Agência
Publicado em 31 de janeiro de 2025 às 14h57.
No dia 20 de janeiro de 2025, a China deu mais um passo em direção à liderança da inteligência artificial (IA) com o lançamento do DeepSeek-R1, um chatbot de IA generativa. O anúncio discreto contrasta com a turbulência vivida pelas sete maiores empresas de tecnologia dos EUA, conhecidas como Magnificent 7 (Apple, Microsoft, Alphabet/Google, Amazon, Nvidia, Tesla e Meta), que perderam juntas mais de US$ 600 bilhões em valor de mercado em 27 de janeiro. A movimentação levantou questionamentos sobre o avanço tecnológico do país e seu impacto no mercado global.
Embora o Vale do Silício tenha colocado os Estados Unidos no topo do mercado global de IA, a China tem avançado rapidamente, impulsionada por investimentos bilionários e uma política governamental que prioriza a inovação. O país já abriga algumas das maiores empresas de tecnologia do mundo e tem se consolidado como um dos principais polos de pesquisa e desenvolvimento em IA. Mas até que ponto iniciativas como o DeepSeek podem mudar esse cenário?
Segundo Fabro Steibel, PhD e diretor executivo do ITS Rio, a China já está no segundo plano plurianual que coloca a inteligência artificial como prioridade. Embora nem sempre receba esse reconhecimento nos debates ocidentais, ainda assim, a potência asiática já consolidou sua posição no setor. “Com o DeepSeek é a primeira vez que uma aplicação de IA generativa chinesa ganha bastante destaque lá fora”, diz. No entanto, ele pondera que a ferramenta, sozinha, não é suficiente para desafiar a liderança global. “É mais complexo do que isso.”
Uma das principais diferenças entre a China e o Ocidente no desenvolvimento de IA está na relação entre empresas e governo. “Há uma relação de simbiose”, explica Steibel. Ele cita o caso da BYD, que teve seu crescimento impulsionado por contratos com o setor público. “Os primeiros clientes da BYD foram a prefeitura de Shenzhen. Primeiro se trocou a frota de caminhões, depois a de táxis e outras”, exemplifica. Esse modelo se repete na IA. “Existe um ecossistema muito ativo de desenvolver soluções no setor privado para o setor público. Isso cria demanda.”
Outro fator relevante é o ambiente regulatório de privacidade na China, que difere consideravelmente das normas ocidentais. “É diferente do que é nos Estados Unidos ou na Europa, principalmente na comparação com o GDPR”, ressalta Steibel. A nova lei europeia de proteção de dados, que entrou em vigor em maio de 2018, é uma regulação da União Europeia, mas muitas entidades fora da Europa que utilizam serviços online também são impactadas. “Isso faz com que não haja comparabilidade de privacidade por padrão. Ela pode existir, mas não é presumida.”
Além disso, regulamentações locais podem obrigar empresas a compartilharem dados com o governo. “As diferenças regulatórias criam uma potencial incompatibilidade. Quando a gente fala de aplicativos de internet que vão no celular ou que você acessa pelo computador nesse mundo digital, essa questão de privacidade é uma tensão constante.”
Diferente de algumas iniciativas ocidentais, a China tem apostado na abertura como diferencial competitivo no desenvolvimento da IA. “A grande diferença do DeepSeek é a aposta no modelo aberto”, diz Steibel, embora não seja totalmente aberto, mas parcialmente. Ele menciona Shenzhen como um exemplo de ecossistema em que o compartilhamento de código impulsiona carreiras. “Quando você tem essa lógica de que uma IA aberta pode ser mais acessível, barata e customizável do que outras fechadas, isso influencia o mercado.”
Além disso, a inteligência artificial pode transformar setores produtivos, o que pode fortalecer ainda mais a competitividade chinesa. “O uso de IA pela China deve refletir na diminuição de custo de produção”, observa Steibel. “Talvez a grande vantagem não esteja na IA em si, mas nos resultados que ela gera.”
Entre os avanços mais promissores, Steibel destaca o desenvolvimento de modelos menores e mais eficientes. “O que parece estar acontecendo com o DeepSeek é o uso de técnicas de Knowledge Distiller, que reduzem o tamanho de um modelo grande”, explica. “Isso o torna mais versátil, ainda que com menos detalhes.” Ele compara essa tecnologia à compactação de imagens, que facilitou a difusão de fotos na internet. “É como se o DeepSeek fosse uma versão compactada de modelos maiores, mas há muito a se descobrir sobre isso.”
O crescimento da IA chinesa pode transformar dinâmicas econômicas globais. “Ainda não é a grande economia em termos de produção, mas é para lá que estamos indo”, conclui Steibel. “A tendência é que novos modelos como o DeepSeek surjam, e isso pode ser uma transformação tão grande quanto foi a introdução dos Transformers.”
Os Transformers são um modelo de rede neural que utiliza o mecanismo de atenção para processar dados de forma mais eficiente, permitindo treinamento mais rápido e escalável. Introduzido em 2017, esse modelo é uma base para avanços em IA, como os modelos GPT e BERT, especialmente em tarefas de processamento de linguagem natural. A inovação dos Transformers permitiu que redes neurais se tornassem muito mais eficientes, sendo fundamentais para o desenvolvimento de tecnologias atuais, incluindo os chatbots e tradutores automáticos.