Diferença entre captação e empréstimo explica porque o crédito é tão caro no Brasil e afeta diretamente o bolso do consumidor. ( Xavier Lorenzo/Getty Images)
Publicado em 27 de março de 2025 às 17h21.
O acesso ao crédito é um elemento central da vida econômica — tanto para consumidores quanto para empresas. No Brasil, porém, ele é historicamente caro. Mesmo quando a Selic, taxa básica de juros da economia, é reduzida, os juros ao consumidor final seguem elevados.
A explicação para esse descompasso está, em grande parte, no spread bancário. O termo, que pode parecer técnico, tem efeito direto sobre a vida de quem toma empréstimos, faz financiamentos ou usa o rotativo do cartão de crédito.
Este se refere à diferença entre a taxa de captação do banco (quanto ele paga para obter dinheiro) e a taxa de empréstimo (quanto cobra do cliente final). Ao entender esse conceito, o consumidor passa a enxergar com mais clareza os fatores que tornam o crédito tão caro no país — e o que pode ser feito para mudar esse cenário.
O spread bancário não representa apenas o lucro dos bancos. Ele é formado por cinco componentes principais, que ajudam a explicar a complexidade do sistema de crédito no Brasil:
É o valor que o banco paga para captar dinheiro no mercado. Essa taxa costuma estar atrelada à Selic ou ao CDI. Quanto maior a Selic, maior o custo inicial da operação de crédito. Ou seja, se o banco paga 13% ao ano para captar, esse custo já entra no cálculo do que será cobrado no empréstimo.
Inclui todas as despesas necessárias para manter o banco funcionando — salários, manutenção de agências, sistemas de TI, call centers, compliance, entre outros. Em grandes bancos tradicionais, essa estrutura é mais pesada e cara, o que encarece o serviço ao cliente.
Representa a probabilidade de o cliente não pagar a dívida. Quanto maior a inadimplência no país ou em determinado perfil de cliente, maior será o risco percebido pelo banco — e, por consequência, maior o juro cobrado como forma de compensação.
Os bancos pagam diversos impostos e contribuições sobre operações financeiras, como IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e PIS/Cofins. Esses tributos são repassados ao consumidor final, inflando o custo do crédito.
É o retorno financeiro desejado pela instituição após cobrir todos os custos e riscos. Essa margem pode variar bastante, dependendo da estratégia comercial, do perfil de cliente e do produto oferecido (empréstimo pessoal, cartão, financiamento, etc).
O cálculo do spread bancário é simples na aparência, mas complexo em sua composição. Ele é definido como a diferença entre a taxa que o banco paga para captar recursos e a taxa cobrada do cliente final na concessão do crédito. Um exemplo prático ajuda a ilustrar:
Se um banco capta dinheiro a 13% ao ano (próximo da Selic) e empresta a 40% ao ano num crédito pessoal. O spread bruto será de de 27 pontos percentuais.
Mas esse número não é todo lucro. Dentro desses 27%, estão embutidos todos os custos operacionais, os impostos, o risco de inadimplência e a margem de lucro.
O Banco Central publica, em seus relatórios periódicos, a decomposição desse spread por tipo de operação (cheque especial, cartão, crédito pessoal, etc.), o que ajuda a entender por que alguns produtos têm juros tão altos.
O Brasil tem um dos maiores spreads bancários do mundo — e isso não é à toa. Há vários fatores estruturais que explicam esse fenômeno:
Inadimplência elevada: com um grande número de pessoas e empresas inadimplentes, os bancos aumentam os juros como precaução, criando uma espécie de “taxa de risco”. Quanto maior o calote, maior o spread;
Baixa recuperação de crédito: o sistema judiciário brasileiro é lento e burocrático. Processos de cobrança podem levar anos, o que reduz as chances de o banco recuperar o dinheiro emprestado. Isso eleva o risco e os custos, que são repassados ao consumidor;
Tributação pesada: o setor financeiro é um dos mais tributados do país. Segundo estimativas da própria Febraban, os tributos representam mais de 20% da composição do spread bancário;
Concentração bancária: poucos grandes bancos dominam o mercado de crédito. Isso limita a concorrência e permite que essas instituições pratiquem spreads elevados sem risco de perder participação de mercado;
Custos operacionais elevados: muitos bancos ainda operam com estruturas antigas, cheias de burocracia e agências físicas. Isso aumenta o custo fixo e, portanto, o custo do crédito;
Assimetria de informações: sem dados precisos sobre o comportamento de crédito do cliente (histórico, pagamentos, inadimplências), os bancos adotam uma postura conservadora e cobram juros mais altos para se proteger.
Sim, mas é para isso é necessário atacar vários pontos estruturais ao mesmo tempo. Veja algumas soluções em andamento e outras que ainda precisam avançar:
Com mais dados sobre o comportamento de pagamento dos clientes, os bancos podem avaliar melhor os riscos e cobrar juros mais justos. A ampliação do uso dessa ferramenta ainda é limitada, mas tem grande potencial.
Melhorar a eficiência da cobrança judicial (com prazos mais curtos, processos digitais e menos burocracia) pode reduzir os prejuízos por inadimplência e permitir juros mais baixos.
O avanço de fintechs e bancos digitais, com estruturas mais leves e tecnológicas, tem pressionado os grandes bancos a oferecerem melhores condições. Ampliar o acesso dessas empresas ao sistema financeiro pode acelerar a queda dos spreads.
Com mais conhecimento sobre juros, dívidas e produtos financeiros, os consumidores passam a tomar decisões mais conscientes, o que tende a reduzir a inadimplência e melhorar a oferta de crédito.
Tecnologias como análise de dados, inteligência artificial e Open Finance ajudam a tornar a concessão de crédito mais rápida, barata e precisa, beneficiando tanto instituições quanto consumidores.
O spread bancário impacta diretamente o custo de vida, o acesso ao consumo e a saúde financeira das famílias. Além disso, faz com que os empréstimos fique mais caros e os financiamentos mais difíceis. Comprar um carro, financiar um imóvel ou abrir um negócio exige crédito. Se ele é caro demais, essas metas ficam fora do alcance de boa parte da população.
Os cartões de crédito com rotativo abusivo também transformam dívidas pequenas em bolas de neve, levando à inadimplência.
Tudo isso impacta na redução do consumo e do investimento. Com menos crédito disponível ou acessível, famílias e empresas consomem menos, o que impacta o crescimento econômico e a geração de empregos.
Entender o spread bancário é essencial para quem deseja usar o crédito com inteligência e evitar armadilhas financeiras. Saber que o juro cobrado não é apenas uma decisão do banco, mas o reflexo de um sistema com custos elevados, baixa concorrência e riscos altos, permite ao consumidor:
Avaliar com mais cuidado se vale a pena tomar um empréstimo;
Buscar alternativas mais baratas, como o crédito com garantia ou fintechs;
Negociar melhor as taxas com bancos tradicionais;
Exigir mais transparência e políticas públicas que incentivem um mercado de crédito mais justo.
Com o avanço da digitalização financeira, ferramentas de comparação, dados do Banco Central e o uso consciente do crédito, o consumidor pode tomar decisões mais bem informadas e proteger seu dinheiro de juros abusivos.