia, para muitos, foi a inovação mais festejada do pacote: o ministro exibiu ceticismo quanto seu próprio pacote e rumou para Davos parecendo afastar-se dos temas do pacote e de seu indefectível power point. Mais importante que os cálculos estimativos sobre os efeitos das medidas eram as falas pró-responsabilidade fiscal, também vagas, mas contundentes.

Não é trivial que candidatos à presidência falem de responsabilidade fiscal em termos objetivos, um desafio evidente para aquele grupo, como ficou patente pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, que continuou se esforçando para pronunciar as palavras “emprego e renda” em suas intervenções, como fazia como candidata. Implicitamente, ficou claro que o equilíbrio fiscal, tarefa daqueles ministros, é pré-requisito para “emprego e renda”, uma tese “fundadora” da coalizão que elegeu Lula.

O fato é que foi da “máquina” que vieram as duas medidas tributárias que atraíram mais atenção, nada de novo: o que parece ser (ou está a caminho de se tornar) um novo REFIS (o programa “litígio zero”) e o assunto do voto de qualidade no CARF.

Há uma curiosa armadilha retórica nessas medidas: como propor o “litígio zero” como conceito ao mesmo tempo em que se buscava determinar que todos os litígios sejam decididos a favor da Fazenda?

Tem sido muito contestada a proposta de retorno do “voto de qualidade” a favor do governo no CARF, que é o tribunal administrativo onde contribuintes questionam atos da fiscalização. Um tribunal não é uma repartição arrecadadora, e as autoridades (na verdade, o power point) associaram não apenas um número (R$ 60 bilhões) à medida, mas uma lista de exatas 19 “teses” que vêm sendo decididas a favor do contribuinte de forma supostamente indevida. Por que não tratar o mérito de cada uma dessas teses, e dirimir as dúvidas de interpretação sobre a legislação tributária em cada caso, em vez de ajustar o VAR?

O novo Congresso terá de se debruçar sobre estes temas, e alguns outros muito difíceis como a desoneração dos combustíveis, os limites do Simples, o reajuste da tabela progressiva, assim como as pautas mais estruturantes como as da reforma tributária e o novo arcabouço fiscal, qualquer que seja o exato significado desses termos. Por ora, só tivemos ensaios, e sem a participação integral do Legislativo, que entra em cena para valer apenas no mês que vem.

Janeiro termina com uma reunião do COPOM, que, como esperado, não trouxe alteração da SELIC: é na reunião de março que talvez se observem algumas das primeiras tensões entre o Palácio e o Banco Central em torno da política monetária. As falas presidenciais, conjugadas à confirmação do CMN, rapidamente trouxeram o assunto de uma possível revisão para cima da meta de inflação, assunto delicado e inédito, e provavelmente destinado a provocar intenso mau humor nos mercados. Será um desafio difícil para Lula e seu ministro: uma coisa é esbravejar contra os juros altos, um direito exercido por todos os presidentes da República do passado, outro é mandar subir a inflação.

*Gustavo Franco é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil. Este artigo faz parte da Carta Estratégias de janeiro relatório mensal distribuído pela Rio Bravo a seus clientes e reproduzido com exclusividade pela EXAME Invest.

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