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FIIs de papel: você sabe onde pisa?

É importante entender o que há por trás dos yields atrativos

Vista aérea de São Paulo: investimento em fundos imobiliários cresce entre pessoas físicas | Foto: Germano Lüders/EXAME (Germano Lüders/Exame)

Vista aérea de São Paulo: investimento em fundos imobiliários cresce entre pessoas físicas | Foto: Germano Lüders/EXAME (Germano Lüders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 19 de novembro de 2021 às 18h59.

Por Ricardo Schweitzer*

Tenho, ao longo dos últimos meses, dedicado parte do meu tempo a prestar consultorias individuais a investidores que buscam uma opinião independente sobre seus portfólios.

Muito embora essa atividade demande mais do meu tempo do que eu gostaria, tenho que reconhecer que tem sido uma experiência muito gratificante: o analista se acostuma a trabalhar sozinho, sem muita interlocução com o público final. E ter a oportunidade de dedicar algum tempo exatamente a ouvir quem está do outro lado tem me ajudado muito a crescer e entender as expectativas e as dificuldades do público em geral.

Tenho, também, me surpreendido bastante com o nível de sofisticação de muitos clientes, com carteiras com bastante coerência interna -- contrariando a minha expectativa de encontrar verdadeiros Frankensteins compostos de recomendações “catadas” aqui e acolá. Eles existem, mas em menor proporção do que eu imaginava…

Mas algo tem me chamado a atenção: se, por um lado, não me era novidade que os Fundos de Investimento Imobiliário caíram no gosto dos investidores pessoa física -- as estatísticas da B3 estão aí para mostrar isso há bastante tempo --, por outro tem sido uma constante a grande exposição a uma subcategoria específica deles: os FIIs de CRIs ou, mais genericamente, fundos de papel.

O que vem a ser isso?

A imagem mais comum que vem à cabeça quando se pensa num fundo imobiliário é um condomínio de investidores que se reúnem para adquirir imóveis para alugar. O fundo levanta dinheiro junto ao público e utiliza esses recursos para comprar lajes comerciais, galpões logísticos etc. Tais imóveis são alugados e os aluguéis desses imóveis se convertem na receita do fundo, da qual são deduzidas as despesas operacionais. O que sobra é majoritariamente distribuído aos cotistas. Este é o famigerado fundo de tijolo.

O fundo de papel, por sua vez, não tem por objetivo o investimento em imóveis, mas, sim, em instrumentos financeiros que são originados a partir de operações imobiliárias -- os recebíveis imobiliários. São eles os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), as Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e as Letras Hipotecárias (LHs).

Grosseiramente falando, uma instituição oferece algum tipo de financiamento imobiliário e antecipa o recebimento desses recursos repassando ao mercado o direito de recebimento dos pagamentos futuros dessa operação. Esse repasse se dá por meio dos CRIs, das LCIs e das LHs.

Essas duas últimas são emitidas por instituições financeiras: se você tem um financiamento imobiliário, saiba que são grandes as chances de o banco para quem você paga a parcela não ser mais o beneficiário final do seu pagamento, pois ele talvez já tenha repassado isso adiante ao mercado (por meio de uma LCI, por exemplo).

Já os CRIs são emitidos por companhias securitizadoras, que são um bicho à parte (e já já explico o porquê). Aqui, tipicamente, temos uma construtora que vendeu imóveis e deseja antecipar o recebimento do produto da venda. Tipicamente, as garantias dos CRIs são os próprios imóveis cuja venda gerou os recebíveis.

Muito poderia ser dito sobre as características de cada um desses instrumentos e dos seus riscos. O que quero chamar a atenção, entretanto, é mais geral: enquanto, no caso dos fundos de tijolo, você investe em imóveis, no caso dos fundos de papel você investe em títulos de crédito.

Enquanto, no caso dos fundos de tijolo, o trabalho é encontrar bons imóveis, adquiri-los a preços razoáveis, encontrar bons inquilinos e firmar contratos de aluguel a preços vantajosos e gerar valor via recebimento do fluxo de aluguéis e eventual valorização dos imóveis detidos pelo fundo… no caso dos fundos de papel, o trabalho é identificar e adquirir créditos cujo retorno seja compatível com o risco.

São skills bastante diferentes. E ouso dizer que, no caso dos fundos de papel, exige-se mais dos gestores, de sua capacidade de análise do risco de crédito, de seus processos internos etc.

Um dos grandes problemas quando se fala de risco de crédito é que, na maior parte do tempo, ele permanece praticamente invisível para quem olha de fora. O fato de determinado fundo não ter experimentado nenhum evento adverso num determinado período de tempo não necessariamente significa que seus processos de análise de risco são robustos.

É somente nos momentos de efetiva turbulência que teremos alguma chance de ver quem trabalhou bem ou não.

Como fica bastante evidente pelo que escrevi até aqui, não se trata de um investimento nada simples. Não dá para exaurir o tema num artigo (e, francamente, eu nem sou suficiente conhecedor da matéria para isso…).

O que é mais alarmante, para mim, é que não é pequeno o número de investidores que têm exposição relevante ao segmento e não têm consciência da complexidade envolvida: são atraídos, simplesmente, pelos yields.

Fica a pergunta: você (e sua carteira) está preparado(a) para descobrir quem está nadando pelado quando a maré baixar?

Procure saber.

Esse artigo não visa demonizar os FIIs de papel, mas, sim, alertar a quem investe neles que o buraco é mais embaixo do que parece do ponto de vista de riscos; que talvez valha a pena gastar mais tempo e energia entendendo no que está investindo, conhecendo quem e como faz a análise de risco… e que, mesmo tendo feito toda a lição de casa, talvez ter 10%, 20%, 30% da carteira num fundo só pode não ser uma grande ideia.

*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional. Escreve a cada duas semanas na EXAME Invest.

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