Da esquerda para a direita: Unitree, Atlas, Figure 01, Digit e Neo Beta – uma seleção de robôs humanoides e quadrúpedes que representam o futuro da robótica em diferentes aplicações, da logística à assistência doméstica
Repórter
Publicado em 2 de dezembro de 2024 às 15h11.
Última atualização em 18 de dezembro de 2024 às 10h52.
HELSINQUE - No conto "O Homem Bicentenário" (1976), do visionário Isaac Asimov, a família Martin adquire um robô da série NDR chamado Andrew, por volta do ano de 2050, para auxiliar nas tarefas domésticas. Ao ser apresentado à família, Andrew inicia uma jornada de aprendizado sobre as nuances do que torna todos nós humanos e espelha em si mesmo um tipo de humanidade. Com o advento da inteligência artificial (IA), a ficção científica ganha ares de realidade e torna a fábula da máquina que encontra uma família em mais uma das imaginações de Asimov que se tornaram verdadeiras previsões.
A IA que vai no bolso: a Qualcomm aposta nos smartphones para democratizar a IAÉ exatamente o que mostram criações tecnológicas como Neo Beta, da startup norueguesa 1X Robotics, que já comercializa o robô doméstico com funções muito semelhantes as de Andrew. Durante o Slush deste ano, um dos maiores eventos de tecnologia do mundo realizado em Helsinque, na Finlândia, o CEO da empresa, Bernt Øyvind Børnich, apresentou sua proposta para revolucionar o trabalho doméstico e industrial: a junção da IA generativa da OpenAI, criadora do ChatGPT, para criar serviçais de metal.
No caso do Neo Beta, que deve ser um produto para famílias, sua principal característica é a habilidade de trabalhar diretamente com humanos, com movimento delicados e com capacidade de compartilhar dados e aprendizado com outros robôs para otimizar tarefas. Isso é possível graças a sistemas de IA baseados em aprendizado federado, permitindo que cada unidade funcione como parte de uma inteligência maior.
Com capacidade para compreender comandos de voz e expressões faciais, o Neo Beta se adapta às demandas de ambientes dinâmicos com casas com vários moradores. Entre as tarefas que o robô executa estão a organização de ambientes, limpeza, transporte de pequenos objetos e até trabalho em equipe com humanos.
Essa última é uma característica garantida por mecânica avançada, capaz de impedir que a força avassaladora de uma máquina seja nociva para um humano, garantindo, por exemplo, que o robô possa cuidar inclusive de crianças. "Assim como o ChatGPT trouxe inteligência contextual para conversas, robôs humanoides são a base para máquinas lidarem com o mundo físico", explicou Børnich durante sua apresentação.
O salto no desenvolvimento de robôs humanoides não seria possível sem a IA generativa, uma tecnologia capaz de criar, a partir de dados, soluções e comportamentos nunca antes programados. A capacidade de aprendizado em tempo real é o diferencial que "humaniza" as rígidas máquinas que passam a ter capacidade de improvisar e colaborar com pessoas.
A Tesla, por exemplo, usa esse tipo de tecnologia no Optimus, seu robô humanoide projetado para tarefas domésticas e industriais. No evento "We, Robot", realizado em outubro de 2024, a Tesla surpreendeu o público ao apresentar Optimus em interações inéditas.
Os humanoides misturaram-se com os convidados, atuaram como bartenders e até participaram de jogos como mímica, demonstrando não apenas sua mobilidade, mas também habilidades sociais simuladas. No entanto, o próprio Elon Musk reconheceu que algumas dessas demonstrações ocorreram sob teleoperação ou com assistência humana, um reflexo dos desafios técnicos que a empresa ainda enfrenta para alcançar plena autonomia nos robôs.
Pouco depois, a Tesla divulgou um vídeo impressionante que destaca a evolução técnica do Optimus. O robô foi capaz de pegar duas bolas de tênis arremessadas, uma demonstração facilitada por sua nova mão, equipada com 22 graus de liberdade e atuadores posicionados no antebraço, imitando a funcionalidade dos tendões humanos.
Dado o potencial, há empresas mirando na escala possível para a mão de obra robótica. A Agility Robotics, criadora do simpático robô Digit, inaugurou em 2024 a primeira fábrica do mundo dedicada exclusivamente à produção de robôs humanoides. Batizada de Robofab, a planta, localizada no estado do Oregon, nos Estados Unidos, tem capacidade para fabricar até 10 mil robôs por ano. Em parceria com a Amazon, o Digit está sendo testado para organizar depósitos e movimentar cargas leves.
Já a Figure AI, empresa que recebeu US$ 675 milhões em investimentos de gigantes como Microsoft e Nvidia, aposta no Figure 02, um robô que já realizou tarefas como dobrar roupas e colaborar em linhas de montagem automotiva em parceria com a BMW. Segundo fontes, apesar dos avanços, alguns dos testes mais chamativos ainda dependem de teleoperação – uma etapa comum, mas que revela os desafios de tornar os robôs totalmente autônomos.
O mesmo vale para o Apollo, da Apptronik. Projetado para tarefas repetitivas e fisicamente exigentes, o robô está sendo testado em fábricas da Mercedes-Benz. A estratégia é clara: substituir trabalhos manuais que demandam esforço extremo por máquinas capazes de repetir o serviço incansavelmente.
Embora o foco inicial esteja na indústria, o potencial dos humanoides vai muito além. O mercado de logística, dominado por empresas como Amazon e GXO Logistics, já está experimentando robôs em operações críticas. A Amazon, por exemplo, vê nos humanoides a possibilidade de transformar o setor de e-commerce, desde a organização de produtos em armazéns até a entrega final ao cliente.
E não para por aí. Aplicações futuras incluem assistência a idosos, educação e até serviços de resgate. Imagine um robô que não apenas limpa sua casa, mas entende suas preferências e ainda cuida da sua segurança. Elon Musk declarou que vê um mundo com 10 bilhões de robôs humanoides até 2040, uma estimativa que depende tanto da aceitação do público quanto de avanços contínuos na tecnologia: "Acho que este será o maior produto de todos os tempos, de qualquer tipo".
Com o mercado de robôs humanoides estimado em US$ 38 bilhões até 2035, empresas de tecnologia e governos estão se preparando para lidar com as mudanças que essas máquinas trarão. Na China, a produção em massa de robôs humanoides é uma meta já para 2025, parte de uma estratégia nacional para liderar a robótica global.
Enquanto isso, especialistas apontam que a integração desses robôs em atividades cotidianas pode redefinir profissões, criar novas demandas e até questionar os limites éticos do uso de máquinas que imitam humanos. “Estamos entrando em uma nova era da relação entre homem e tecnologia”, resume Karen Xu, analista de tendências tecnológicas.
(O repórter participou do Slush a convite da Business Finland)