Estudo da CVM mostra que pequeno investidor está insatisfeito com suas opções de investimento | Foto: Divulgação (CVM/Divulgação)
Beatriz Quesada
Publicado em 19 de julho de 2021 às 10h12.
Última atualização em 19 de julho de 2021 às 10h24.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), reguladora do mercado de capitais brasileiro, estuda formas de democratizar o mundo dos investimentos para o pequeno investidor, tornando-o menos elitizado.
Uma das mudanças em estudo é diminuir a barreira de entrada para que o chamado investidor de varejo seja considerado um investidor qualificado. São classificações que fazem muita diferença: ela separa os investidores por patrimônio aplicado, limitando o acesso a produtos mais sofisticados -- que oferecem maior potencial de retorno e maiores riscos -- apenas para quem tem mais de 1 milhão de reais em investimentos.
Os pequenos investidores têm acesso negado a esses investimentos porque, em tese, como envolvem maiores riscos, precisam de maior proteção do regulador. Fundos de investimentos que alocam 100% dos ativos no exterior, por exemplo, são vetados para quem tem menos de 1 milhão de reais investidos.
E essa não é uma quantia fácil de alcançar. “Hoje a base de investidores qualificados é formada por pessoas que adquiriram o valor por herança ou que juntaram capital ao longo da vida. Na prática o que a CVM faz é dar mais flexibilidade para o investidor em um momento em que ele já acumulou patrimônio e está 'despoupando' na aposentadoria”, afirma Bruno Luna, chefe da Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos (ASA) da autarquia.
Para Luna, isso representa uma incoerência. “A regra tira [autonomia] no momento em que os investidores estão acumulando patrimônio”, afirma. E quem investe tem sentido esse incômodo. Um estudo realizado pela ASA com 5.000 respondentes mostrou que metade (49,5%) dos investidores de varejo está “pouco satisfeita” com a disponibilidade de produtos financeiros oferecidos a eles.
É um entendimento semelhante ao da Anbima, a associação que reúne as entidades do mercado de capitais. A associação discorda das regras atuais argumentando que elas pressupõem que o conhecimento do investidor para tomar melhores decisões de alocação seja algo necessariamente relacionado ao tamanho do patrimônio que possui.
O estudo é o início de um debate que a CVM abre para revisar os critérios de classificação de investidores. “A CVM pode querer ou não, mas investidores já investem em produtos mais arriscados, até em criptoativos [que ainda não são regulados no Brasil]. Não existem barreiras práticas que impeçam o investimento”, defende Luna.
Além disso, a marca de 1 milhão de reais imposta pela legislação brasileira está acima da média mundial exigida por demais mercados, segundo a área técnica da CVM. Separar investidores pelo tamanho de patrimônio é comum ao redor do mundo, mas a média global exigida para ser considerado qualificado lá fora é equivalente a um valor em torno de 550 mil reais – quase metade do que é pedido no Brasil.
O estudo da ASA propõe uma mudança de limite de 1 milhão de reais (equivalente a 957 salários mínimos) para o equivalente a 600 salários mínimos (627 mil reais). O objetivo é alinhar o requisito à prática internacional e também manter o valor atualizado ao longo do tempo, uma vez que ele seria reajustado junto com o salário mínimo.
Outra novidade seria acrescentar um segundo critério de avaliação: a renda anual do investidor. A medida já é adotada em outros países, como Austrália, Estados Unidos e Reino Unido. Aplicada à realidade brasileira, a ASA estima que a medida exigiria uma remuneração mensal de 15 salários mínimos, o que equivale a um ganho de 16.500 reais ao mês.
É importante frisar que o estudo pode servir de base para eventuais mudanças, mas não há prazo ou garantia de que elas sejam implementadas integralmente de acordo com as recomendações da ASA. Segundo Luna, é provável que o tema entre em debate no final de 2021, quando é discutida a agenda da CVM para o ano seguinte.
Além disso, algumas demandas dos investidores podem ser solucionadas com outras discussões já em andamento. A CVM deve lançar ainda neste ano uma norma de reformulação total da indústria de fundos de investimento que pode permitir o acesso do investidor de varejo a fundos que invistam 100% do patrimônio líquido no exterior. Atualmente, o percentual está restrito a 20%.
Nenhuma mudança foi proposta para a classificação de investidor profissional, que precisa ter 10 milhões de reais em investimentos para acessar certos produtos e ofertas de ações.
O estudo da ASA também apresenta outras propostas de flexibilização que envolvem investidores de varejo. Uma delas é permitir o investimento em private equity. Desde 2017 é possível colocar capital em startups e pequenas empresas por meio das plataformas de investimento de crowdfunding. Mas os fundos de investimento em private equity (FIPs), ainda são exclusivos para investidores qualificados e profissionais.
O objetivo é estudar algum tipo de flexibilização para permitir que fundos destinados a investidores de varejo invistam alguma porcentagem do seu patrimônio em empresas privadas, com capital fechado. A pesquisa mostrou que 47% dos entrevistados têm interesse em participar desse mercado.
Investimentos em securitização também podem ficar mais acessíveis. Atualmente o investidor de varejo já tem acesso a investimentos em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), mas ainda enfrentam resistências para comprar CRIs diretamente.
“O CRI está sujeito a critérios que praticamente inviabilizam a compra [pelo pequeno investidor]. É mais uma incoerência, já que é possível comprar um fundo imobiliário 100% alocado em CRI mas não se consegue adquirir um CRI diretamente", argumenta Luna. O estudo da ASA sugere uma revisão nos critérios de investimento em CRI, para que fiquem tão acessíveis quanto os CRAs.
Já os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) – que são o maior segmento desse mercado em valor e em número de produtos –, por enquanto não podem receber aplicações de investidores de varejo. A restrição, porém, deve ser derrubada ainda neste ano pela norma de reformulação da indústria de fundos.