Apesar de seu fundo ser mais concentrado do que a média na indústria, o foco de Lewkowicz é apostar em estratégias descorrelacionadas, o que dilui esse risco (Leandro Fonseca/Exame)
Marília Almeida
Publicado em 17 de março de 2021 às 06h00.
Última atualização em 17 de março de 2021 às 22h15.
2021 ainda será um ano de instabilidade para os investimentos. Para Caio Lewkowicz, sócio e gestor da Tarpon Capital, a diferença é que agora o país está a meio caminho da solução para a pandemia. Mas não será fácil: as intervenções feitas pelo governo em estatais como a Petrobras e a renovação do auxílio emergencial tornam o cenário ainda complexo.
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A saída é apostar em ações de companhias que devem sair mais forte da crise, em segmentos como o de tecnologia, o de saúde e o de varejo alimentar, ao mesmo tempo em que se aplica em setores resilientes, como o de energia e o agronegócio. O gestor, cujo fundo se concentra em médias e grandes empresas listadas na bolsa, explica suas teses para investir em empresas como Hapvida (HAPV3), Locaweb (LWSA3), Arcos Dourados (listada nos EUA), Kepler Weber (KEPL3) e Alupar (ALUP11).
A Tarpon é uma gestora independente criada há 18 anos. Inicialmente, seu foco era investir em empresas listadas na bolsa. Em 2007 passou a estruturar IPOs (as ofertas públicas iniciais), como da Arezzo (ARZZ3) e da Direcional (DIRR3), até que passou a desenvolver companhias por meio de private equity, como a Brasil Agro e a Ômega, de energia renovável. Em 2012 já tinha posições relevantes em muitas delas, inclusive com assentos em conselhos.
A partir de 2018, a Tarpon decidiu separar a gestão de patrimônio de seu negócio de private equity. Nasceu então a Tarpon Capital, parte de um grupo, o SK Tarpon, que é composto por mais três gestoras, que atuam nos setores de tecnologia, agronegócios e logística. O intuito foi buscar mais autonomia ao negócio, que hoje tem 1 bilhão de reais sob gestão.
A gestora tem dois fundos de ações com horizonte de investimento de 3 a 5 anos (long only): o Tarpon GT, com posições concentradas em pequenas e médias empresas (small e mid caps), criado em 2010 e gerido por Rafael Maisonnave; e o Wahoo, criado há um ano e meio e gerido por Lewkowicz, concentrado em médias e grandes empresas (mid e large caps).
No ano passado, as cotas do Tarpon GT se valorizaram 15%, enquanto o Wahoo encerrou o ano com queda de quase 9% após cair quase 30% no início da pandemia.
O objetivo é montar um portfólio que atravesse qualquer cenário macroeconômico no país. São negócios resilientes, bem geridos, pouco alavancados e com margens altas. No Wahoo, um terço das cerca de 10 a 15 empresas no portfólio são mais expostas à economia, enquanto a tese do restante do portfólio é que a demanda irá crescer independentemente do cenário macroeconômico.
Apesar de seu fundo ser mais concentrado do que a média na indústria, o foco de Lewkowicz é apostar em estratégias descorrelacionadas, o que dilui esse risco teoricamente maior. O produto está disponível nas principais plataformas de investimentos, tem aplicação mínima de mil reais e cobra 2% de taxa de administração, além de 20% de taxa de performance sobre o que exceder o índice de referência.
Veja abaixo a entrevista concedida por Lewkowicz para a EXAME Invest:
Como a Tarpon navegou pela pandemia nos últimos 12 meses?
Entramos em 2020 relativamente otimistas, pois acreditávamos na recuperação cíclica do Brasil. Se olharmos para trás, tivemos quase uma década perdida. Os juros estavam caindo, e a renda do empresário, aumentando. Até que veio a pandemia e a magnitude da queda foi violenta. Houve muito pânico, irracionalidade e volatilidade.
Em um primeiro movimento tudo caiu muito e de forma semelhante. Havia uma expectativa de que haveria vacina, mas não se sabia quando.
Mas as empresas listadas são robustas e sofrem menos do que as menores, que não têm capital aberto. Contudo houve setores mais e menos afetados. Como em um primeiro momento todas as empresas tiveram queda de valor, tivemos a chance de fazer reajustes no portfólio e nos posicionar em quem iria lidar melhor com essa crise.
Quais foram e continuam a ser as principais apostas para enfrentar a crise?
Investimos bastante no setor de saúde e montamos uma posição interessante na Hapvida. Quando o papel caiu 30%, após o início da pandemia, muita gente achou que a sinistralidade dos planos saúde iria explodir. Nossa visão era diferente.
Pensamos que todos os procedimentos eletivos seriam cancelados e somente iria ao hospital quem realmente precisasse. Isso daria uma rentabilidade melhor para a operadora de saúde, e não pior. Nossa tese se sustentou: foi um ano espetacular para a Hapvida, coroado pela fusão com a NotreDame Intermédica (GNDI3) no início deste ano.
Acreditamos que a demanda por planos de saúde continuará crescendo. De um total de 210 milhões de brasileiros, só 47 milhões têm planos. Ou seja, 160 milhões de pessoas dependem do SUS. É uma oportunidade enorme quando se considera que ter um plano de saúde está entre os três principais desejos das famílias.
Proprietária da operação do McDonald´s na América Latina, a Arcos Dourados, listada somente nos Estados Unidos -- apesar de 80% da operação estar no país --, viu as ações caírem muito com a eclosão da pandemia.
Começamos a estudar o que estava acontecendo no exterior, onde a pandemia já estava mais avançada, como na Europa e na China. Vimos que, por um lado, os shoppings sofriam, mas por outro o delivery de rua tinha um bom desempenho. Resultado: as grandes redes conseguiram aumentar sua fatia no mercado, já que muitos pequenos negócios fecharam, pois não tinham fôlego para enfrentar uma crise desta magnitude.
Além disso, a Arcos Dourados vem investindo em um canal único (omnichannel) há muito tempo. Oferece delivery, retirada na loja, todas as opções possíveis: o cliente escolhe. Então vimos que esse crescimento aconteceu em todos os países analisados e que na América Latina não seria diferente.
No fim de 2020, os níveis de vendas das lojas já igualaram os de 2019. Acreditamos que a tese continua válida. A companhia vem investindo muito em marketing e promovendo grandes campanhas até no Big Brother Brasil.
Também investimos muito no setor de tecnologia, principalmente na Locaweb. A empresa tinha feito IPO recentemente. Víamos o Shopify registrando um bom desempenho lá fora, digitalizando o pequeno varejo ao montar uma plataforma de e-commerce.
Parte do negócio da Locaweb é fazer exatamente isso, uma tendência que foi acelerada pela Covid-19: não esperávamos que o valor da empresa fosse multiplicar quase 7 vezes em sete meses. Hoje, em 10 minutos, um pequeno comerciante consegue criar uma loja virtual.
Historicamente a Tarpon investe muito no agronegócio. É um setor conhecido por nós. Com a subida do dólar, nunca o fazendeiro ganhou tanto dinheiro na vida como em 2020. O segmento corresponde a 25% do PIB e amorteceu a queda da economia no ano passado.
Já tínhamos investimento relevante na Kepler Weber, a maior fabricante de silo para armazenagem de grãos. E atualmente o país está em um dos seus piores momentos de déficit de armazenagem. O assunto virou prioridade do Ministério da Agricultura. E a forte queda dos juros, nunca vista antes, impulsionou o fazendeiro a ter mais apetite para investir em armazenagem e comprar silos, o que auxilia no crescimento da empresa.
Também gostamos de olhar para o setor de energia, que tem risco menor. Investimos na transmissora Alupar, que tem receita fixa e altamente previsível. Dos contratos firmados pela companhia, 40% devem ser reajustados pelo IGP-M caso não haja interferências políticas.
O indicador avançou 30% nos últimos 12 meses, e a Alupar será uma das poucas empresas que conseguirão repassar essa alta para seu preço. Também contribui para nossa tese o final de um ciclo de investimentos relevantes na empresa, o que a tornará uma excelente pagadora de dividendos nos próximos anos.
Ainda existem empresas muito descontadas na bolsa, um ano após o início da quarentena?
Muitos setores já se recuperaram, mas, recentemente, começamos a montar uma posição nova que pode ser interessante e envolve os setores de logística, construtoras e o varejo alimentar.
O momento é muito desafiador. O desemprego está nas alturas, não temos mais o coronavoucher e a inflação não era assunto e começa a ser, influenciada principalmente pelas commodities -- metálicas e agrícolas -- e também pelo aumento do risco fiscal. Todos os países injetaram muito dinheiro na economia e isso tem um custo.
Por outro lado, será um momento de juros zero ou negativo, inclusive no Brasil, ao menos no curto prazo. Então o grande risco do mundo atual, na nossa visão, é a inflação. Se ela continuar a crescer, os juros vão voltar a subir no mundo e isso naturalmente afeta o preço dos ativos. Por isso é importante investir em empresas robustas, que registram grande geração de caixa.
Enquanto os juros estiverem baixos e até negativos, deixar dinheiro parado na renda fixa não vai valer a pena. Ainda temos 7 trilhões de reais investidos na renda fixa, metade por pessoas físicas. A migração para a renda variável não apenas bolsa, mas para ativos reais, como imóveis e fazendas, deve continuar forte.
É um caminho longo de aprendizado. O investidor deve tirar proveito da volatilidade do mercado, usá-la ao seu favor. Enquanto muita gente entra em pânico vendendo, nós montamos posições. É sabido que crises acontecem a cada década e o investidor tem de se aproveitar disso. Quando as empresas estão valendo mais, nós vendemos, e não o contrário.